AÇÕES CIVIS E PENAIS PÚBLICAS: INSTRUMENTOS DE PERSECUÇÃO POLÍTICA
Osmar Pires Martins Júnior* No dia mundial de combate à corrupção, realizado em 09 de dezembro último, se comemorou a data com marcantes intervenções de representantes de instituições criadas para este mister constitucional. Tais representantes apresentaram resultados à sociedade para que ela acredite faz bem em pagar-lhes vultosos salários e dispensar-lhes privilégios e prerrogativas a bem da probidade na administração pública.
Uma das atuações mais marcantes foi desenvolvida pela Promotoria do Patrimônio Público do MP-GO. Esta promotoria é representada por um combativo promotor de justiça, homem digno, probo, comprometido historicamente com a transformação social. O subscritor destas linhas, quando era Diretor da União Nacional dos Estudantes (UNE), nos idos de 1983 o conheceu como presidente do Diretório Central dos Estudantes da PUC-RS, enfileirado nas trincheiras da luta estudantil em prol da eleição direta para Presidente da República.
As combativas intervenções do digno promotor de justiça nos meios escrito, televisado e falado de comunicação do estado de Goiás e o imperativo ético-legal de conduta proba na administração pública e de estímulo às práticas honestas na administração privada, induzem os cidadãos de bem a apoiarem iniciativas de combate à corrupção. Por isso, torna-se pública a presente petição ao MP-GO sobre fatos e argumentos de direito relativos ao assunto, por meio da qual se requer providências atinentes com suporte no art. 187 do Código Civil.
A probidade na administração pública é um imperativo legal e ético, juntamente com o estímulo às práticas honestas nos setores públicos e privados. Só assim, sob o império da honestidade e da probidade, será possível desenvolver ações de proteção ao patrimônio público e, sobretudo, do bem público mais valioso, a vida e o meio ambiente que, segundo o artigo 225 da Constituição, se insculpe como prerrogativa fundamental, um direito de todos e uma obrigação do estado e do cidadão, enquadrado como bem de uso comum do povo. Portanto, o bem público ambiental é inalienável e imprescritível (que a ninguém, sob qualquer forma, é dada a prerrogativa de transacionar seu domínio do coletivo para o particular e nem tampouco prescreve ou caduca o direito do cidadão ou da sociedade de usufruí-lo em qualquer tempo).
Inicialmente, se contextualiza a exposição com um relato da intervenção do delegado de polícia, titular da DERCCAP, durante debate ocorrido no período de 14 a 16 de setembro de 2011, no auditório da UNIP, por ocasião do 2º Encontro Nacional de Chefes de Polícia Civil e 3º Simpósio Criminalista, do qual a pessoa subscrita participou como ouvinte, na condição de acadêmico do curso de Direito daquela instituição de ensino, na qual é também docente desde janeiro de 2006.
Ocorria a conferência sobre o tema "O perfil criminalístico do delinquente tributário", proferida no dia 15/09, 19:30, pela Advª Rebeca Adorno Nunes, tendo como debatedor o titular da DERCCAP, delegado Jerônimo Rodrigues Borges, sob a coordenação da Profª Claudia Sodré, da UNIP.
A conferencista discorreu, em síntese, sobre o caráter político do Direito Penal, que "penaliza severamente as pessoas de classe social marginalizada e deixa livre de pena os infratores de classe hegemônica".
Com a palavra, o debatedor, titular da DERCCAP, que tentou manter o diapasão da conferencista, ao citar, em tom veemente:
"[...] Uma investigação sobre a Prefeitura da Capital. Não vou citar o nome do investigado, embora eu esteja aqui na academia, onde tudo pode, então, na verdade, deveria fazê-lo".
Ouviu-se da platéia o murmúrio, quase um suplício: "cita, cita!". Neste momento, a coordenadora do debate manifestou:
"[...] Olha, na minha fala eu citei o nome da Daslu, em São Paulo, porque o nome estava na imprensa, o caso se tornou manchete nacional; neste caso, acho que não deve [...]".
O debatedor, delegado titular da DERCCAP, retomou a palavra:
"[...] Eu defendo a mais ampla publicidade; nome de bandido, de criminoso tem que ir pr'o jornal, pr'a TV; a população tem direito de saber; mas, eu vou me reservar desta feita. O dirigente público de uma pasta da Prefeitura atentou violentamente contra o patrimônio público. Ele realizou gastos ilícitos de consertos de carros. A investigação comprovou o conserto de Hilux, mas a placa era de uma motocicleta. Vou pegar sim, esse delinquente, que será chamado às barras da Justiça [...]".
Ao que se apresenta, o debatedor confirmou, ele próprio, a tese da conferencista: o Direito Penal é um instrumento político. O que se dizer então das instituições criminais? Elas são marcadas por atuação com caráter político ainda mais nítido. A atuação do debater como titular da DERCCAP evidencia este caráter. Antes de citar o caso da Prefeitura de Goiânia, o delegado esclareceu: "ingressei na Polícia Civil ainda no tempo do DOPS".
Se o antecedente, reconhecido pelo próprio debatedor, era de "atuação num órgão que se notabilizou pela perseguição aos oposicionistas, democratas, esquerdistas ou comunistas" que lutaram contra a ditadura e pela democratização do país, então, o subsequente – não admitido de forma expressa pelo próprio debatedor, mas inferido pelos ouvintes da platéia, de perspicácia crítica – é de perseguição aos que não perfilam com a hegemonia demo-tucana que controla há duas décadas a máquina do Estado – aí se inclui a Secretaria de Segurança Pública, a Diretoria da Polícia Civil, a DERCCAP, da qual o delegado-debatedor é titular e, logicamente, o MP-GO, cujo titular é nomeado pelo Chefe do Executivo Estadual.
Poder-se-ia indagar qual a relação do caso relatado no debate com o caráter político da atuação da citada instituição policial, aqui denunciado. O adv. Clarismino Júnior, ligado historicamente ao PMDB, partido de oposição ao PSDB-DEM, foi presidente da Agência Ambiental de Goiás durante os dois governos estaduais de Iris Rezende e presidiu a AMMA – Agência Municipal de Meio Ambiente durante os dois governos de Iris na Prefeitura de Goiânia.
O delegado-debatedor exemplificou a investigação da DERCCAP contra a pessoa do então presidente da AMMA, conforme denúncia amplamente veiculada na imprensa escrita, falada e televisada. O caso da "Hilux-placa da moto" foi reiteradamente citado como suposto exemplo de irregularidade.
“[...] Amma. Delegacia investiga irregularidades que teriam sido cometidas pela agência em seus gastos com veículos. A Delegacia Estadual de Repressão a Crimes Contra a Administração Pública (Derccap) já constatou nove tipos de irregularidades cometidas pela Agência Municipal de Meio Ambiente (Amma) em seus gastos com peças e serviços de manutenção de sua frota de veículos em 2009 e 2010.
Entre as irregularidades, que foram relatadas em documento assinado pelo delegado, a Amma gastou R$ 605,1 mil com 91 veículos diferentes em 18 oficinas. No entanto, só constam 73 na relação oficial de automóveis da agência. A Derccap também constatou que 30 dos veículos nos quais foram autorizados serviços são particulares e de modelos divergentes dos declaradas pela Amma. [...]
Acusação pública, sem comprovação do fato que sequer foi apurado, de forma antecipada, sem o crivo do contraditório e da ampla defesa, revela conduta antijurídica da autoridade policial. Tal forma de conduta do titular da DERCCAP não objetiva prender criminoso. O objetivo é a perseguição política.
O subscritor destas linhas atua na AMMA como pesquisador do programa de Doutorado em Ciências Ambientais da UFG (cf. Convênio nº 126/2010 publicado no DOU nº 128, de 07/07/2010) e, nessa condição, acompanhou de perto a aflição dos servidores e dirigentes diante do bombardeio acusatório. O diretor Administrativo-Financeiro da AMMA, Antonio Rodrigues, conforme relato pessoal ao infraescrito, em depoimento na DERCCAP, informou que, in litteris:
"[...] Houve um erro na digitação do número da placa da Hilux, que foi corrigido por exigência da Controladoria Geral do Município, que fez conferência no veículo para comprovar se, de fato, o conserto ocorreu na Hilux ou na moto, concluindo que ocorreu naquele veículo e não neste [...]".
Ora, mesmo diante deste esclarecimento, prestado alguns meses antes do debate no auditório da UNIP, ainda assim, o delegado titular da DERCCAP resolveu expor o nome do titular de órgão público ao escárnio de um auditório como um "criminoso que será chamado às barras da Justiça"?
A conduta narrada do referido delegado de polícia precisa ser investigada. Tal conduta, ao que se indica, não é jurídica e sim política. Evidenciando a comprovação desta hipótese, realizei levantamento dos autos em trâmite no TJ-GO contra os dirigentes que nos últimos 20 anos, estiveram à frente do órgão estadual de meio ambiente.
Conforme espelho do telejudiciário, juntado à petição dirigida ao promotor do patrimônio público, existem 20 ações civis públicas – ACPs ajuizadas e em trânsito no Poder Judiciário: TODAS têm no pólo passivo pessoas de dirigentes públicos ambientais ligadas aos partidos políticos de oposição ao governo estadual, e NENUMA das ações tem, no pólo passivo, pessoas ligadas aos partidos políticos que fazem parte da base política de apoio ao governo estadual nos últimos 20 anos.
Ao que se evidencia, os agentes políticos tutores e executores da lei – promotores e delegados – fazem parte de uma superestrutura de controle político-ideológico da máquina pública estadual: acusam por conveniência política e protegem ou se omitem por conveniência política.
A tese de que a máquina pública de investigação e de acusação presta-se ao controle político-ideológico em Goiás possui, portanto, evidência suficiente à necessária investigação, apuração e conseqüente adoção de enérgicas medidas corretivas, a bem do efetivo combate à corrupção e à impunidade.
Assim, nesta linha de exposição, traz-se à evidência outro fato que foi muito citado nas matérias dos meios escritos, falados e televisados, por ocasião do Dia Mundial do Combate à Corrupção, em 09/12/2011.
Trata-se da Operação Propina Verde, deflagrada pelo MP-GO em parceria com a DERCCAP, quando se anunciou, em 14/12/2010, de forma ampla, para todo o País, a apuração de escandalosa quantia de R$ 1 bilhão de recursos públicos desviados no ralo da corrupção, por agentes públicos e privados, na Secretaria Estadual do Meio Ambiente e dos Recursos Hídricos – SEMARH.
“[...] Um esquema de cobrança de propina para concessão de licenças ambientais e averbações de reservas legais pode ter rendido R$ 1 bilhão durante um ano e meio de atuação de um grupo criminoso baseado na Secretaria de Meio Ambiente e Recursos Hídricos de Goiás (Semarh).
A Operação Propina Verde, coordenada pelo Grupo de Repressão ao Crime Organizado do Ministério Público Estadual, prendeu 24 pessoas -- um procurado ainda está foragido. [...]Na sede da secretaria e nas casas e escritórios dos suspeitos foram recolhidos mais de 40 mil documentos e R$ 765 mil em dinheiro e cheques. Dez dos envolvidos são servidores da secretaria. Entre os presos, dois também foram autuados em flagrante por porte ilegal de arma. [...]
Segundo o MP o grupo era dividido em três categorias. O primeiro era composto por funcionários da secretaria, que se encarregavam de fraudar os processos. Já os despachantes tinham acesso livre às diretorias do órgão e intermediavam o esquema. Por fim, os chamados responsáveis técnicos viviam da localização de áreas para alocação das reservas legais. Esta seria a principal causa do prejuízo ambiental provocado pelo grupo, já que as investigações mostraram que em alguns casos o total de área de reserva legal averbada excedia em até quatro vezes o tamanho do município.
Se a referida Operação Propina Verde desmantelou um esquema tão poderoso de desfalque ao erário, há de se perguntar: a fantástica quantia de R$ 1 bilhão poderia ser desviada e apropriada por simples pessoas, servidores públicos que ocupam cargos subordinados, destituídas de qualquer poder político, de decisão ou de mando? Caso a resposta seja positiva, “que sim, tal esquema foi montado ao alvedrio de subordinados às autoridades superiores do órgão onde se praticou a improbidade”, então, data vênia, resulta por completo o desmando na máquina pública estadual.
De consequência, impõe-se a responsabilização, por conduta culposa, senão “in commitendo”, pelo menos “in ommitendo”, dos agentes ocupantes de cargos de mando no órgão público submetido ao descontrole administrativo que levou ao inaceitável desfalque bilionário desferido contra o erário.
“[...] Participação de políticos é investigada. O Coordenador do Centro de Segurança Institucional e Inteligência (CSI) do Ministério Público, o promotor Rodney da Silva, disse que esta é a maior operação já realizada em Goiás. Questionado sobre o possível envolvimento de políticos no esquema, ele disse que a apuração continua. “Estamos investigando há um ano e meio. Vamos chegar lá. (sic) [...]”. (O POPULAR, Operação Propina Verde. Propina liberava desmatamento. Goiânia, 15 dez. 2010, p. 4, Cidades) (grifos não no original)
Transcorridos mais de doze meses do anúncio da bombástica Operação Propina Verde, nenhum ocupante de cargo de mando no órgão que, segundo o MP-GO e a DERCCAP, desviou R$ 1 bilhão em propinas e fraudes, tenha sido preso preventivamente, indiciado na investigação criminal ou sequer acusado na ação penal ou na ação de improbidade administrativa protocolada no TJ-GO pelo MP-GO. E não se refere aqui a técnicos que ocupam casualmente uma função de titularidade, e sim, aos políticos profissionais que passam pelos órgãos como máquinas de dilapidação do erário, encerram os mandatos sem serem importunados e se instalam em outros órgãos para reiniciar o processo, sob o manto da impunidade que protege a ação de tais agentes ‘públicos’ corruptos.
A opinião pública e os meios políticos correntes, por conseguinte, os próprios agentes políticos tutores - promotores de justiça e executores da lei - delegados de polícia - são sabedores que todos os ocupantes de cargos de direção nos órgãos públicos em geral e, em particular no órgão investigado são de indicações políticas que compõem a base de apoio do partido que alcançou o poder da máquina pública. A Operação Propina Verde, portanto, expressa evidente omissão na investigação das condutas de agentes políticos que controlam os órgãos públicos, protegidos pelo manto da impunidade, por serem relacionados ao status quo, à superestrutura política dominante.
A persecução penal e cível, direcionada contra cidadãos escolhidos por critérios políticos, são um vilipêndio ao princípio da justiça, da dignidade da pessoa humana. E tal vilipêndio é praticado em nome de pretensioso combate à corrupção. O gume da lança afiada de máquinas estatais persecutórias, controladas ideologicamente, se direciona contra o peito do adversário adredemente escolhido na ceia política dos abençoados do poder.
Em razão do exposto, a sociedade espera e requer da Promotoria do Patrimônio Público do Estado de Goiás a defesa do erário e do meio ambiente, bem público de uso comum do povo. Para este mister, necessário que se adotem enérgicas providências para coibir a conduta atentatória à norma constitucional, consistente em múltipla persecução penal e civil por parte dos representantes dos órgãos de investigação e de acusação em Goiás contra pessoas escolhidas e arroladas no pólo passivo das ações por critérios puramente políticos, numa conduta antijurídica e ilícita de exercício abusivo de direito, passível de responsabilização pela norma do art. 187 do Código Civil, dentre outros dispositivos da legislação pátria.
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* Osmar Pires Martins Júnior é graduando em direito, biólogo, engenheiro agrônomo, mestre em Ecologia, doutorando em Ciências Ambientais, professor de Pós-Graduação em Perícia Ambiental e escritor da Academia Goianiense de Letras, foi secretario do Meio Ambiente de Goiânia, perito ambiental do MP-GO e presidente da Agência Ambiental de Goiás
2 Comments:
Infelizmente temos que conviver com essas coisas, dá vergonha.
Ótimo artigo
Somente os investigadores não sabiam da grande corrupção que ocorre, ainda, na SEMARH, qualquer um que paase ao menos na esquina da 5a Av. com a 11a Av. no Setor Universitário sabe o que acontece naquele local. Agora dizer que os chefões não sabiam é pensar que somos burros, idiotas, alienados... É uma pena que tudo não possou de um circo armado, no fim não se pune ninguém. Tem investigado que até ganhou cargo de gerência com a "meritocracia". É desanimador, é Goiás e seus coronéis...
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