SOBERANIA POPULAR, PLEBISCITO E CONSTITUINTE ESPECÍFICA
Estas bandeiras, assumidas e propagadas pela grande mídia, tiveram o condão de colocar as instituições políticas e os seus representantes na corda do ringue, nocauteados pelo oponente, o povo, que se levantou "contra tudo que está aí", que bradou seu repúdio "às mazelas de um sistema político corrupto, atrasado, que não nos representa".
A autoridade política máxima do país, aquela que, em tese, deveria ser o alvo central de toda a repulsa, revolta, indignação ou rejeição do "maior movimento de massa da história" recepcionou, como nenhum outro político, as bandeiras hasteadas pelos protestantes, afirmando que "era sua obrigação ouvir as vozes das rua".
No dia de hoje, 24.06.13, a Presidência da República Democrática de Direito do Brasil se reuniu diretamente com as jovens lideranças do Movimento Passe Livre e depois com os governadores e prefeitos das capitais.
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Reunião da Presidência da República Democrática de Direito do Brasil com representantes do Movimento Passe Livre e com governadores e prefeitos de capitas |
O principal pacto é pela reforma política, a causa básica dos problemas vividos pelo povo brasileiro. A população expressou claramente este problema, ao rejeitar todos os partidos políticos - de direita, de centro ou de esquerda, da situação ou oposição; e, da mesma forma, os sindicatos e entidades estudantis tradicionais foram escorraçados dos protestos realizados.
Sem o patrocínio das entidades tradicionais, a natureza das manifestações foi colocada sob suspeição: não seria manobra de grupos direitistas e golpistas, uma grande trama para um golpe antidemocrático? A resposta não foi ainda encontrada. Muitas análises se realizam sem um consenso convincente.
Uma proposta apresentada pela autoridade política máxima começa a aclarar o significado político da manifestação. Trata-se do pacto pelo processo constituinte específico da reforma política, mediante plebiscito. Tal iniciativa dá um rumo e um canal de escoamento democrático ao movimento.
Da forma como estava, realmente, o movimento poderia ser apropriado ou direcionado por qualquer setor político ou econômico hegemônico, com poder capacidade de influência sobre a opinião pública.
A proposta do pacto plebiscitário do processo constituinte específico, portanto, tem legitimidade política para galvanizar a voz das ruas.
Plebiscito, constituinte e reforma política são bandeiras que expressam a vontade popular por mudanças do País. Rediscutir as instituições de representação do povo. Democratizar os poderes. Eliminar a influência das máfias organizadas no interior do Estado. Dar voz aos despossuídos.
O levante popular a que se assiste questiona exatamente a representação indireta, por meio dos parlamentares eleitos pelo voto direto e secreto. Os representantes do povo traíram seus representados. Por isso, os traídos se rebelaram e exigem a representação direta. A representação indireta está carcomida pela corrupção e pelo conchavo antipovo. Chega de eleger quem não representa o povo, portanto, exige-se a representação plebiscitária direta.
O plebiscito proposto pela Presidência da República é um dos principais fundamentos do Estado Democrático de Direito instituído na nossa república federativa. O art. 14 da CF diz que "a soberania popular será exercida pelo sufrágio universal, pelo voto direto e secreto mediante plebiscito, referendo e iniciativa popular".
A Presidência da República Federativa Democrática de Direito do Brasil está propondo que a constituição seja emendada para que se institua um novo modelo de representação política que corresponda aos anseios do povo.
Para isso, propõe uma constituinte específica. O que significa isso? O art. 60, I, II e III diz que a Constituição poderá ser emendada mediante proposta assinada por 1/3 dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado; da Presidenta da República; e por 1/2 mais um das Assembleias Legislativas das unidades da federação, em adesão, em cada uma delas, da maioria dos seus membros.
Daí se vê que, obviamente, a Presidência da República tem legitimidade, legalidade e competência para propor o "pacto plebiscitário da constituinte específica".
Em síntese, o plebiscito para uma constituinte exclusiva significa reforma política nas mãos do povo.
A grande mídia - Globo, Folha, Estadão e Veja - depois que acordou, sem querer, o "gigante adormecido" se assustou e ficou com medo das consequências advindas. Estas ganharam consequências por via da proposta presidencial.
Assim, o monopólio midiático desencadeou imediato bombardeio, destacando com veemência posições doutrinárias conservadoras ao processo constituinte plebiscitário.
Uma parte da doutrina entende que a proposta de convocação do plebiscito para a reforma política deverá ser apresentada pela Presidência da República ao Congresso Nacional como projeto de emenda à constituição - PEC.
A proposta seria então debatida e votada na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, em dois turnos, mediante quórum qualificado de 3/5 dos votos dos membros de cada uma das casas.
Promulgada a resolução pela respectiva Mesa do Congresso Nacional, realizar-se-ia o plebiscito que, indicando o resultado da maioria do povo a favor da constituinte, esta seria instalada para discutir e promulgar a reforma política tão ansiada pela população.
Outra parte da doutrina defende posição ainda mais conservadora. Primeiro, amedronta com o retrocesso, alardeando que a reforma política deve ser feita mediante PEC que não se limitaria à reforma política, podendo abarcar todos os assuntos, representando, segundo esta visão, uma ameaça de retrocesso aos avanços consagrados no texto constitucional de 1988.
É bom lembrar que a CF brasileira, com 28 anos de vida, já sofreu 73 emendas - uma emenda a cada 3 meses e 24 dias, enquanto a constituição dos Estados Unidos foi emendada 27 vezes desde 1.787 - uma alteração a cada 8,3 anos.
O retrocesso às conquistas inseridas na CF brasileira vem sendo promovido desde a sua promulgação, sem que o povo saiba, entre as quatro paredes do Congresso Nacional, movido pelos interesses de lobistas que cobram dos parlamentares a fatura das generosas contribuições de campanha.
A contrariedade desta posição ao processo constituinte, frente ao quadro institucional instável do regime político brasileiro, esbarra num dispositivo criado pelo constituinte original de 1988. O art. 60, § 4º, I a IV da CF diz que "não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir a forma federativa do Estado; o voto direto, secreto, universal e periódico; a separação dos poderes; e os direitos e garantias individuais".
A constituição, portanto, estabeleceu mecanismo de autoproteção dos princípios, direitos e conquistas nela insculpidos. O dispositivo protetor é chamado de cláusulas pétreas, que preserva os avanços conquistados na Constituição de 1988 e que não poderão ser alterados por emenda constitucional, nem geral e nem específica.
Pelo motivo exposto, não procede o argumento contrário ao plebiscito constituinte.Verifica-se no cenário dos debates que, em bom português, está em jogo a estratégia que busca "entregar o galinheiro para a raposa tomar conta".
O conservadorismo doutrinário se liga ao temor político fundado numa verdade absoluta, a de que o único poder capaz de alterar não só esta ou aquela cláusula, mas toda a Constituição é o povo. A revolução popular é legítima fonte constituinte primária.
O processo constituinte revolucionário destrói e depois reconstrói uma nova ordem, instaurada novo Poder de acordo com a vontade direta do povo. E esta não se confunde com a exaltação de nenhum agitador digital, ou apresentador de TV, ou blogueiro ou comentarista de coluna social.
Por mais poderosos que sejam os meios de comunicação social pós-modernos - mídia televisiva, Internet, redes sociais - que ampliaram seu poder de mobilização sobre as camadas médias da população, há um contingente majoritário de pessoas excluídas do processo de mobilização em curso.
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Protesto do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), dia 25.06.13, em direção ao Palácio dos Bandeirantes, sede do governo tucano do estado de São Paulo |
Quando a maioria ainda silenciosa entrará no jogo? Não se deve "brincar com o fogo", pois quando ela entrar em campo, haverá mudança no resultado do placar, hoje favorável às elites.
O aventureirismo de um oligopólio televisivo que quebrou sua grade de programação para transmitir, ao vivo, a "transformação social" do Brasil, mudará de tom quando se fizer ouvir as vozes, os braços, a alma e as aspirações de milhões de brasileiros sem terra, sem casa, excluídos das oportunidades de mercado numa sociedade elitista e discriminatória.
A proposta da autoridade política máxima da Nação leva em conta o quadro social e político do País. Não se propõe alterar cláusula pétrea. Fazer isso seria um golpe contra o Estado Democrático de Direito. Propõe chamar o povo para uma repactuação específica das relações de representação do poder político. Asseguradas as conquistas, a proposta avança na melhoria da relação do poder com o cidadão.
O pacto da reforma política, assim, atingiu o alvo político da questão. Tão logo a Presidência da República Democrática de Direito fez o anúncio da proposta, os líderes dos partidos da oposição - PSDB, senador Aécio Neves; DEM, senador Agripino Maia; e PPS, senador Roberto Freire, anunciaram que "não são contra a reforma política, mas a presidência está tentando dar um golpe (sic), pois não possui competência (sic) para a iniciativa proposta, que é exclusiva (sic) do Congresso Nacional" .
Os políticos tradicionais atrelados ao capital monopolista não querem o plebiscito constituinte. Mesmo com milhões de pessoas protestando, os representantes do povo não demonstram a menor sensibilidade para com o clamor das ruas.
Nos moldes atuais do regime político brasileiro, a representação direta por meio do plebiscito de um processo constituinte exclusivo, é o único meio de fazer valer a vontade das ruas sobre as instâncias de representação indireta. Querer o contrário é subverter a relação entre eleitores e eleitos: o mandante deve obediência ao mandatário. Absurdo!
O povo, para os políticos da Velha travestida de Nova República não passa de massa de manobra. Quando se caminha para dar ao povo poder real, a conversa muda. Se os deputados e senadores não quiserem, arquivarão a PEC e mandarão a reforma política para a lata do lixo; ou farão um arremedo de reforma.
O que os políticos tradicionais querem é só promover algo muito trivial, qual seja, a mudança política do partido que está no governo. Tirar aquele que está no poder e colocar lá o que está fora.
Esse jogo do poder, baseado na alternância situação e oposição, embora salutar, não se limita ao revezamento de mandatários, mas se subscreve principalmente ao conteúdo do poder, consistente na realização de atos que correspondam às vontades emanadas dos mandantes. Nisso consiste o primado da soberania popular.
Caso se mantenha a ordem inversa e subvertida da atual relação de poder, que distorce a vontade emanada da fonte originária do povo, então, esta fonte primária continuará jorrando seu caudal de vontade, de rebeldia e de protesto pelo canal da mobilização da rua, até que o subalterno se curve ao soberano!
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* Osmar Pires Martins Júnior é doutor em Ciências Ambientais, mestre em Ecologia, graduando em Direito, membro vitalício da cadeira 29 (patrono Attílio Corrêa Lima) da Academia Goianiense de Letras.