DIREITO À ANISTIA E REPARAÇÃO DE ATO ILÍCITO
O arquivamento arbitrário e ilegal, no atacado, aos milhares, de requerimentos protocolados na Comissão da Anistia, durante o governo de exceção de Temer e de seu corolário bolsonarista de extrema-direita, é revelador, a contrario senso, do conteúdo fortemente democrático do direito à anistia e à reparação de ato ilícito praticado por agentes estatais imbuídos da motivação de exclusiva perseguição política.Por sua vez, a tentativa de desmonte da Comissão de Anistia é esclarecedora a respeito da importância de se manter, em regimes de institucionalização da democracia, a perspectiva estratégica de políticas públicas e suas ferramentas de justiça transicional, visando o fortalecimento dos direitos humanos e do Estado Democrático de Direito no Brasil.
1. O processo nº 2010.01667-02, protocolado na Comissão de Anistia em 22/03/2010 e, desde então, pendente de decisão, possui como parte requerente – Osmar Pires Martins Junior e como causa de pedir o direito de anistia fundado no art. 1º, I, II e III, da Lei nº 10.559/2002;
2. O pedido se limitou ao fato evidenciado em ato ilícito praticado por agente estatal com motivação exclusivamente política que impediu o requerente de ser empossado no cargo de biólogo da Superintendência de Meio Ambiente da Secretaria Estadual de Saúde de Goiás – SEMAGO, verbis:

Figura 1 - Extrato do Pedido formulado no requerimento protocolado na Comissão de Anistia
3. O pedido está fundamentado nas provas apresentadas no processo, quais sejam, informação do SNI e certidão fornecida pela Casa Civil da Presidência da República – dossiês do SNI, que evidenciam o monitoramento do requerente pelos órgãos da ditadura, sendo esta a causa da exclusão do requerente para a posse do mesmo no cargo de biólogo concursado, conforme Diário Oficial nº 15.175, de 20/02/1987, p. 08, já que ocupava a primeira posição na lista de chamada, em face da desistência de Jácomo Divino Borges, contratado como biólogo na Escola de Agronomia da UFG, mas foi contratada para o cargo Eliane Lopes, que ocupava posição inferior na lista de classificação;

Figura 2 – Extrato da p. 8 do Diário Oficial nº 15.175, de 20/02/1987
4. O dossiê do SNI ACE nº R0020412, constante da Certidão de dados do SNI/CGI/CSN, autuada sob n° 00322.000792/2008-CV no Arquivo Nacional, registra que “[...] OPMJ [Osmar Pires Martins Junior], presidente do DCE UFG, proferiu em fev. 81, um discurso contestatório e antigovernista em Amorinópolis-GO [...] é militante do PCdoB, tendo criticado sistematicamente o Governo Federal [...] é irmão de DPM [Delcimar Pires Martins], vendedor ambulante do Jornal TLO [Tribuna da Luta Operária] [...]”;

Figura 3 - Extrato da p. 12 da Certidão do Arquivo Nacional
5. O dossiê do SNI ACE nº R0011095 constante da Certidão supra mencionada, registra que: “[...] AAM [Adalberto Alves Monteiro] e DPM, ao venderem a TLO, porta voz do PCdoB em Goiás, foram presos pela Polícia Federal [...] OPMJ, EPM [Eliomar Pires Martins] e IPM [Ismar Pires Martins] auxiliaram AAM e DPM na realização de ato público em Amorinópolis – GO, no dia 26 fev. 1981 [...]”;

Figura 4 - Extrato da p. 3 da Certidão do Arquivo Nacional
6. Na mencionada Certidão do Arquivo Nacional, o SNI registra dados atualizados em 20/04/1989, que "OPMJ é Presidente da Associação dos Biólogos de Goiás - ABG (1988), membro da Corrente Sindical Classista (1989), irmão de DPM, EPM e IPM";

Figura 5 - Extrato da p. 2 da Certidão do Arquivo Nacional
7. A documentação juntada no requerimento inicial protocolado na Comissão de Anistia comprova que o requerente foi ostensivamente vigiado e monitorado pelo Estado por atividades então consideradas subversivas, sendo preso, detido e indiciado reiteradas vezes durante o período de exceção que vigorou no Brasil entre 1°/04/1964 e 05/10/1988, abrangido pela Lei da Anistia. Depreende-se dos dossiês do SNI do Arquivo Nacional impresso, então juntado, que tal vigilância compreendia o período de fevereiro de 1981 até o ano de 1989, ultrapassando a data da promulgação da CF/1988, em 05/10/1988;
8. Pela razão supra, o pedido formulado no requerimento protocolado na Comissão de Anistia, em 23/03/2010, se restringiu à reparação do direito de anistia referente ao concurso de biólogo da SEMAGO/SES-GO, em fev. 1987. Os documentos juntados comprovam que o requerente não foi empossado no cargo de biólogo por motivo exclusivamente político;
9. No Ofício SEMAGO GAB-DG 48/89, de 16/02/1989, constante dos autos, o Diretor Geral da SEMAGO pede ao governador do Estado de Goiás a convocação de pelo menos um dos 3 três concursados, mas, em 29/03/1989, a concursada Eliane Lopes foi contratada no cargo de Biólogo em flagrante desrespeito à ordem de classificação e em prejuízo efetivo do requerente;
10. Os representantes das entidades de classe requereram e compareceram à audiência com o Diretor Geral da SEMAGO, realizada em meados de 1987, para reivindicar a convocação dos biólogos concursados. Tais representantes são testemunhas diretas do ato discriminatório de embargo político à contratação do requerente. Faz prova cabal deste fato as declarações supervenientes e subsidiariamente juntadas aos autos, quais sejam, a declaração assinada pela então conselheira do Conselho Federal de Biologia (CFB) Lyzete de Roure Silva, bem como a declaração assinada pelo então presidente da Associação dos Servidores da SEMAGO (ASSAGEMAR) Arailson da Rocha Moreira (DOC. 1);

Figura 7 – Extrato da Portaria n° AAA/2283/75, publicada na p. 17 do Diário Oficial de 21/11/1975
12. Consoante Escritura Pública de Declaração, expedida pelo 5º Tabelionato de Notas de Goiânia, em 20/12/2023 (DOC. 2), o requerente não foi empossado no Quadro Especial do Fisco, mesmo aprovado no concurso, em nov. 1975, por ato ilícito do Estado com motivação exclusivamente política, nos termos do depoimento do Dep. Adjair de Lima e Silva, eleito para a legislatura 1975-79, pela ARENA e reeleito para a legislatura 1979-83, pelo PDS – partidos de sustentação política da ditadura militar;
13. O depoente supra mencionado declara que a contratação para o Quadro do Fisco Estadual de Goiás, sob a égide dos governadores biônicos Irapuan Costa Junior (1975-1979) e Ary Ribeiro Valadão (1979-1983), foi motivada por razão exclusivamente política, sendo o concursado Osmar Pires Martins Junior prejudicado nos termos do art. 8° do ADCT, caput, verbis:
14. O depoimento do advogado Adjair de Lima e Silva que à época dos fatos narrados era deputado estadual pela ARENA e depois PDS, constitui prova direta e inconteste do ilícito praticado pelo Estado, qual seja, para ocupar o cargo de Fiscal Arrecadador e de Agente Arrecadador (atual Auditor Fiscal), a despeito de classificado no concurso público para o Quadro do Fisco do Estado de Goiás (nov. 1975 a nov. 1979), o concursado teria que compor-se com o partido político de apoio ao governo vigente, verbis:Art. 8º É concedida anistia aos que, no período de 18 de set. de 1946 até a data da promulgação da Constituição [5 de out. de 1988], foram atingidos, em decorrência de motivação exclusivamente política, por atos de exceção, institucionais ou complementares, aos que foram abrangidos pelo Decreto Legislativo n.º 18, de 15 de dez. de 1961, e aos atingidos pelo Decreto-Lei n.º 864, de 12 de set. de 1969, asseguradas as promoções, na inatividade, ao cargo, emprego, posto ou graduação a que teriam direito se estivessem em serviço ativo, obedecidos os prazos de permanência em atividade previstos nas leis e regulamentos vigentes, respeitadas as características e peculiaridades das carreiras dos servidores públicos civis e militares e observados os respectivos regimes jurídicos.
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Figura 8 - Extrato do DOC. 2 (Escritura Pública de Declaração) |
16. Os arts. 342, I e 397, II, do Código de Processo Civil – CPC conferem ao autor o direito de juntar ao processo na Comissão de Anistia, novas evidências, supervenientes, pertinentes e relacionadas aos fatos da causa, disponibilizadas com a informatização digital <https://sian.an.gov.br/sianex/consulta/resultado_pesquisa_new.asp?v_pesquisa=OSMAR%20PIRES%20MARTINS%20JUNIOR&v_fundo_colecao=>, extraída do SIAN – Sistema de Informações do Arquivo Nacional <Arquivo Nacional (an.gov.br)>:

Figura 9 - Print do sítio do SIAN contendo o registro de 224 dossiês do monitoramento de Osmar Pires Martins Junior, pela ditadura militar, no período de 1975 a 1989
17. No sítio do SIAN, supramencionado, estão registrados 224 dossiês produzidos por agentes estatais dos órgãos de repressão do governo militar, que acompanharam passo-a-passo as atividades do requerente, durante uma década e meia (1975 a 1989). Os dossiês do SNI são fontes de informação que delinearam os antecedentes sócio-políticos justificadores, à lógica do Estado de Exceção então vigente, da perseguição política geradora de prejuízos materiais e morais, como não empossar o autor em cargos conquistados em concursos públicos, promover monitoramento, vigilância, detenções e prisões. Assim como o autor, outros milhares brasileiros que lutaram pela democracia sofreram algum tipo de sequela, inclusive o desaparecimento e a morte de centenas de conterrâneos!
18. As sequelas supra mencionadas são efeitos perversos ainda não inteiramente extirpados da nossa sociedade, em virtude de uma Justiça Transicional Incompleta, subsistindo ameaças de ruptura do Estado de Direito e permanente regressão constitucional nos direitos arduamente conquistados, inclusive sobre as cláusulas pétreas. Esse fenômeno tem sua causa relacionada ao uso estratégico do direito, por parte de agentes estatais ainda atuantes num país que está por concluir a efetiva transição da ditadura militar para a efetiva democracia;
19. Extrai-se do SIAN, o Memorando n° 377 – MJ, de 03/10/1975, originado pela Informação n° 427 – SNI, de 26/08/1975 (DOC. 3), atestando irregularidades nas contratações de servidores públicos em Goiás, durante do governo Irapuan Costa Junior, ipsis litteris:

Figura 10 – Extrato do DOC. 3 (Memº n° 377– MJ, de 03/10/1975, orig. Inf. n° 427– SNI, de 26/08/1975)
i) não realização de concursos públicos para o ingresso e provimento de cargos;
ii) contratação sem concurso público com alto padrão salarial na CAIXEGO e na CODEG, de pessoas que, em seguida, são colocadas à disposição da administração direta; e
iii) aprovação de projeto legislativo que eliminou o concurso interno para promoção da carreira dos cargos de Fiscal Arrecadador e de Agente Arrecadador para o de Agente Fiscal dos Tributos Estaduais.
20. O Chefe do SNI Gal. João Batista Figueiredo apresentou a Informação n° 427– SNI ao Presidente da República Gal. Ernesto Geisel, que determinou ao Ministro da Justiça Armando Falcão, as providências junto ao então governador de Goiás Irapuan Costa Junior;
21. No Of. nº 55 SEC.GOV, de 31/10/1975, o governador Irapuan Costa Junior apresentou os esclarecimentos ao Ministro da Justiça Armando Falcão e informou as providências:

i) que realizou concursos públicos para o cargo de Promotor de Justiça do MP-GO e para o Quadro do Fisco;
ii) que vetou o projeto aprovado na Assembleia Legislativa e realizou o concurso interno para a promoção de Fiscal Arrecadador e de Agente Arrecadador ao cargo de Agente Fiscal dos Tributos Estaduais; e,
iii) que admitiu a contratação irregular de pessoal pela administração indireta;
22. O concurso para o Quadro Especial do Fisco do Estado de Goiás foi realizado em 21/09/1975 pela FUNDAÇÃO CARLOS CHAGAS/SP, no qual se inscreveram 13.481 candidatos para 568 vagas de Agente Arrecadador e de Fiscal Arrecadador, isto é, cada vaga foi disputada por 23 candidatos oriundos de todos os estados da federação;
23. Nos documentos anexados pelo governador de Goiás ao mencionado Of. nº 55, extraídos da Inf. SNI n° 427/75, que originou o Memº MJ nº 377/75, consta o Edital do Concurso para o Quadro do Fisco que estabelece na "cláusula I.4" as atribuições cometidas aos Agente Arrecadador e ao Fiscal Arrecadador que são as de fiscalização e arrecadação de tributos, sendo os vencimentos do primeiro no valor de CrS 3.294,00, e o do segundo, de Cr$ 4.563,00, podendo, igualmente ambos, atingir até Cr$ 10.400,00 (dez mil e quatrocentos cruzeiros);
24. Na "cláusula I.5.g", o Edital diz as condições legais para posse nos cargos de Agente Arrecadador e de Fiscal Arrecadador:
a) ser brasileiro;
b) ter idade superior a 18 anos e inferior a 35 anos à data de encerramento das inscrições, exceto para ocupantes de cargo ou função pública;
c) ser eleitor;
d) estar quite com as obrigações militares;
e) estar quite com a Fazenda Pública;
f) ter aptidão física e mental comprovadas em inspeção médica;
g) não registrar antecedentes criminais e político-sociais e estar em gozo dos direitos políticos;
h) apresentar declarações dos bens e valores que constituem o seu patrimônio;
25. O autor se inscreveu, fez as provas, passou no concurso, cumpriu todas as demais condições, mas não tomou posse por incidência de uma cláusula inconstitucional, ipsis litteris: "I.5.g - Condições para posse [...] não registrar antecedentes político-sociais";
26. O disposto no item anterior evidencia ato ilícito perpetrado pelo Estado com motivação exclusivamente política, configurada nos antecedentes político-sociais do requerente, positivados em 224 dossiês do SNI/CGI/CSN que relatam suas atividades democráticas, sobejamente vigiadas, monitoradas e registradas durante uma década e meia pelos órgãos de controle da ditadura militar;

Figura 12 – A cláusula I.5.g do Edital do Concurso do Fisco Estadual de Goiás (1975) estabeleceu a condição para posse de não registrar antecedentes político-sociais
27. O Governador de Goiás Irapuan Costa Junior, no ofício dirigido ao Ministro da Justiça Armando Falcão, juntou artigos e matérias publicadas na grande imprensa sobre o concurso do Quadro do Fisco. A ficha de recorte do jornal O Popular, de 08/10/1975, constante da Inf. SNI n° 427/75, extraída do Memº MJ n° 377/75, registra o nome do requerente na relação nominal dos aprovados para fiscal arrecadador, verbis;
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Figura 13 – A Inf. SNI nº 427, de 26/08/1975, p. 55, contém recorte do jornal O Popular, de 8/10/75, p. 5, com o nome do requerente na relação dos aprovados no concurso para fiscal arrecadador
28. Resta provado, de forma inconteste, que o Estado promoveu longa vigilância, monitoramento, detenções e prisões do autor, Osmar Pires Martins Junior [OPMJ] e inclusive de seus irmãos IPM, EPM e DPM, confrontou os dossiês do SNI e, indene de dúvidas, os antecedentes políticos do autor [OPMJ] configuram ato ilícito como motivo exclusivamente político para o impedimento da sua posse no cargo de Fiscal Arrecadador, conquistado no concurso realizado em set. 1975, com validade até nov. 1979, cujo resultado foi publicado no Diário Oficial e na grande imprensa, cf. exposto em linhas anteriores;
29. Verbi gratia, os antecedentes político-sociais certificados nos dossiês dos órgãos de vigilância e monitoramento da ditadura militar, explicitamente datados desde 08/10/1975 a 20/04/1989, das atividades de OPMJ e de seus irmãos IPM, EPM e DPM, consistentes em atividades em prol da reconstrução e criação da União Nacional dos Estudantes – UNE, União Estadual dos Estudantes de Goiás – UEE, Diretório Central dos Estudantes - DCE-UFG, Centros Acadêmicos – CAs de Biologia e Agronomia UFG, União Municipal dos Estudantes Secundaristas de Goiânia – UMES, União Brasileira dos Estudantes Secundaristas – UBES, da Corrente Sindical Classista – CSC e da Central Única dos Trabalhadores de Goiás – CUT; da união das oposições para derrotar o partido da ditadura nas eleições gerais de 1982; da mobilização pelo ensino público e gratuito, democratização das universidades, eleições diretas para Presidente da República, da convocação da Assembleia Nacional Constituinte; da defesa do meio ambiente, do desenvolvimento sustentável e da elaboração de capítulo próprio nas Constituições Federal e Estadual de Goiás;
30. Tais razões exclusivamente políticas delimitam os antecedentes político-sociais e configuram o ato ilícito praticado pelo Estado para não dar posse ao autor, OPMJ, tanto no impedimento para posse no cargo de Fiscal Arrecadador (nov. 1975-nov. 1979), equivalente ao de Auditor Fiscal da Secretaria de Estado da Economia de Goiás, assim como no impedimento para posse no cargo de Biólogo (fev. 1987) da Superintendência Estadual do Meio Ambiente da Secretaria de Estado de Saúde de Goiás – SEMAGO/SES, hoje Analista Ambiental da Secretaria Estadual do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável – SEMAD;
31. A Escritura Pública de Declaração (DOC. 2 já citado) registra importantes informações sobre a Assessoria de Informação e Segurança – ASI como órgão de gestão de informações para limpeza ideológica nas universidades, a serviço da ditadura militar. A historiadora e pesquisadora Caroline Nunes, da UFG, afirma que, dentre outras funções, a ASI era responsável pela vigilância do movimento estudantil e, na UFG, funcionou desde 1970 até 1986, de consequência, monitorou, no período 1976/1985, os passos do autor, enquanto estudante de biologia (ingresso pelo vestibular de janeiro/1976, classificado em 2º lugar) e de agronomia (ingresso pelo vestibular de janeiro/1978), monitor da disciplina Zoologia no ICB e, especialmente, as atividades de reconstrução da União Nacional dos Estudantes - UNE, da União Estadual dos Estudantes de Goiás – UEE GO, do Diretório Central dos Estudantes – DCE-UFG e dos Centros Acadêmicos de Biologia e de Agronomia;

Figura 14 – ASI-UFG monitorou o movimento estudantil de 1970 até 1986 e, de consequência, as atividades do requerente no período 1976/1985
32. Por sua vez, o sociólogo da UFG, Flávio Diniz, ao pesquisar os arquivos da ASI UFG constatou que eles foram em grande parte destruídos, restando apenas 18 documentos, pequenos e incompletos no Centro de Informação, Documentação e Arquivo – Cidarq/UFG.

Figura 15 - Os arquivos da ASI-UFG foram destruídos, restaram 18 documentos pequenos e incompletos
33. O autor requereu ao diretor do Cidarq, devidamente processada no Sistema Eletrônico de Informação – SEI da UFG sob o n° 4887080, que emitiu a Certidão, em 08.10.2024 (DOC. 4), atestando que na base de dados do Cidarq foi identificado o nome de Osmar Pires Martins Junior em atividades monitoradas pelo SNI, fornecidas pelo Arquivo Nacional, mas não foram encontrados no Cidarq os documentos da Assessoria de Informação e Segurança – ASI referentes às atividades do requerente, conhecidas em outros meios de registros da informação, de reconstrução da União Nacional dos Estudantes - UNE, do Diretório Central dos Estudantes – DCE-UFG e dos Centros Acadêmicos de Biologia e de Agronomia, durante o período em que o mesmo cursou as graduações de biologia (1976-1980) e de agronomia (1978-1985) na UFG;
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Figura 16 - Extrato DOC. 4 (Certidão CIDARQ, de 08/10/2024)
34. Inobstante a insuficiência dos arquivos da ASI-UFG, a certidão da base de dados do SNI, disponível no sistema informatizado do Arquivo Nacional – SIAN, evidencia inconteste que o Estado detinha informações adjetivadas nos antecedentes políticos do requerente, sendo este o motivo do ato ilícito do agente estatal que o impediu de tomar posse, seja no cargo de Fiscal Arrecadador do Quadro do Fisco Estadual, em 1975-1979, seja no cargo de biólogo da Superintendência do Meio Ambiente da Secretaria Estadual de Saúde de Goiás, em 1987-1989;
35. Diante do exposto, resta esclarecer: o protocolamento na Comissão de Anistia da escritura pública de declaração e dos documentos extraídos do SIAN com a formulação de pedido adicional referente ao concurso do fisco, exerce o efeito de inovação na causa de pedir com o consequente efeito de nulidade do processo?
36. De acordo com a norma (art. 319, III, do CPC), a causa de pedir é um importante elemento da petição inicial que se refere aos fatos e fundamentos jurídicos que levaram o jurisdicionado a acionar o Poder Judiciário, ou seja, que levaram o autor a protocolar requerimento na Comissão de Anistia. O autor tem o ônus de indicar na petição inicial os fatos e os fundamentos jurídicos do pedido;
37. No mesmo sentido da norma, a doutrina afirma que o autor deve apresentar a causa de pedir consistente no motivo pelo qual está em juízo, nas razões fático-jurídicas que justificam o seu pedido (ARENHART, S. C.; MARINONI, L. G.; MITIDIERO, D. Código de processo civil comentado. 3. ed. São Paulo: RT, 2017);
38. Por sua vez, com base no princípio da congruência, a jurisprudência é firme no sentido de julgar procedente a ação quando restar demonstrada a necessária correlação entre o pedido/causa de pedir e o provimento judicial (arts. 141 e 492, do CPC), sob pena de nulidade por julgamento citra, extra e ultra petita;
39. Decorre do princípio da congruência a incidente hipótese CAUSA DE PEDIR REMANESCENTE, no caso concreto, que se funda em reparação do prejuízo causado ao requerente por ato ilícito do Estado com motivação exclusivamente política. Haveria aqui o efeito sistêmico e de repercussão geral da Tese 839/STF, in verbis:
Tema 839: a) Possibilidade de um ato administrativo, caso evidenciada a violação direta ao texto constitucional, ser anulado pela Administração Pública quando decorrido o prazo decadencial previsto na Lei nº 9.784/1999. b) Saber se portaria que disciplina tempo máximo de serviço de militar atende aos requisitos do art. 8º do ADCT.
Tese: No exercício do seu poder de autotutela, poderá a Administração Pública rever os atos de concessão de anistia a cabos da Aeronáutica com fundamento na Portaria nº 1.104/1964, quando se comprovar a ausência de ato com motivação exclusivamente política, assegurando-se ao anistiado, em procedimento administrativo, o devido processo legal e a não devolução das verbas já recebidas.
41. Em conformidade com a garantia de acesso ao Poder Judiciário (art. 5º, XXXV, da CF), ainda que não tenha requerido a declaração da condição de anistiado perante a Comissão de Anistia, a vítima da violência estatal pode requerer em juízo, a qualquer tempo (frise-se, não há prazo prescricional a ser considerado), sendo incontroverso que, no caso sub judice, o autor foi alvo, de 1975 a 1989, de perseguição política, vigilância, monitoramento, detenções, prisões e indiciamentos por agentes do regime miliar que vigorou no país de 1°/04/1964 a 5/10/1988, mas persistiu até mesmo depois da promulgação da Carta Cidadã;
42. É imprescritível a pretensão do autor à dupla reparação econômica indenizatória de ato ilícito perpetrado por agente estatal que o impediu de tomar posse nos cargos aprovados em dois concursos públicos: i) do Fiscal Arrecadador do Quadro Especial do Fisco (nov. 1975), atual Auditor Fiscal da Secretaria de Estado da Economia de Goiás e ii) de Biólogo da SEMAGO/SES (fev. 1987), atual Analista Ambiental da SEMAD. O ato ilícito de perseguição política foi praticado pelos agentes do Estado contra o autor durante uma década e meia (1975 a 1989), causando danos materiais, decorrentes do prejuízo patrimonial ou financeiro e danos morais, de aferição in re ipsa que dispensa comprovação específica, por violação aos direitos de personalidade do autor;
43. Insta observar que, embora a Lei da Anistia – Lei 10.559/2002 não exclua os direitos conferidos por outras normas legais ou constitucionais, vige a disposição específica do art. 16 desta Lei que veda a acumulação de quaisquer pagamentos ou benefícios ou indenização com o mesmo fundamento, facultando-se ao anistiado ou sucessores a opção mais favorável;
44. Inexiste vedação à acumulação da reparação econômica, prevista na Lei da Anistia, com a reparação por danos morais, uma vez que tais verbas tem fundamento e finalidade distintas – aquela visa à recomposição patrimonial (danos emergentes e lucros cessantes), e esta, à tutela da integridade moral, expressão dos direitos de personalidade;
45. O art. 6° da Lei 10.559/2002 assegura ao anistiado político o direito à percepção dos benefícios correspondentes à categoria de servidor público, se na ativa estivesse, com efeitos financeiros retroativos aos cinco anos precedentes à data do protocolo da petição ou requerimento inicial na Comissão de Anistia, no caso, em 22/03/2010;
46. O valor da prestação mensal, permanente e continuada será estabelecido conforme os elementos de prova oferecidos pelo requerente, correspondente ao da remuneração que o anistiado político receberia, obedecido o respectivo regime jurídico e, se necessário, considerando os seus paradigmas, consistentes na situação funcional de maior frequência constatada entre os pares ou colegas contemporâneos do anistiado que apresentavam o mesmo posicionamento no cargo, emprego ou posto quando do ato político praticado ilicitamente pelo agente estatal;
47. O paradigma para o cargo de Fiscal Arrecadador ingresso no concurso do Quadro do Fisco de nov. 1975 está evidenciado nos proventos de Fiscal Arrecadador e de Agente Arrecadador, enquadrados e unificados como Auditor Fiscal, cf. print extraído da folha de salários da Secretaria de Estado da Economia de Goiás, disponível do Site da Transparência do Estado de Goiás: <https://versalarios.com.br/go/mostra_unidade.php?id=44&p=179> (DOC. 5);
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Figura 17 - Extrato do DOC. 5 (proventos paradigmas Quadro do Fisco 1975)
48. O paradigma para o cargo de Biólogo, ingresso no concurso de fev. 1987 da Superintendência Estadual de Meio Ambiente da Secretaria de Estado de Saúde de Goiás (SEMAGO), corresponde aos vencimentos ou proventos do Analista Ambiental da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Goiás – SEMAD, conforme print extraído da folha de salários de Analista Ambiental, disponível no Site da Transparência do Estado de Goiás <http://versalarios.com.br/go> (DOC. 6);
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Figura 18 – Extrato do DOC. 6 (salários paradigmas do Biólogo da SEMAGO, hoje Analista Ambiental da SEMAD-GO)
49. A pretensão do caso em tela está atenta ao que a Lei da Anistia proíbe: i) a percepção cumulativa de reparação econômica em parcela única com a reparação em prestação continuada (art. 3°, § 1º, da Lei 10.559/2002) e ii) os pagamentos, benefícios ou indenizações com idêntico fundamento, facultando-se ao anistiado político ou seus sucessores, a escolha pela opção mais favorável (art. 16 da Lei 10.559/2002);
50. In caso, aguarda-se o julgamento do recurso administrativo, recebido como tempestivo em 20/05/2020, conforme protocolo SEI 08802.001673/2020-13, do requerimento protocolado na Comissão de Anistia sob o nº 2010.01667-02, em 22/03/2010, embasado nos arts. 10 e 12 da Lei da Anistia - 10.559/2002, que diz: "Fica criada, no âmbito do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, a Comissão de Anistia, com a finalidade de examinar os requerimentos referidos no art. 10 desta Lei e de assessorar o Ministro de Estado em suas decisões; caberá ao Ministro de Estado da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos decidir a respeito dos requerimentos baseados nesta Lei";
51. Assim, o presente processo se enquadra na prioridade de julgamento da Comissão de Anistia para emissão do competente parecer para a decisão do Ministro de Estado sobre pedido e causa de pedir formulado no requerimento de 22/03/2010, consubstanciado em fatos evidenciados e motivados no direito de anistia, estatuído na Lei n. 10.559/2002;
EM CONCLUSÃO
52. Tendo em vista o discorrido, o peticionamento na Comissão de Anistia de novo pedido referente ao concurso do fisco, dentro do período de validade do mesmo, entre nov. 1975 e nov. 1979, no contexto fático de perseguição política, verificada na vigência do concurso de biólogo de fev. 1987, nos quais o requerente logrou aprovação e, decorrente de ato ilícito intentado pelo agente estatal com motivação exclusivamente política, não foi empossado em nenhum destes cargos, evidenciado na documentação juntada no requerimento inicial de 23/03/2010, assim como nas provas novas, ora juntadas, a Escritura Pública de Declaração, os documentos extraídos da base de dados informatizados do SIAN e a Certidão Cidarq-UFG.
53. Ademais, pode o interessado requerer em juízo, a qualquer tempo, pois não há prazo prescricional a ser considerado, o direito de reparação econômica de dúplice caráter indenizatório – danos materiais e morais – por violação ao direito de personalidade em razão de ato ilícito perpetrado por agente estatal com motivação exclusivamente política, sobejamente evidenciado alhures.
54. Assim, com base no princípio da congruência, pode-se afirmar que o pedido formulado pelo autor relacionado ao concurso do fisco (nov. 1975-nov. 1979) encontra respaldo nos arts. 342, I e 397, II, do CPC como fato superveniente relacionado à demanda, circunstância que não configura inovação no processo n. 2010.01667-02, pendente de decisão, em trâmite desde a data do protocolo da petição inicial, em 22/03/2010, sendo CAUSA DE PEDIR REMANESCENTE em estreita pertinência e correlação com o requerimento inicial protocolado na Comissão de Anistia, nos termos do art. 8º do ADCT e da Lei n° 10.559/2002;
55. Assegurado o contraditório, pode o autor aditar o pedido na Comissão de Anistia, com estepe no art. 329, II, do CPC.
S.M.J., esta é a manifestação.
Assinam: Osmar Martins Barros OAB/GO 11.593, Ismar Pires Martins OAB/GO 6.069, Eliomar Pires Martins OAB/GO 9.970 e Ivoneide Escher Martins OAB/GO 12.624
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