Osmar Pires Martins Junior
Foi presidente do DCE-UFG (1981/82) e Diretor da UNE (1982/83)
Este artigo discute um fato histórico relevante: a eleição direta do primeiro Reitor eleito e empossado, seguido da diretora de unidade acadêmica da história da retomada da democracia na universidade brasileira, no período pós AI-5. O referido processo eleitoral na UFG, em abril de 1981, foi promovido pelo Diretório Central dos Estudantes (DCE Livre - UFG), Associação dos Docentes da UFG (ADUFG) e Associação dos Servidores da UFG (ASUFEGO, atual Sint-IFES.go).
A conquista democrática foi fruto de intensa luta da comunidade universitária. A União Nacional dos Estudantes (UNE) deflagrou o chamamento à Greve Geral nas Universidades, tanto públicas como particulares, em setembro de 1981, por meio do II Conselho Nacional de Entidades de Base (CONEB), realizado no final de julho de 1981, na cidade de Campinas - SP, com a participação de 700 representantes de Centos Acadêmicos e Diretórios Centrais dos Estudantes. Esta resolução, adequada e oportuna, promoveu a mobilização, o debate e a paralização de algumas Instituições Federais de Ensino Superior.
Em setembro de 1981, os estudantes, sob o comando do DCE Livre UFG, em seguida, os professores, liderados pela ADUFG (hoje ADUFG Sindicato), assim como os servidores, representados pela ASUFEGO, deflagraram os respectivos movimentos paredistas em repúdio à política educacional do MEC, autoritária e privatista. O DCE Livre da Universidade Católica de Goiás - UCG, hoje PUC-GO, então presidido por Mônica Scartezini (in memoriam), aprovou o movimento paredista contra a mercantilização do ensino, dentre outras bandeiras democráticas.
Veja, abaixo, o documento fornecido pelo Arquivo Nacional contendo dossiê do Serviço Nacional de Informação (SNI) sobre o período histórico aqui discutido: "a greve não atingiu os objetivos a que se propunha, paradoxalmente, os principais líderes do movimento saíram fortalecidos, visto que paralisaram, com razoável nível de mobilização, duas universidades".
O paradoxo a que se refere o dossiê do SNI consiste na constatação de que os verdadeiros líderes do movimento foram forjados na luta democrática do povo brasileiro, no caso, os representantes saídos das salas de aula de cada curso da UFG; os dirigentes das entidades que atuaram em sintonia com a vontade dos discentes nas Assembleias Setoriais dos Institutos de Matemática e Física, Ciências Humanas e Letras, de Biologia etc. A construção da greve geral culminou na gigantesca Assembleia-Geral do DCE-UFG, de 03/09/81. A greve geral na UFG foi aprovada por unanimidade com a exceção do voto do único aluno do curso de Direito que teve a palavra assegurada para declarar sua posição, sem a hostilidade dos demais. Os líderes do movimento foram os dirigentes das entidades de servidores e docentes universitários, com os quais os discentes atuaram em conjunto.

Fonte: BRASIL. Secretaria da Casa Civil da Presidência da República. Certidão de dossiês com o nome "Osmar Pires Martins Junior". Processo n° 00322.000792/2008-DV - Requerimento nº 0.775/2008. Brasília: Arquivo Nacional, 15 jan. 2008. 52 p.
Jornal do DCE-UFG, Ano II, N° 3, Dez. 1981 - Vem aí o novo Reitor - Eleições Diretas - Aula das Greves
A UFG, em especial, exerceu importante papel nesta luta pela democratização da universidade brasileira. À época, o DCE Livre e a UNE eram entidades proscritas. Oficialmente, existiam os Diretórios Acadêmicos (DCEs atrelados ao MEC e aos Reitores Biônicos). No Conselho Universitário, tinha assento o presidente do Diretório Acadêmico - DA, atrelado à ditadura, que obedecia a ordens vindas de cima.
Nesse contexto, o DCE Livre, eleito pelo voto direto dos estudantes da UFG, qual seja, a diretoria que encerrava a gestão 1980/81, à época presidida pelo estudante de medicina Elias Rassi Neto, que se tornou professor do Instituto de Patologia Tropical e Saúde Pública-IPTSP da UFG, e a gestão do DCE Livre, eleita em maio de 1981, com Osmar Pires Martins Junior – Presidente, Denise Carvalho – Vice, Eimard Julião – Secretário-Geral, Deusmar Barreto – Comunicação, Edsaura Pereira – Tesoureira. Registra-se a direção 1981/82 do DCE Livre foi constituída pelos assessores da Diretoria, dentre eles, Jesiel Carvalho e Eliomar Pires Martins que, na atualidade, exercem as respectivas funções de Vice-Reitor da UFG e de Presidente da Egress@s UFG.
No processo de democratização da universidade, o DCE Livre atuou de forma articulada com a Associação dos Docentes da UFG (ADUFG) – presidida pelo prof. Marco Antonio Sperb Leite e da Associação dos Servidores da UFG (ASUFEGO), presidida pelo Paulo Afonso de Araújo Carvalho (Paulão). As entidades representativas dos três segmentos universitários promoveram em conjunto, nos idos de abril de 1981, a consulta democrática, pelo voto direto de professores, servidores e estudantes, na proporção paritária de 1/3, da lista sêxtupla para a nomeação do cargo de Reitor, em sucessão ao prof. José Cruciano de Araújo.
De acordo com a matéria O POPULAR. Retrospectiva - A Análise. Goiânia, 01.01.82, p. 12 (v. infra), definitivamente esclarecedora, que registra e resgata fato histórico, a Comunidade Universitária da UFG, por meio do DCE, ADUFG e ASUFEGO, hoje Sint IFESgo, promoveu a primeira eleição direta para os cargos de direção da universidade no Brasil, elegeu e empossou os nomes de Maria do Rosário Cassimiro e de Maria Alice de Lima Gomes de Menezes, para Reitora e para Diretora do ICHL. Os nomes destas duas professoras estão inscritos na história da universidade brasileira: são as primeiras mulheres que ocuparam os respectivos cargos de uma Instituição de Ensino Superior do Brasil por meio do voto direto, paritário e secreto dos três segmentos da comunidade universitária – os estudantes, os servidores e os professores!
 |
| SPADA, Luiz. Retrospectiva - A Análise. O Popular, Goiânia, 01 jan. 1982, p. 12 |
A universidade brasileira e particularmente a UFG viveu um ano de intensa luta pela democratização da sociedade e da universidade. Os estudantes, representados pelas suas entidades UNE, DCE e CAs, contribuíram decisivamente para arrancar da ditadura militar importantes conquistas. No mês de junho de 1980, o CONEG – Conselho Nacional de Entidade Gerais da UNE, que reuniu as UEEs e os DCEs, ao lado da Diretoria da UNE, deliberou pela deflagração da greve geral das universidades, em 1981, durante o encontro realizado em Belo Horizonte – MG.
As Reivindicações da UNE e do DCE-UFG em 1980
O DCE-UFG chamou o Conselho de Entidades de Base – CONEB, da UFG, constituído por dezenas de centros acadêmicos, e discutiu um detalhado plano de lutas, por meio do levantamento em assembleias setoriais envolvendo todos os cursos da universidade para elaborar as pautas especificas, bem como chamou a Assembleia-Geral para 03 de setembro de 1981 com o objetivo de discutir as formas de luta, inclusive a greve, em defesa da pauta geral da UNE e da pauta do DCE-UFG.

Durante este processo de discussão ficou estabelecido de forma clara que o maior problema da universidade estava relacionado à estrutura autoritária, que impedia a participação de alunos, servidores e professores nas instâncias de deliberação colegiada, com o efeito evidente na gestão imposta por reitores, diretores de unidades e gestores nomeados de cima para baixo, dentro de uma estrutura militarizada a partir do MEC então dirigido pelo general Rubem Ludwig, nomeado pelo general João Figueiredo, o presidente da República imposto pelo Estado Maior das Forças Armadas.
Assim, o DCE propôs às entidades congêneres da comunidade universitária a realização de uma eleição direta, em maio de 1981, para a escolha da lista sêxtupla, que seria submetida ao Conselho Pleno da Universidade para homologação e envio ao MEC. Nesse sentido, o então reitor José Cruciano e a maioria dos seus pró-reitores, como a professora Maria do Rosário Cassimiro, aderiu à proposta de democratização da UFG.A eleição da lista sêxtupla para Reitor, promovida pelo DCE – ADUFG e ASUFEGO, foi realizada com grande participação de todos os segmentos, inclusive contou a participação inclusive de alguns professores da equipe da então reitoria, não todos, que se inscreveram, submeteram seu nome à comunidade universitária, assumindo compromissos com a democratização dos órgãos de gestão e decisão.
Desse pleito, saíram vitoriosos os professores Ary Monteiro do Espírito Santo, Juarez Milano, Joffre Marcondes de Rezende, Maria do Rosário Cassimiro, Mário Evaristo de Oliveira e Flávio Rios Peixoto da Silveira, que foram inscritos na Reitoria para que fossem submetidos ao Conselho Pleno Universitário e sufragados na eleição oficial como os nomes da lista sêxtupla enviada ao Ministro da Educação para a nomeação do reitor pelo Presidente João Figueiredo.
No entanto, dentro da reitoria da UFG se travou uma luta interna entre duas correntes que impregnavam a estrutura de poder em todo o pais: a linha dura que, na UFG era liderada pelo vice-reitor Mário Evaristo e a linha moderada defensora da transição lenta, gradual e segura, que na UFG era liderada pelo reitor José Cruciano. Do embate entre estas duas posições, resultou a alteração da lista sêxtupla eleita pela comunidade universitária. No dia 23 de abril de 1981, o Conselho Pleno da Universidade encaminhou ao MEC a lista sêxtupla com a exclusão de 3 nomes eleitos e a inclusão de 3 nomes não eleitos pelos estudantes, servidores e professores da comunidade universitária. A lista oficial ficou assim constituída, de acordo com a ordem imposta pelo Conselho Pleno: Mario Evaristo de Oliveira, Joffre Marcondes de Rezende, Maria do Rosário Cassimiro, Joaquim Caetano de Almeida Netto, Pedro de Alcântara Nunes e Fausto Rodrigues Valle.
Note que na lista oficial foram mantidos os nomes do então vice-reitor Mario Evaristo e da então pró-reitora Maria do Rosário Cassimiro. Ele, contrário à legalização da UNE e do DCE, defensor do recrudescimento do regime vigente, do anteprojeto de Estatuto da UFG que minava a participação de estudantes, discriminava a de servidores e restringia a de professores nos órgãos colegiados superiores. Ela, defensora da legalização da UNE e da democratização da universidade com a participação de estudantes nos órgãos colegiados.
Graças à articulação dos representantes das entidades representativas da comunidade universitária, que pressionou a Reitoria e o Conselho Pleno, inserido no processo de greve geral, o anteprojeto de Estatuto defendido por Mario Evaristo foi retirado de pauta e substituído pela proposta do reitor José Cruciano, que aprovou no Conselho Pleno a realização um Seminário Interno de Debate de Reestruturação da Universidade, dentro do escopo discutido pela UNE-ANDES e FASUBRA.
A lista oficial submetida ao Presidente João Figueiredo expressou a síntese dos dilemas da ditadura: o fechamento da linha-dura e a abertura lenta, gradual e segura. O dilema, no caso, foi resolvido a favor da aliada do general Golbery do Couto e Silva: o Presidente Figueiredo nomeou Maria do Rosário Cassimiro reitora da UFG que, na primeira semana de seu reitorado reunião o alto escalão da Reitoria com a Diretoria do DCE e o CONEB na sede da entidade no setor universitário quando ainda vigia a ditadura militar, a UNE e os DCEs eram ilegais e os dirigentes estudantis eram vigiados pela polícia política do regime de exceção.
A partir da eleição de Maria do Rosário Cassimiro, em 1981, todos os demais reitores foram eleitos e empossados o primeiro da lista sêxtupla, com exceção da última reitora, a sexta da lista, cientista e militante combativa, nomeada por Jair Bolsonaro com o fim de dividir a comunidade universitária, o que não conseguiu!
Graças à atuação conjunta dos representantes do DCE Livre, da ADUFG e da ASUFEGO, a Comunidade Universitária avançou no direito de voto e participação nas instâncias colegiadas de direção da instituição. Um exemplo foi o resultado do Conselho Pleno - Reunião dos Conselhos Universitário, de Ensino e Pesquisa e de Curadores - realizada em abril de 1981, que rejeitou o autoritário anteprojeto de Estatuto da UFG, apresentado pelo vice-reitor Mário Evaristo, que praticamente excluía a participação da Comunidade Universitária nas instâncias de Direção da UFG.
A eleição direta para todos os cargos de direção da UFG constituiu a pauta 14 da GREVE-GERAL do DCE Livre, deflagrada em 03/09/1981, dentro da mobilização da UNE em defesa da universidade brasileira, sob a presidência de Aldo Rebelo e a vice-presidência Regional Centro-Oeste de Luiz Carlos Orro. O DCE Livre estabeleceu negociação com o Reitor Cruciano para que a UFG instituísse a consulta pelo voto direto da Comunidade Universitária para formação da lista sêxtupla tanto para Reitor como para Diretores de Unidades.
Deve ser observado que a institucionalização da democracia no Brasil foi um longo e árduo processo que se efetivou com a Constituição Cidadã de 1988; inobstante, em 1981, sob o tacão de uma ditadura militar, graças à luta conjunta do DCE Livre, da ADUFG e da ASUFEGO (Sint-IFES.go), foi nomeado o 1º Reitor pelo voto direto da Comunidade Universitária: MARIA DO ROSÁRIO CASSIMIRO, atual titular da cadeira nº 38 da Academia Goiana de Letras, que ficou em 3° lugar na lista sêxtupla encaminhada pelo DCE-ADUFG-ASUFEGO ao Conselho Universitário. Este fato está registrado na matéria abaixo, na qual o presidente do DCE-UFG acentua as contradições daquele momento histórico, verbis:
"Por ter sido indicada pelo Ministro Ludwig a Reitora se coloca entre dois campos distintos e antagônicos. Por um lado é obrigada a seguir as determinações vindas de cima [...] De outro a Reitoria busca o diálogo com os estudantes [...] De acordo com o presidente do DCE, no entanto, a nova Reitoria ascendeu à administração superior da UFG graças, em parte, à luta dos professores, estudantes e funcionários que realizaram eleições em maio de 1981, onde o nome de Maria do Rosário Cassimiro foi o terceiro mais votado" (FOLHA DE GOIAZ. Para os alunos, centro de polos opostos. Goiânia, 15 jan.1982).
FOLHA DE GOIAZ. Visita ao DCE. Reitora quer união estudantes-administração. Para os alunos, centro de polos opostos. Goiânia, 15 jan. 1982
A despeito da manobra do vice-Reitor Mário Evaristo, que promoveu a alteração da lista pelo Conselho Universitário, enxertando 3 nomes que não foram eleitos pela votação direta, os 3 primeiros colocados permaneceram. Assim, o nome de Cassimiro, a terceira mais votada pela Comunidade Universitária, subiu ao gabinete do Presidente da Ditadura Brasileira, General João Batista Figueiredo (aquele que declarou à imprensa: "gosto mais do cheiro de cavalo do que do cheiro do povo").
Maria do Rosário Cassimiro, por ironia, defensora do DCE Livre, graças ao relacionamento com o General Golbery do Couto e Silva, foi nomeada Reitora da UFG, sob o argumento da “transição lenta e gradual” defendida pelo "mago da ditadura". A crise política enfrentada pelo regime do arbítrio impunha contradições que abriam brechas para o avanço do movimento popular e democrático. A nomeação de Cassimiro representou a vitória do DCE Livre contra o DCE atrelado. A Comunidade Universitária conquistou o direito de participação nas instâncias de direção da UFG.
Dessa forma, em 14/01/1982, no início do seu mandato, a Reitora Cassimiro e todos os Pró-Reitores foram à sede do DCE LIVRE: Ronaldo Zica, Administração e Finanças; Joel Pimentel Ulhoa, Graduação; Janaína Amado, Pós-Graduação e Pesquisa; Oswaldo Guimarães, Assuntos Estudantis; Mauro Urbano, Extensão, além de Antônio Luiz Maia, Chefe de Gabinete da reitoria; e de Paulo Cesar Carvalho, coordenador do Escritório Técnico Administrativo.
Lá, na Sede do DCE-UFG, de forma inédita na história da UFG, a Cúpula Universitária discutiu a implementação da pauta de reivindicação do DCE Livre, por mais de 3 horas, com a Diretoria da Entidade e com o Conselho de Entidades de Base (dirigentes de 20 Centros Acadêmicos estavam presentes).
Na reunião com o DCE Livre estavam presentes: o pró-reitor Joel Pimentel Ulhoa, que veio a ser eleito na lista sêxtupla da próxima consulta, em 1985, pela Comunidade Universitária e nomeado Reitor, ainda em plena Ditadura Militar, em sucessão à então reitora Cassimiro, pelo General-Presidente Figueiredo e o prof. Juarez Milano (IMF), terceiro mais votado, apoiado pelo DCE-UFG e pela ASUFEGO, era defensor da plena democratização, tendo promovido, em 1981, a eleição direta no IMF e defendido a posse do mais votado para Diretor da Unidade.
Até os dias de hoje, em regime de continuidade democrática, permanece a polêmica sobre as listas, antes sêxtuplas, hoje tríplices: elas são compulsórias? O primeiro da lista deve ser nomeado? Ou certos cargos, como o Procurador Geral da República - PGR, são de livre nomeação do Presidente da República?
Tais observações reforçam a relevância da conquista da pauta 14 da greve-geral do DCE Livre que, em parceria com a ADUFG e a ASUFEGO (Sint-IFES.go), promoveu a primeira eleição para a nomeação de um reitor na universidade brasileira, em maio de 1981, sendo nomeada Maria Cassimiro que ficou em 3º na lista eleita pela Comunidade Universitária.
JORNAL DO DCE. Um rico semestre de mobilizações. Ano II, n° 3. Goiânia, dez. 1981
Um breve depoimento sobre a questão discutida
Ainda hoje, decorridos mais de quatro décadas dos fatos em tela, permanece entre professores, estudantes e servidores da comunidade universitária da UFG, a discussão sobre quem foi o primeiro reitor eleito: Maria do Rosário Cassimiro ou Joel Pimentel Ulhoa?
Nas minhas memórias de agente diretamente participante dos fatos - presidente do DCE-UFG e representante de fato (não formal pois a legislação vigente impedia) dos estudantes no Conselho Universitário - sustento, com base em documentos, que Maria do Rosário Cassimiro, empossada como Reitora da UFG para um mandato iniciado em 1° de janeiro de 1982, foi fruto de um contraditório processo de democratização da universidade brasileira, da qual a UFG exerceu papel pioneiro no Brasil.
Em maio de 1981, a comunidade universitária, representada pelo Diretório Central dos Estudantes (DCE-UFG), Associação dos Servidores (ASUFEGO, hoje Sint-IFES.go) e Associação dos Docentes (hoje ADUFG Sindicato), promoveram a primeira eleição direta e paritária entre estudantes, servidores e professores para a escolha da lista sêxtupla dos mais votados para a nomeação, pelo Ministro da Educação, do Reitor da UFG.
A UNE aplicou no âmbito nacional a exitosa experiência desenvolvida na UFG de articulação e empoderamento da Comunidade Universitária. Isso se deu na Gestão 1982-1983 da Presidenta Clara Araújo, quando o signatário foi Diretor Nacional de Assuntos Estudantis, pela diretoria eleita no 34° Congresso da UNE, realizado de 2 a 4 de outubro de 1982, em Piracicaba - SP, com 600 entidades e 2.364 delegados num total de 4 mil participantes.
A Diretoria de Assuntos Estudantis tinha a incumbência de executar a Resolução Sobre as Lutas Educacionais, especialmente o Seminário Nacional Sobre Ensino Superior e Reestruturação da Universidade, sob a coordenação conjunta da UNE, ANDES e FASUBRA. Nesse sentido, realizou-se o I Seminário Sobre a Universidade Brasileira, de 2 a 4 de set. de 1983, reunindo as mais ativas lideranças da comunidade universitária, como a do saudoso sociólogo Florestan Fernandes, para estabelecer o debate conjunto sobre a reestruturação da universidade.

Voz Universitária, Ano V, Manaus, ago.1983, nº 7 - órgão de divulgação dos estudantes da UFAM: as universidades de todo o país discutiram a Proposta da UNE de Reestruturação da Universidade Brasileira; no Amazonas, a condução dos debates coube à Vanessa Grazziotin, Presidenta do DCE Livre UFAM, depois Presidenta da UEE, posteriormente eleita, sucessivamente, Vereadora de Manaus, Deputada Federal e Senadora da República pelo Amazonas, sendo, atualmente, Diretora Executiva da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), uma organização intergovernamental formada por oito países amazônicos.
I Seminário Conjunto para Reestruturação da Universidade
O I Seminário Conjunto para Reestruturação da Universidade realizado na PUC-SP, sob os auspícios da Associação dos Professores da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (APUC), então presidida pelo Prof. Aloízio Mercadante, hoje presidente do BNDES, discutiu as propostas dos estudantes, dos servidores e dos professores universitários, estabeleceu as diretrizes do ensino superior que balizaram o Novo Ensino Superior nos governos democráticos construídos após o fim da ditadura.
Dossiê do SNI: I Seminário Nacional Sobre a Universidade Brasileira, PUC-SP, de 2 a 4/09/1983
A respeito, reporta-se ao dossiê n° AC A037750.8.83 do SNI, que registrou "[...] o mérito do encontro foi o de colocar junto três segmentos mais importantes da comunidade universitária, os quais demonstram interesse cada vez maior de ocupar o espaço que julgam pertencer-lhes [....]". (BRASIL. Secretaria da Casa Civil da Presidência da República. Certidão de dossiês com o nome "Osmar Pires Martins Junior". Processo n° 00322.000792/2008-DV - Requerimento nº 0.775/2008. Brasília: Arquivo Nacional, 15 jan. 2008. 52 p.).
Sobre o assunto, o pesquisador Gil César Costa de Paula, na tese de doutoramento aprovada no PPG Educação UFG, a partir de entrevistas com atores participantes e demais fontes de pesquisa, afirma que a retomada, em 1982, dos seminários sobre a universidade, demonstrou a preocupação em debater a qualidade do ensino e as políticas educacionais do Governo Brasileiro, verbis:
"[...] Eu participei da campanha para primeira eleição pra UNE, 1980. E em 1981 eu fui eleito presidente do DCE da Universidade Federal de Goiás e, em 1982 eu fui eleito para Diretoria da União Nacional dos Estudantes. Foi a terceira gestão após sua reorganização. [...] A partir desse momento, a UNE retoma uma bandeira, que ela havia levantada com a gestão do Aldo Arantes [1961-1962]; era a discussão em profundidade da situação da Universidade, tentando entender como situar a crise da Universidade na crise brasileira e quais as propostas poderiam fazer com que a Universidade realizasse um ensino, de acordo com os interesses da maioria da população. Nós fizemos o Seminário da Comunidade Universitária, para discutir a reestruturação da Universidade. [...] Foi então que a UNE retomou os destinos da Universidade. Nós fizemos uma ponte, entre o primeiro e o segundo seminário realizados pela UNE, em 1982, com uma discussão da Universidade desse período. [...] A Universidade, até a década de 60, era majoritariamente pública e gratuita, na década de 80 já não era mais pública e gratuita. Nenhuma instituição universitária pública foi fundada durante todo o período do Regime Militar. Todas as Universidades criadas foram particulares ou Escolas isoladas. As universidades públicas eram, portanto, minoria dentro do quadro geral da Universidade, a maioria dos estudantes da universidade não estava mais nas grandes Universidades Públicas. Esses estudantes estavam disseminados com um número quase que sem fim de pequenas instituições de ensino particular, escolas isoladas. [...]". (Entrevista Osmar Pires Martins Junior. In: COSTA DE PAULA, Gil César. A atuação da UNE, do inconformismo à submissão ao Estado (1960 a 2009). pp. 180-181. Tese (Prog. Pós-Grad. em Educação). Goiânia: UFG, 2009. 387 p.)

PRINCÍPIOS. A universidade em debate, a crise da universidade discutida por dois líderes estudantis (Osmar Pires da UFG e Acildon de Mattos da PUCCamp) e um dirigente do movimento dos docentes de ensino superior (Edmundo Fernandes Dias da Unicamp). São Paulo: Anita Garibaldi, Jun. 1983. p. 43-48
O Brasil vivia sob o tacão do Regime Militar: não havia eleição direta para a escolha do Presidente da República, dos Prefeitos de Capitais e cidades com mais de 200 mil habitantes, dos Governadores de Estado e do DF e, nem tampouco dos Reitores das Universidades Federais.
A Ditadura Militar, como bem avalia o Editorial "A aula das greves" do Jornal do DCE-UFG (vide supra), vivia os seus estertores. Os ditadores de plantão cediam os anéis para não perder os dedos. Toda sorte de manobra era realizada para prolongar o poder autoritário no Brasil. O Estado brasileiro ainda vive nos dias de hoje a luta contra o autoritarismo. Na década de 1980, prevalecia nos Poderes da República, desde o Poder Central perpassando pelas Universidades, inclusive UFG, os defensores do regime militar da linha "transição lenta e gradual" do general Golbery do Couto e Silva, linha esta executada pelo general-presidente João Batista Figueiredo.
Por sua vez, os adeptos da linha dura defendiam o endurecimento e radicalização do regime no combate à subversão e ao comunismo. Na UFG, a linha dura era representada pelo vice-Reitor Mário Evaristo, que se contrapunha ao Reitor José Cruciano na tentativa de travar qualquer sinal de democratização universitária.
A Greve Geral do DCE-UFG de setembro 1981 tinha no Reitor José Cruciano uma interlocução para o diálogo, que estava limitado pelo poder ditatorial do General Rubem Ludwig, ministro da Educação. Tal conflito se tornou mais agudo no curso da greve. Veja na matéria abaixo que o Reitor José Cruciano de Araújo e seu Pró-Reitor Jamil Issy acompanharam pessoalmente o Presidente do DCE-UFG Osmar Pires e a Vice-Presidente do ADUFG, Profª Ana Lúcia da Silva, nas audiências de negociação com elevadas autoridades do MEC para o atendimento da Pauta de Reivindicação dos Estudantes.
O POPULAR. UFG vai ao MEC. A greve continua. Goiânia, 16 set. 1981. Capa e p. 5.
A postura do Reitor da UFG perante a Greve Geral do DCE-UFG se diferenciou daquela adotada pelo Sr. Ministro da Educação, General Rubem Ludwig.
Em primeiro lugar, a autoridade máxima da Educação Brasileira, ao receber em audiência o Presidente do DCE-UFG, tratou de impedir a participação dos estudantes da UFG, escolhidos em cada sala de aula de todos os cursos da universidade, que formaram uma caravana de 6 ônibus lotados de representantes de classe, além dos presidentes e diretores dos Centros Acadêmicos, que foram barrados na entrada do prédio do MEC, na Esplanada dos Ministérios.
Importante registrar que o DCE Livre UFG desfrutava de amplo apoio na sociedade, a exemplo da empresa Cooperativa Central Rural de Goiás Limitada (Leite Gogó), então presidida pelo Sr. Lousa, que ficava na fábrica da baixada do Setor Fama, em Goiânia, que fretou os ônibus da caravana dos estudantes.
O Presidente do DCE-UFG subiu sozinho até o gabinete do Ministro da Educação - uma sala enorme, na qual um general uniformizado e medalhado no ombro e no peito se encontrava postado na extremidade de uma mesa extensa com inúmeros cadeiras. Nesse ambiente pouco amistoso, transcorreu-se o seguinte diálogo:
- "Senhor Presidente do DCE, sente-se aqui na cadeira à extremidade da mesa", disse o ministro.
- "Obrigado, Senhor Ministro, mas este é o lugar da autoridade máxima", disse o Presidente do DCE, sentando-se na cadeira ao lado.
- "Como vai a Albânia?" indagou o ministro, pretendendo assim dar início à audiência.
- "Senhor Ministro, desconheço os assuntos referentes à Albânia, mas sei dos problemas enfrentados pela universidade brasileira e da UFG em particular", respondeu o Presidente do DCE, entregando ao Sr. Ministro a Pauta da UNE com a procuração do Presidente da UNE, Aldo Rebelo, e a Pauta de Reivindicações dos Estudantes da UFG (v. supra), em torno da qual a Assembleia-Geral deflagrou, em 03/09/1981, a Greve Geral.
- "Eu recuso a Pauta da UNE, pois não reconheço esta entidade clandestina e comunista. Vamos à Pauta do DCE-UFG", determinou o Sr. Ministro.
Em segundo lugar, a autoridade educacional do MEC negou o atendimento a todos 14 pontos da Pauta de Reivindicação do DCE-UFG. O documento entregue ao Sr. Ministro continha as anotações de próprio punho, ao lado de cada ponto, pelo Reitor da UFG, prof. José Cruciano. Dessa maneira, se fez a indicação ao Sr. Ministro da responsabilidade do MEC acerca de cada assunto. Tudo que estava ao alcance da Reitoria se encontrava ali anotado, com a concordância explícita do Reitor: "sim, atendido, encaminho ao pró-reitor competente para as providências".
A postura do Sr. Ministro da Educação divergiu frontalmente da conduta do Magnífico Reitor da UFG. O General Ludwig foi intransigente na "audiência de negociação", que durou intermináveis noventa minutos. Na verdade, uma sessão de tortura, que consistiu em "malhar ferro frio" ou em "arrancar leite de pedra", qual seja, democratizar a universidade, conquistar mais verba para educação e fortalecer o ensino público e gratuito sob o Regime Militar e o MEC militarizado. Na administração do general Ludwig foi promovida a farra das universidades pagas com a proliferação de cursos privados. As universidades públicas foram estranguladas com cortes orçamentários. Não tinha dinheiro nem para papel higiênico. As universidades federais ficavam no escuro, pois não pagavam nem a energia elétrica consumida e o serviço era cortado.
Terminada a audiência, o auxiliar do Sr. Ministro da Educação, Antonio Praxedes, concedeu entrevista à Folha de São Paulo, tergiversando sobre o não atendimento da Pauta de Reivindicações, e lançando acusação contra o Presidente do DCE-UFG, que "desrespeitou o Sr. Ministro" ao apresentar-lhe um "documento clandestino da UNE, assinado pelo comunista Aldo Rebelo".
FOLHA DE S. PAULO. Para porta-voz de Ludwig, ministro foi desrespeitado. São Paulo, 29 ago. 1981
Após a audiência com o Sr. Ministro da Educação General Rubem Ludwig, o Presidente do DCE-UFG, por sua vez, reuniu os mais de 300 representantes de sala de aula presentes na caravana e barrados na entrada do prédio do MEC. Ali, em assembleia de prestação de contas, o Presidente do DCE-UFG expôs a posição do MEC a respeito de cada um dos 14 pontos da Pauta de Reivindicação dos Estudantes. Ficou evidenciada a necessidade de deflagração do movimento paredista, como ocorreu na grande assembleia de 3 de setembro de 1981, que ilustra a capa do Jornal do DCE, acima.
Mais claro ainda ficou que a solução da crise universitária brasileira passava pela derrota do PDS nas eleições gerais de 1982, pela união das oposições para derrotar a ditadura, pela eleição direta do Presidente da República e pela convocação da Assembleia Nacional Constituinte visando efetivar a democracia no Brasil.
No contexto nacional supra descrito, se deu a nomeação da professora Maria do Rosário Cassimiro como Reitora da UFG. Uma mulher saída da consulta direta, pelo voto da comunidade universitária. Ela permaneceu na terceira posição da lista sêxtupla, já que os últimos três foram enxertados por Mário Evaristo, inclusive ele próprio, que encabeçou a lista enviada ao MEC. A manobra, realizada pelo Conselho Universitário, teve o objetivo de nomear Mario Evaristo Reitor pelo Ministro da Educação, o general Rubem Ludwig, como expoente da linha dura.
Ocorre que o Regime Militar vivia o contraditório processo da "transição lenta e gradual" para a composição de diversos poderes da República, desde a sucessão do Presidente da República, a ser escolhido no Colégio Eleitoral (reunião dos deputados federais e senadores, sendo 1/3 biônicos). Lembrando: o candidato do Regime para a disputa no Colégio Eleitoral foi um civil, Paulo Salim Maluf, ex-prefeito biônico de São Paulo, derrotado no "terreiro da ditadura", graças ao movimento popular, pela chapa encabeçada por Tancredo Neves para Presidente e José Sarney para Vice. Sarney era presidente do PDS - o partido da Ditadura, que renunciou ao cargo para se aliar a Tancredo.
As divisões no seio do Poder, de cima a baixo, resultaram da luta do povo, da sua capacidade de organização e de formação de frentes democráticas, aproveitando as brechas abertas nas fileiras autoritárias. Foi assim no Colégio Eleitoral e também no Conselho Universitário da UFG. Essas fissuras foram aproveitadas pelo povo para cravar no coração da Ditadura o alfinete da democratização lenta e gradual, já que a democratização radical, com o Movimento das Diretas-Já, foi derrotado pelo Congresso Nacional dominado pelos Senadores Biônicos instituídos na reforma constitucional do mago Golbery.
Na atualidade, o Brasil vive a continuidade do dilema da transição incompleta. A democratização do Poder Político, caminho escolhido pela maioria do povo com a eleição do Presidente Luis Inácio Lula da Silva, esbarra na maioria conservadora aliada à extrema-direita formada no Congresso Nacional. Não só no Poder Legislativo estão presentes as forças do arbítrio, bastando citar, no Poder Judiciário, o lavajatismo.