Osmar Pires Martins Júnior
E o povo já pergunta - com maldade -
onde está a honestidade?
(Noel Rosa)
Este artigo insiste no questionamento feito por Noel Rosa na letra do samba “Onde Está a honestidade?”. A questão aflige os brasileiros desde meados do século passado até os dias atuais. O conteúdo das ações de agentes políticos encarregados da probidade na coisa pública precisa ser analisado com maior profundidade para se tentar encontrar uma resposta. Neste sentido, dá-se continuidade à análise da ação civil pública de improbidade administrativa protocolada sob o número 200592428540 na 2ª Vara da Fazenda Pública Estadual da Comarca de Goiânia. Na ação, o nobre Julgador da 2ª Turma da 1ª Câmara Cível TJ-GO, responsável por decisão sobre improbidade e desonestidade, embora tenha laborado intensamente, não deu resposta contributiva à pergunta do saudoso poeta e lançou dúvidas que, do ponto de vista do direito, reclamam reexame sob vários aspectos, visando obter-lhe esclarecimento e, mais ainda, a invalidação por vícios ou erros de fundamento e de fato, implicando na reforma da solução dada ao litígio.
REFORMA DO DECISUM
O r. Acórdão, no voto prevalecente do Relator divergente, se sujeita a interposição de embargos infringentes visando modificação ou reforma na solução dada pela maioria apertada do Julgador à acusação de improbidade sobre ato que nada tem de desonesto.
Por Inexistência de Dolo e de Dano
O r. Acórdão contém o dispositivo “[...] presença de dolo no dano ao patrimônio público e patrimônio econômico. configuração do ato de improbidade administrativa. [...]” (fls. 1 e 2)
Mas, no próprio dispositivo encontra-se posicionamento divergente sobre o dolo, verbis:
“[...] VII – Ainda que não se verifique efetivo dano ao patrimônio público, em sentido estrito, compreendido como patrimônio econômico, o dano ao patrimônio público em sentido amplo autoriza a aplicação das sanções, mormente no caso do art. 11, consoante disposição do art. 21, inciso I, da Lei de Improbidade Administrativa. [...]” (fls. 3 e 4 do r. Acórdão)
Ao condenar os acusados com base na presença de dano ao erário, em sentido amplo, estabelece-se conflito com a norma, a jurisprudência e a doutrina amplamente dominantes que só admitem aplicação das penas de improbidade administrativa em caso de ato ímprobo, caracterizado como aquele que subjetivamente produz resultado reprovável, isto é, é desonesto na administração pública o autor de ato ilícito praticado intencionalmente para enriquecimento próprio ou de terceiro, que resulte em prejuízo aos cofres públicos.
Nesse sentido, o voto prevalecente do r. Acórdão reproduz as contradições da Sentença monocrática, pontuadas a seguir.
- Na p. 21 do julgado de primeira instância os réus são ímprobos:
“[...] No presente caso, entendo que a conduta dos réus causou prejuízo ao patrimônio público, em razão da ilegal destinação de receita pública, tendo em vista que não foi observado o procedimento correto para a contratação de empresa de auditoria [...]”.
- Logo em seguida, à p. 24 da decisão singular os acusados não são ímprobos:
[...] o autor não demonstrou a ocorrência de que o preço avençado pelas partes [Omissis] foi exorbitante [...]. O autor apenas afirmou que houve lesão ao erário em decorrência da contratação, mas não provou o efetivo dano patrimonial ocorrido, não demonstrando que os honorários fixados sejam exagerados ou estejam acima do preço de mercado. Não bastasse isso, os serviços foram efetivamente prestados pela ré Maria Aparecida [...].
- E, mais à frente, à p. 25, o julgador monocrático, em face dos antecedentes, atesta que os acusados sempre foram honestos, para concluir que inexistiu dano ao erário, verbis:
Desta forma, não há que se falar em aplicação da penalidade de ressarcimento integral do dano, uma vez que não há provas suficientes da ocorrência de dano material [ao patrimônio público].
Por não militar em desfavor dos réus nenhum antecedente de conduta ímproba, bem como não ter havido efetivo dano patrimonial à Administração, deixo de aplicar as penalidades de suspensão dos direitos políticos e de perda da função pública [...]
Assim, o próprio julgador da primeira instância reconhece a inexistência de dolo e de dano ao erário. E este entendimento merece prosperar, pois está de acordo com as provas carreadas aos autos. Veja-se, por exemplo, o OF. 965/04, de 07/12/04, da lavra do então presidente da Autarquia contratante, ora primeiro réu, na composição do custo do Termo de Referência, aprovado pela PGE, SEPLAN e GCI, constante do procedimento de inexigibilidade juntado as autos, verbis:
[...] Vimos prestar esclarecimentos, em resposta ao despacho nº 028/04, expedido pelo Grupo de Trabalho de Ação Permanente, da Gerência de Ação Permanente da SEPLAN, referentes ao processo nº 5601.15750/2004-5 nos seguintes quesitos:
[...]
3 – Composição do valor indicado nos autos
O valor indicado nos autos foi determinado levando-se em consideração o número de horas previstas para cada atividade a ser desenvolvida, da seguinte forma:
- análise dos aspectos formais dos processos (89)....... | 356h |
- análise dos aspectos jurídicos dos TACs (74)............ | 222h |
- respostas aos quesitos do MP................................... | 150h |
- elaboração de proposta de TAC............................... | 20h |
- elaboração de relatório conclusivo........................... | 100h |
- preparação e apresentação do material.................... | 50h |
- apresentação pública do trabalho............................. | 22h |
- elaboração de proposta de Portaria de Normatização........................................................... | 70h |
- acompanhamento de rotina de elaboração de TAC.. | 50h |
TOTAL.................................................................. | 1.040h |
Foi considerado o valor de R$ 50,00 (cinquenta reais) por hora trabalhada, totalizando
R$ 52.000,00 (cinquenta e dois mil reais) [...]. (fls. 22-24 do procedimento de
inexigibilidade acostado aos autos)
As provas, devidamente produzidas nos autos e não impugnadas pela parte adversa, comprovam: o serviço de auditoria, efetivamente prestado ao órgão público contratante, foi pago pelo preço correspondente à metade da tabela de honorários da OAB-GO, no estrito valor autorizado pelo titular da SEPLAN no Parecer nº 270/04 constante do regular procedimento de inexigibilidade.
Portanto, impossível apenar os acusados por dano ao erário, em face das provas e das normas pertinentes da Lei de Licitações e Contratos, verbis:
“[...] Art. 25 - ...
§ 2º Na hipótese deste artigo e em qualquer dos casos de superfaturamento, respondem solidariamente pelo dano causado à Fazenda Pública [...] o prestador de serviços e o agente público responsável [...]”.
Na verdade, a execução do contrato subjudice proporcionou ganho à administração pública. A injusta decisão causa insegurança jurídica. O r. Acórdão não pode prosperar, sob pena de se lançar o jurisdicionado ao desamparo. As penas da improbidade são aplicadas, quando cabíveis, ao agente público honesto ou ao agente público desonesto?
Por se Tratar de Ato Vinculado, Convalidado e Insuscetível à Nulidade
Como exposto, os Julgadores de 1º e de 2º graus condenaram os acusados às penas de improbidade administrativa com base na existência de dolo e de dano ao erário, em sentido amplo, por supostamente dispensar ilegalmente a licitação na contratação de serviço de auditoria. Os nobres Julgadores não atentaram que o objeto do contrato questionado é caracterizado pela Lei de Licitações e Contratos como serviços técnicos profissionais especializados, disciplinados pelo art. 13, II e III, como pareceres e auditorias tributárias, para a contratação dos quais, conforme mandamento do art. 25, II, é inexigível a licitação pela administração pública.
De acordo com a norma, o instituto da contratação direta por inexigibilidade possui natureza jurídica vinculada de procedimento administrativo licitatório, constituído por uma sequência ordenada de atos administrativos. Na mesma esteira entende a doutrina de Irene Patrícia Nohara, Doutora em Direito do Estado pela Universidade de São Paulo – USP, In: Direito Administrativo. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2011, verbis:
“[...] Nos casos de inexigibilidade, a decisão de não realizar o certame é vinculada, à medida que, configurada alguma das hipóteses legais, à Administração não resta alternativa além da contratação direta [...]”. (NOHARA, Op. Cit., p. 347)
O procedimento de inexigibilidade, devidamente juntado aos autos, comprova que a dispensa de licitação foi motivada e justificada por uma sequência de atos administrativos praticados por diversos agentes públicos competentes. No caso de qualquer vício, cf. mandamento do art. 49 da Lei de Licitações e Contratos, a autoridade competente deverá revogá-lo por razões de interesse público ou anulá-lo por ilegalidade mediante parecer escrito e fundamentado.
A falha formal constatada no procedimento de inexigibilidade foi identificada pelo então presidente da Autarquia, ora primeiro réu, que solicitou, via OF. Nº 049/05, parecer do titular do órgão de controle dos atos administrativos da administração pública estadual. No Despacho nº 091/05, a autoridade superior competente convalidou o procedimento mediante publicação da declaração de inexigibilidade na imprensa oficial.
Resta demonstrado, ao final, que o caso submetido à apreciação judicial, apesar das decisões condenatórias de 1º e 2º graus, não possui qualquer mácula ou vício de nulidade. O contrato foi firmado de acordo com os ditames da norma, da jurisprudência e da doutrina. Perfeitamente cabível ao caso um dos princípios específicos da licitação, segundo o qual não há nulidade sem prejuízo. É o que ensina a melhor doutrina, in litteris:
[...] Princípio do formalismo procedimental: as regras aplicáveis ao procedimento licitatório são definidas diretamente pelo legislador, não podendo o administrador público descumpri-las ou alterá-las livremente. Importante enfatizar, no entanto, que o descumprimento de uma formalidade só causará nulidade se houver comprovação de prejuízo. Desse modo, segundo a jurisprudência, o postulado pas de nullité sans grief (não há nulidade sem prejuízo) é aplicável ao procedimento licitatório [...] (NOHARA, Op. Cit., p. 317)
Por Ofender Coisa Julgada
A ação de improbidade administrativa em trâmite na 2ª Vara da Fazenda Pública Estadual da Comarca de Goiânia, decidido na 1ª Turma de Julgamento da 2ª Câmara Cível do TJ-GO, tem o mesmo objeto e os mesmos réus da ação penal que transitou em julgado na 12ª Vara Criminal da mesma comarca deste tribunal que, em sede de Apelação Criminal nº 34.295-6/213, à unanimidade dos votos dos Julgadores, inocentou os mesmos acusados da mesma acusação, verbis:
“[...] o MP não apontou, sequer por insinuação, a ocorrência de propósito reprovável com dano ao erário ou proveito próprio, por conseguinte, absolvo o acusado das imputações contidas na denúncia [...]”.
O STJ, no recurso especial, confirmou a decisão do tribunal a quo, em acórdão absolutório definitivo:
“[...] Lei nº 8.666/93. Art. 89. Licitação. Dispensa. Dolo. Ausência. 1. O crime tipificado no art. 89 da Lei nº 8.666/93 (dispensar licitação fora das hipóteses previstas em lei) só admite a modalidade dolosa. 2. A Corte Estadual, ao afastar o dolo da conduta do agente, concluiu pela atipicidade do fato. 3. Chegar a conclusão diversa quanto à ocorrência do dolo, exigiria o reexame de todo o acervo probatório, o que é vedado em sede de recurso especial (Súmula 7/STJ). 4. Recurso especial não conhecido [...]” (REsp 1194894. R. p/ Acórdão: Min. Jorge Mussi, data do julgamento: 16/12/2010, DJe: 01/02/2011).
Por sua vez, a doutrina de Garcia, E. e Alves, R. P. In: Improbidade Administrativa. 4. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 478, entende que:
“[...] Na avaliação das questões penais já julgadas, cujos mesmíssimos fatos constituem o objeto de ação civil pública, julgada a pretensão deduzida na ação penal antes das demais, fará ela coisa julgada sempre que se reconhecer a presunção de circunstância que exclua o crime ou isente o réu da pena (art. 386, V, CPP) [...]”.
Por Estabelecer Claro Dissídio Jurisprudencial
A jurisprudência amplamente predominante nas Cortes Máximas e nos Tribunais não ampara os argumentos persecutórios em curso. Assiste-se dissídio pretoriano com paradigma oriundo do mesmo julgador, do mesmo tribunal, de outros tribunais e da Corte Máxima. A jurisprudência é pacífica a respeito dos elementos apontados pela norma para a caracterização do ato de improbidade administrativa. A título de exemplo, citam-se os acórdãos paradigmas:
· Apelação Cível nº 97.451-5/188 e Apelação Cível nº 110.626-7/188, nas quais o TJ-GO decidiu que a imputação das penas previstas na lei de improbidade administrativa não se caracteriza por mera irregularidade, mas que o ato questionado resulte em efetivo e comprovado prejuízo ao erário e não, como no r. Acórdão, dano em sentido amplo;
· Apelação Cível nº 97.186-1/188 e a Apelação Cível nº 119.023-0/188, nas quais o TJ-GO decidiu que o ato de improbidade administrativa depende da comprovação de dolo ou má-fé por parte do agente público;
· Recurso Especial nº 1.164.947/DF, no qual o SSTJ decidiu que o elemento subjetivo é essencial à caracterização do ato de improbidade administrativa.
COTEJO ANALÍTICO COM PARADIGMA DO MESM JULGADOR A QUO
O mesmo Julgador do r. Acórdão, em análise, foi relator da Apelação Cível nº 97.186-1/188, na qual o TJ-GO decidiu que a imputação das penas de improbidade administrativa depende de dolo e prejuízo ao erário, cuja ementa se transcreve:
“[...] Ementa: Apelação Cível. Ação Civil Pública. Improbidade Administrativa. Rejeição da ação. Inexistência de ato ímprobo. Não demonstração de prejuízo no erário. I – não merece censura a sentença que rejeita ação civil pública nos termos do art. 17, § 8º da Lei nº 8.429/92, quando o ato acoimado de ímprobo é, na verdade, fruto de inabilidade, de gestão imperfeita, ausente o elemento ‘desonestidade', ou de improbidade propriamente dita. II – os atos de improbidade só são punidos a título de dolo, indagando-se da boa ou má-fé do agente, nas hipóteses dos arts. 9º e 11 da Lei nº 8.429/92. Já os atos de improbidade do art. 10, como está no próprio caput, são também punidos a título de culpa, mas deve estar presente na configuração do tipo de prova inequívoca do prejuízo ao erário. Precedentes do STJ. Decisão: Acordam os integrantes da 3ª Turma julgadora da 2ª Câmara Cível do egrégio TJ-GO, por unanimidade de votos, em conhecer do recurso e negar-lhe provimento, nos termos do voto da relatora [...]” (Ap. Civ. 97.186-1/188. 2ª C.C. TJ-GO. Relatora em subst.: Amélia Martins de Araújo. Data do Acórdão: 12/02/2008. Publicada em: DJ nº 51 de 17/03/2008)
No relato do caso paradigma, supra colacionado, o Julgador relatou que, nas razões recursais,
“[...] o MP-GO informou que a arrecadação dos parques municipais Antonio Marmo Canedo e Parque JK [de Anápolis] não era recolhida aos cofres públicos, ou seja, depositada em conta específica da Secretaria Estadual do Meio Ambiente e dos Recursos Hídricos de Goiás. Pelo contrário, todas as receitas eram empregadas na manutenção dos parques, sendo que a prestação de contas era feita de forma simplória, em um simples caderno de anotações, portanto, desprovida de qualquer valor legal [...]. Por conseguinte, arremata que, ao deixar de repassar as receitas [...] à unidade orçamentária competente, bem assim ao ordenar e pagar despesas (compras) na manutenção do referido parque, o requerido descumpriu cabalmente dispositivos legais (art. 56 da Lei 4.320/64 e art. 14 da Lei 8.666/93), incorrendo por sua vez nos preceitos contidos no art. 10, inc. XI e art. 11, inc. I da Lei de Improbidade Administrativa [...]”
A solução dada ao litígio do caso paradigma, pelo nobre Julgador, diverge frontalmente ao dado no presente caso. Veja a conclusão do caso paradigma:
“[...] Imprescindível, pois, para a configuração do ato de improbidade administrativa, a demonstração do evidente propósito do agente público de auferir vantagem, causando dano ao erário, o que, como já dito, não se coaduna com a hipótese dos autos, em que não existe ato de improbidade, mas mera irregularidade formal no procedimento administrativo fustigado. [...]”
Pelo exposto, o meritíssimo Julgador, no voto-vista do julgado vencedor na 1ª Câmara Cível, estabelece claro dissídio não só com a jurisprudência, mas com outro julgado de sua própria relatoria na 2ª Câmara Cível do TJ-GO. O ilustre julgador precisa esclarecer, afinal, qual o critério legal que adotada para caracterizar o ato de improbidade administrativa e julgar o réu submetido ao seu veredito.
Segundo a Norma, o Que é Improbidade?
A Lei nº 8.429/92 de Improbidade Administrativa – LIA disciplina três espécies de atos ímprobos: i) que causam enriquecimento ilícito; ii) que causam lesão ao erário; e, iii) que atentam contra os princípios da administração pública.
O objetivo da LIA é punir o administrador desonesto, corrupto, que atua com má-fé, de forma a causar lesão ao erário, violando os princípios da administração pública, de maneira a obter resultado vantajoso para si ou para outrem, sempre à custa do Poder Público, do Erário, do dinheiro do contribuinte.
Segundo a Doutrina, o Que é Improbidade?
A doutrina não ampara os argumentos persecutores em curso. Da obra “Licitação – Inexigibilidade – Serviço Singular”, do respeitado jurisconsulto Bandeira de Mello, conclui-se que o trabalho intelectual, dentre eles, do advogado, não pode ser contratado por licitação.
O renomado autor Miguel Reale, na obra “Revogação e Anulamento do Ato Administrativo”, manifesta pelo “não cabimento da imputação de improbidade aos atos que causam lesão ao erário, quando eles são convalidados e invalidados, ou, sendo atos ilegais por vício de formalidade, seus efeitos jurídicos são mantidos pelo poder público”. Ora, o que se dirá então de ato administrativo que não causa lesão ao erário e cuja formalidade e efeitos jurídicos são devidamente instituídos pelo poder público?
Di Pietro, na consagrada obra “Direito Administrativo”, alerta que “a imputação das graves penas de improbidade exige bom senso, de forma que deve ser analisada a ocorrência do dolo ou má-fé na conduta do agente público, além da ilegalidade e do dano ao erário”.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O caso em análise exemplifica uma banalização da Lei de Improbidade Administrativa, que decorre da ação desmedida do agente político incumbido de promover o Estado de Direito e a moralidade na coisa pública. Infelizmente, a banalização desmedida do combate à desonestidade vem sendo encampada pelo Julgador. A judicialização de fatos embasados em atos administrativos probos, realizados por agentes competentes, assume contornos que atentam aos objetivos da Lei, desmoralizando-a e mantendo a inquietação da sociedade à pergunta de Noel Rosa: onde está a honestidade e o que é a desonestidade?
O judiciário foi acionado para tratar de alegada irregularidade que nada tem de desonestidade ou improbidade. A divergência é fruto de um ponto de vista divergente do agente político tutor da lei sobre ato administrativo da esfera de competência da autoridade que desenvolvia sua função no poder executivo. O tutor da lei buscou a responsabilidade criminal e civil da pessoa física da autoridade do executivo, tipificando sua conduta no art. 89 da LLC. No caso em apreço, a Justiça, em instância máxima e irrecorrível, julgou a responsabilidade criminal, com absolvição por atipicidade do fato (art. 386 do Código Processo Penal).
O art. 935 do Código Civil reza que “a responsabilidade civil é independente da responsabilidade criminal, mas quando estas questões se acharem decididas no criminal, não se pode questionar mais sobre a existência e a autoria do fato”.
O acusador buscou a responsabilização civil e penal de autoridades do poder executivo, legalmente capacitados a praticar ato administrativo de contratação de serviço técnico especializado. Tal ato foi objeto da mesma demanda em esferas distintas. Recorre-se ao regramento da Lei nº 8.112, de 11/12/1990, sobre as responsabilidades dos Servidores Públicos Civis da União, como paradigma à interpretação do caso concreto, verbis:
Art. 121. O servidor responde civil, penal e administrativamente pelo exercício irregular de suas atribuições.
Art. 122. A responsabilidade civil decorre de ato omissivo ou comissivo, doloso ou culposo, que resulte em prejuízo ao erário ou a terceiros. [...]
Art. 123. A responsabilidade penal abrange os crimes e contravenções imputadas ao servidor, nessa qualidade.
Art. 124. A responsabilidade civil-administrativa resulta de ato omissivo ou comissivo praticado no desempenho do cargo ou função.
Art. 125. As sanções civis, penais e administrativas poderão cumular-se, sendo independentes entre si.
Art. 126. A responsabilidade administrativa do servidor será afastada no caso de absolvição criminal que negue a existência do fato ou sua autoria.
Na esfera penal a questão foi definitivamente resolvida com absolvição dos acusados em face do fato atípico, ausência de dolo e de dano ao erário. Diante do regramento supra mencionado, impossível cobrar a responsabilidade civil de servidor pela prática de ato não danoso aos cofres públicos.
Resta indagar se na esfera da Lei de Improbidade Administrativa, sendo o fato não ilícito, seria possível aplicar as penas de improbidade contra o agente que o praticou. Evidente que não. Trata-se de coisa julgada, conforme art. 5º item XXXVI da Constituição Federal, art. 6º da Lei de Introdução ao Código Civil e art. 467 do Código de Processo Civil.
O Poder Judiciário só pode interferir sobre atos ilegais da administração pública. É salutar o controle judicial dos atos da administração, no estado de direito, visando o interesse comum e o combate à corrupção. Tal desiderato requer reflexão, em face das questões expostas, sobre as aplicações dos princípios da legalidade em respeito à tripartição dos poderes, da dignidade da pessoa humana e dos direitos e garantias fundamentais.
Osmar Pires Martins Júnior, doutorando em Ciências Ambientais pela UFG, mestre em Ecologia, graduando em direito, é professor de Pós-Graduação em Perícia Ambiental na PUC-GO, escritor e membro-fundador da cadeira 29 (patrono Attílio C. Lima) da Academia Goianiense de Letras