Blog do Osmar Pires

Espaço de discussão sobre questões do (ou da falta do) desenvolvimento sustentável da sociedade brasileira e goiana, em particular. O foco é para abordagens embasadas no "triple bottom line" (economia, sociologia e ecologia), de maneira que se busque a multilateralidade dos aspectos envolvidos.

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Pós-Doc Dir. Humanos PPGIDH-UFG, D.Sc. C. Ambientais, M.Sc. Ecologia, B.Sc. Direito, Biologia e Agronomia. Escritor Academia de Letras de Goiânia. Autor de A gestão do espaço urbano e a função socioambiental da cidade. Londrina, PR: Sorian, 2023. 404p. O efeito do combate à corrupção sobre os direitos humanos... Goiânia: CegrafUFG, 2022. 576p. Família Pires... 3. ed. Goiânia: Kelps, 2022. 624p. Perícia Ambiental e Assistência Técnica. 2. ed. Goiânia: Kelps/PUC-GO, 2010. 440p. A verdadeira história do Vaca Brava... Goiânia: Kelps/UCG, 2008. 524p. Arborização Urbana e Qualidade de Vida. Goiânia: Kelps/UCG, 2007.312p. Introdução aos SGA's... Goiânia: Kelps/UCG, 2005. 244 p. Conversão de Multas Ambientais. Goiânia: Kelps, 2005, 150p. Uma cidade ecologicamente correta. Goiânia: AB, 1996. 224p. Organizador/coautor de Lawfare como ameaça aos direitos humanos. Goiânia: CegrafUFG, 2021. 552p. Lawfare, an elite weapon for democracy destruction. Goiânia: Egress@s, 430p. Lawfare em debate. Goiânia: Kelps, 2020. 480p. Perícia Ambiental Criminal. 3. ed. Campinas, SP: Millennium, 2014. 520p. Titular da pasta ambiental de Goiânia (93-96) e de Goiás (03-06); Perito Ambiental MP/GO (97-03).

Wednesday, March 13, 2024

VIOLÊNCIA POLICIAL


Osmar Pires Martins Junior
Pós-Doc. Direitos Humanos NIPEE-DH UFG
Dr. Ciências Ambientais e M.Sc. Ecologia UFG

1. Hoje, 13 de março de 2024, um cidadão recebeu uma boa notícia: um PiX de 15 mil na sua conta, do escritório de advocacia, referente a fato jurídico ocorrido em 20 de março de 2013. Nessa longínqua data, às 17:30, o cidadão fretou o transporte de motoboy, da Receita Federal, no Jardim Goiás, para sua residência, em outro bairro de Goiânia – GO. Na Receita Federal, protocolou defesa contra lançamento tributário, um fato jurídico de outra causa, de execução fiscal na 10ª Vara Federal/GO, na qual o cidadão também logrou sair-se vencedor.

2. O motoboy realizou o transporte do cidadão rumo ao destino indicado e, ao passar pela via 115, logo após o CEPAL, foi interceptado por uma barreira policial. O motoboy encostou na calçada em frente a uma daquelas lojas de venda de armas (que proliferaram aos borbotões no vindouro governo Bozo). O passageiro permaneceu na garupa da moto, à espera do motorista apresentar a documentação. 

3. O sargento que comandava a operação resolveu trabalhar. Se aproximou do passageiro: - "Documentos. Sobe a camisa. Está portando armas? Tira o capacete". O cidadão, dependente de óculos, atendeu a ordem policial e movimentou as suas mãos em direção ao rosto para tirá-los e depois, o capacete. Um guarda parrudo que estava às suas costas, vendo o movimento das mãos, resolveu antecipar: desferiu um golpe de cassetete, projetando o capacete e os óculos do cidadão no asfalto da via pública. O sargento ordenou: - "Joga o meliante ao chão e passa a algema". Estatelado no piso da calçada, três pares de coturno sobre o seu corpo, um na cabeça, outro no tronco e o terceiro, nas pernas. Totalmente imobilizado, o passageiro foi esfregado na calçada igual um escovão limpa-chão. O sargento conclui a ordenança: - "Fecha a algema, joga no camburão e leva para a delegacia".

4. Na delegacia de polícia, a delegada trancafiou o esfolado cidadão numa cela. Ela foi boazinha, não passou o cadeado na porta. Com dificuldade, ela atendeu ao direito do detido e lhe devolveu o celular. De imediato, ligou para o irmão advogado. Em pouco tempo, o irmão lá chegou acompanhado de amigo, também advogado. O cidadão, liberado da cela, submeteu-se ao corpo de delito, constatando as escoriações no rosto, pescoço, tórax, braços e pernas; rasgões na calça jeans; estrago nos óculos. A ocorrência registrou os fatos narrados em detalhe, sob assistência dos advogados e, infalível, a tipificação da delegada: desacato à autoridade policial e resistência à prisão.

5. Intimado, em dia e hora marcado, o cidadão compareceu ao juízo para audiência de instrução. No Juizado, com a participação obrigatória do representante do MP-GO, o cidadão, representado pelo competente advogado Jardel Marques do Escritório Escher Pires, logrou receber do juiz uma sentença baseada no parecer do promotor de justiça, coerente com o argumento do defensor: "fato atípico, arquive-se".

6. Diante disso, o escritório Escher Pires Advogados Associados ajuizou ação indenizatória contra o Estado por dano moral e material decorrente de violência policial. A juíza da causa realizou várias audiências para as oitivas das partes. O polo passivo ocupado pelo sargento agressor/violento, representado pelo Estado, promoveu manobras procrastinatórias e só compareceu perante o juízo depois da quinta tentativa para, ao final, dizer que não se lembrava de nada. 

7. Transcorrido longo período de tramitação processual, a juíza proferiu o veredicto: condenou o Estado a pagar a indenização do prejuízo moral causado à vítima, mas não concedeu o dano material, pois “o autor não provou ser deficiente visual e, portanto, portador do uso de óculos”. A despeito das provas dos autos - receitas e laudos médicos atestando que, desde criança, o cidadão recebe atendimento de médico especializado de reconhecida clínica da cidade.

8. Na execução do cumprimento de sentença, o juiz competente inverteu a causa e condenou a vítima da violência policial. Considerou que o violado agiu de Má-fé ao pedir juros exorbitantes (1%), condenando-o a pagar uma quantia maior do que o valor da indenização por dano moral. Recursos e outros quitais, finalmente, em 13 de março de 2024, dez anos depois, o cidadão, vítima da violência policial, recebeu R$ 15 mil.

9. E sabe para quê? Pagar R$ 10 mil de honorários devidos a outro escritório de advocacia que livrou o mesmo cidadão, vítima da violência policial, da execução fiscal de R$ 30 mil, ajuizada pela Fazenda Nacional e que desencadeou essas histórias, iniciadas no item 1 supra. Vide artigo “Vitória contra o lawfare tributário: extinta absurda ação de execução fiscal”. Recebeu 15 mil e pagará 10 mil reais ao escritório da vitoriosa causa tributária. Legal, não? A vida é justa!
👆🏾https://osmarpires.blogspot.com/2024/03/vitoria-contra-o-lawfare-tributario.html
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Thursday, March 07, 2024

VAMOS RESGATAR A HISTÓRIA DA DEMOCRATIZAÇÃO DA UNIVERSIDADE BRASILEIRA?

Osmar Pires Martins Junior
Foi presidente do DCE-UFG (1981/82) e Diretor da UNE (1982/83)

Este artigo discute um fato histórico importante: a primeira eleição direta e posse do primeiro Reitor eleito da história da retomada da democracia na universidade brasileira, no período pós AI-5. A eleição na UFG, em maio de 1981, foi promovida pelo Diretório Central dos Estudantes (DCE Livre - UFG), Associação dos Docentes da UFG (ADUFG) e Associação dos Servidores da UFG (ASUFEGO, atual Sint-IFES.go).

A conquista foi fruto de intensa luta da comunidade universitária. A União Nacional dos Estudantes (UNE) deflagrou o chamamento à Greve Geral nas Universidades, tanto públicas como particulares, em setembro de 1981, por meio do II Conselho Nacional de Entidades de Base (CONEB), realizado no final de julho de 1981, na cidade de Campinas - SP, com a participação de 700 representantes de Centos Acadêmicos e Diretórios Centrais dos Estudantes. Esta resolução, adequada e oportuna, promoveu a mobilização, o debate e a paralização de algumas Instituições Federais de Ensino Superior.

Em setembro de 1981, os estudantes, sob o comando do DCE Livre UFG e, em seguida, os professores, liderados pela ADUFG (hoje ADUFG Sindicato), deflagraram os respectivos movimentos paredistas em repúdio à política educacional do MEC, autoritária e privatista. O DCE Livre da Universidade Católica de Goiás - UCG, hoje PUC-GO, então presidido por Mônica Scartezini (in memoriam), aprovou o movimento paredista contra a mercantilização do ensino, dentre outras bandeiras democráticas.

Veja, abaixo, o documento fornecido pelo Arquivo Nacional contendo dossiê do Serviço Nacional de Informação (SNI) sobre o período histórico aqui discutido: "a greve não atingiu os objetivos a que se propunha, paradoxalmente, os principais líderes do movimento saíram fortalecidos, visto que paralisaram, com razoável nível de mobilização, duas universidades". 


O paradoxo a que se refere o dossiê do SNI consiste na constatação de que os verdadeiros líderes do movimento foram forjados na luta democrática do povo brasileiro, no caso, os representantes saídos das salas de aula de cada curso da UFG; os dirigentes das entidades que atuaram em sintonia com a vontade dos discentes nas Assembleias Setoriais dos Institutos de Matemática e Física, Ciências Humanas e Letras, de Biologia etc. A construção da greve geral culminou na gigantesca Assembleia-Geral, aprovada por unanimidade com a exceção do voto do único aluno do curso de Direito que teve a palavra assegurada para declarar sua posição, sem a hostilidade dos demais. Os líderes do movimento foram os dirigentes das entidades de servidores e docentes universitários, com os quais os discentes atuaram em conjunto.
Fonte: BRASIL. Secretaria da Casa Civil da Presidência da República. Certidão de dossiês com o nome "Osmar Pires Martins Junior". Processo n° 00322.000792/2008-DV - Requerimento nº 0.775/2008. Brasília: Arquivo Nacional, 15 jan. 2008. 52 p.













A UFG, em especial, exerceu importante papel nesta luta pela democratização da universidade brasileira. À época, o DCE Livre e a UNE eram entidades proscritas. Oficialmente, existiam os Diretórios Acadêmicos (DCEs atrelados ao MEC e aos Reitores Biônicos). No Conselho Universitário, tinha assento o presidente do Diretório Acadêmico - DA, atrelado à ditadura, que obedecia ordens vindas de cima.
Jornal do DCE-UFG, Ano II, N° 3, Dez. 1981 -
Vem aí o novo Reitor - Eleições Diretas - Aula das Greves

Nesse contexto, o DCE Livre, eleito pelo voto direto dos estudantes da UFG, qual seja, a diretoria que encerrava a gestão 1980/81, à época presidida pelo estudante de medicina Elias Rassi Neto, que se tornou professor do Instituto de Patologia Tropical e Saúde Pública-IPTSP da UFG, e a gestão do DCE Livre, eleita em maio de 1981, com Osmar Pires Martins Junior – Presidente, Denise Carvalho – Vice, Eimard Julião – Secretário-Geral, Deusmar Barreto – Comunicação, Edsaura Pereira – Tesoureira. Registra-se a direção 1981/82 do DCE Livre foi constituída pelos assessores da Diretoria, dentre eles, Jesiel Carvalho e Eliomar Pires Martins que, na atualidade, exercem as respectivas funções de Vice-Reitor da UFG e de Presidente da Egress@s UFG.

No processo de democratização da universidade, o DCE Livre atuou de forma articulada com a Associação dos Docentes da UFG (ADUFG) – presidida pelo prof. Marco Antonio Sperb Leite e da Associação dos Servidores da UFG (ASUFEGO), presidida pelo Paulo Afonso (Paulão). As entidades representativas dos três segmentos universitários promoveram em conjunto, nos idos de maio de 1981, a consulta democrática, pelo voto direto de professores, servidores e estudantes, na proporção paritária de 1/3, da lista sêxtupla para a nomeação do cargo de Reitor, em sucessão ao prof. José Cruciano de Araújo.

A lista sêxtupla foi apresentada ao Conselho Universitário que alterou os 3 últimos nomes, pelo voto da maioria conservadora de então, inclusive do presidente do DA. O presidente do DCE Livre, legítimo representante dos estudantes, manifestou contra a alteração da lista sêxtupla, mas ainda não tinha direito a voto.

Graças à atuação conjunta dos representantes do DCE Livre, da ADUFG e da ASUFEGO, a Comunidade Universitária avançou no direito de voto e participação nas instâncias colegiadas de direção da instituição. Um exemplo foi o resultado da Reunião dos Conselhos Universitário, de Ensino e Pesquisa e de Curadores, realizada no final de maio de 1981, que rejeitou o autoritário anteprojeto de Estatuto da UFG, apresentado pelo vice-reitor Mário Evaristo, que praticamente excluía a participação da Comunidade Universitária nas instâncias de Direção da UFG.

A eleição direta para todos os cargos de direção da UFG constituiu a pauta 14 da GREVE-GERAL do DCE Livre, deflagrada em 03/09/1981, dentro da mobilização da UNE em defesa da universidade brasileira, sob a presidência de Aldo Rebelo e a vice-presidência Regional Centro-Oeste de Luiz Carlos Orro. O DCE Livre estabeleceu negociação com o Reitor Cruciano para que a UFG instituísse a consulta pelo voto direto da Comunidade Universitária para formação da lista sêxtupla tanto para Reitor como para Diretores de Unidades.


Deve ser observado que a institucionalização da democracia no Brasil foi um longo e árduo processo que se efetivou com a Constituição Cidadã de 1988; inobstante, em 1981, sob o tacão de uma ditadura militar, graças à luta conjunta do DCE Livre, da ADUFG e da ASUFEGO (Sint-IFES.go), foi nomeado o 1º Reitor pelo voto direto da Comunidade Universitária: MARIA DO ROSÁRIO CASSIMIRO, atual titular da cadeira nº 38 da Academia Goiana de Letras, que ficou em 3° lugar na lista sêxtupla encaminhada pelo DCE-ADUFG-ASUFEGO ao Conselho Universitário. Este fato está registrado na matéria abaixo, na qual o presidente do DCE-UFG acentua as contradições daquele momento histórico, verbis:

"Por ter sido indicada pelo Ministro Ludwig a Reitora se coloca entre dois campos distintos e antagônicos. Por um lado é obrigada a seguir as determinações vindas de cima [...] De outro a Reitoria busca o diálogo com os estudantes [...] De acordo com o presidente do DCE, no entanto, a nova Reitoria ascendeu à administração superior da UFG graças, em parte, à luta dos professores, estudantes e funcionários que realizaram eleições em maio de 1981, onde o nome de Maria do Rosário Cassimiro foi o terceiro mais votado" (FOLHA DE GOIAZ. Para os alunos, centro de polos opostos. Goiânia, 15 jan.1982). 

 

FOLHA DE GOIAZ. Visita ao DCE. Reitora quer união estudantes-administração.
Para os alunos, centro de polos opostos. Goiânia, 15 jan. 1982

A despeito da manobra do vice-Reitor Mário Evaristo, que promoveu a alteração da lista pelo Conselho Universitário, enxertando 3 nomes que não foram eleitos pela votação direta, os 3 primeiros colocados permaneceram. Assim, o nome de Cassimiro, a terceira mais votada pela Comunidade Universitária, subiu ao gabinete do Presidente da Ditadura Brasileira, General João Batista Figueiredo (aquele que declarou à imprensa: "gosto mais do cheiro de cavalo do que do cheiro do povo").

Maria do Rosário Cassimiro, por ironia, defensora do DCE Livre, graças ao relacionamento com o General Golbery do Couto e Silva, foi nomeada Reitora da UFG, sob o argumento da “transição lenta e gradual” defendida pelo "mago da ditadura". A crise política enfrentada pelo regime do arbítrio impunha contradições que abriam brechas para o avanço do movimento popular e democrático. A nomeação de Cassimiro representou a vitória do DCE Livre contra o DCE atrelado. A Comunidade Universitária conquistou o direito de participação nas instâncias de direção da UFG.

Dessa forma, em 14/01/1982, no início do seu mandato, a Reitora Cassimiro e todos os Pró-Reitores foram à sede do DCE LIVRE: Ronaldo Zica, Administração e Finanças; Joel Pimentel Ulhoa, Graduação; Janaína Amado, Pós-Graduação e Pesquisa; Oswaldo Guimarães, Assuntos Estudantis; Mauro Urbano, Extensão, além de Antônio Luiz Maia, Chefe de Gabinete da reitoria; e de Paulo Cesar Carvalho, coordenador do Escritório Técnico Administrativo.

Lá, na Sede do DCE-UFG, de forma inédita na história da UFG, a Cúpula Universitária discutiu a implementação da pauta de reivindicação do DCE Livre, por mais de 3 horas, com a Diretoria da Entidade e com o Conselho de Entidades de Base (dirigentes de 20 Centros Acadêmicos estavam presentes).

Na reunião com o DCE Livre estava o pró-reitor JOEL PIMENTEL ULHOA que veio a ser eleito na lista sêxtupla da próxima consulta à Comunidade Universitária e nomeado Reitor, em sucessão à então reitora Cassimiro, pelo General-Presidente Figueiredo!

Joel Pimentel Ulhôa, o primeiro da lista sêxtupla eleita pela Comunidade Universitária, em 1985, nomeado Reitor ainda em plena Ditadura Militar. O terceiro mais votado, Prof. Juarez Milano (IMF), apoiado pelo DCE-UFG e pela ASUFEGO, era defensor da plena democratização, tendo promovido, em 1981, a eleição direta no IMF e defendido a posse do mais votado para Diretor da Unidade.

Até os dias de hoje, em regime de continuidade democrática, permanece a polêmica sobre as listas, antes sêxtuplas, hoje tríplices: elas são compulsórias? O primeiro da lista deve ser nomeado? Ou certos cargos, como o Procurador Geral da República - PGR, são de livre nomeação do Presidente da República?

Tais observações reforçam a relevância da conquista da pauta 14 da greve-geral do DCE Livre que, em parceria com a ADUFG e a ASUFEGO (Sint-IFES.go), promoveu a primeira eleição para a nomeação de um reitor na universidade brasileira, em maio de 1981, sendo nomeada Maria Cassimiro que ficou em 3º na lista eleita pela Comunidade Universitária.



Um breve depoimento sobre o fato histórico aqui discutido

Ainda hoje, decorridos mais de quatro décadas dos fatos em tela, permanece entre professores, estudantes e servidores da comunidade universitária da UFG, a discussão sobre quem foi o primeiro reitor eleito: Maria do Rosário Cassimiro ou Joel Pimentel Ulhoa?

Nas minhas memórias de agente diretamente participante dos fatos - presidente do DCE-UFG e representante de fato (não formal pois a legislação vigente impedia) dos estudantes no Conselho Universitário - sustento, com base em documentos, que Maria do Rosário Cassimiro, empossada como Reitora da UFG para um mandato iniciado em 1° de janeiro de 1982, foi fruto de um contraditório processo de democratização da universidade brasileira, da qual a UFG exerceu papel pioneiro no Brasil.

Em maio de 1981, a comunidade universitária, representada pelo Diretório Central dos Estudantes (DCE-UFG), Associação dos Servidores (ASUFEGO, hoje Sint-IFES.go) e Associação dos Docentes (hoje ADUFG Sindicato), promoveram a primeira eleição direta e paritária entre estudantes, servidores e professores para a escolha da lista sêxtupla dos mais votados para a nomeação, pelo Ministro da Educação, do Reitor da UFG.

A UNE aplicou no âmbito nacional a exitosa experiência desenvolvida na UFG de articulação e empoderamento da Comunidade Universitária. Isso se deu na Gestão 1982-1983 da Presidenta Clara Araújo, quando o signatário foi Diretor Nacional de Assuntos Estudantis, pela diretoria eleita no 34° Congresso da UNE, realizado de 2 a 4 de outubro de 1982, em Piracicaba - SP, com 600 entidades e 2.364 delegados num total de 4 mil participantes. 

A Diretoria de Assuntos Estudantis tinha a incumbência de executar a Resolução Sobre as Lutas Educacionais,  especialmente o Seminário Nacional Sobre Ensino Superior e Reestruturação da Universidade,  sob a coordenação conjunta da UNE, ANDES e FASUBRA. Nesse sentido, realizou-se o I Seminário Sobre a Universidade Brasileira, de 2 a 4 de set. de 1983, reunindo as mais ativas lideranças da comunidade universitária, como a do saudoso sociólogo Florestan Fernandes, para estabelecer o debate conjunto sobre a reestruturação da universidade.
Voz Universitária, Ano V, Manaus, ago.1983, nº 7 - órgão de divulgação dos estudantes da UFAM: as universidades de todo o país discutiram a Proposta da UNE de Reestruturação da Universidade Brasileira; no Amazonas, a condução dos debates coube à Vanessa Grazziotin, Presidenta do DCE Livre UFAM, depois Presidenta da UEE, posteriormente eleita, sucessivamente, Vereadora de Manaus, Deputada Federal e Senadora da República pelo Amazonas, sendo, atualmente, Diretora Executiva da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), uma organização intergovernamental formada por oito países amazônicos. 


Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA

Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCAOrganização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), por 
O I Seminário Conjunto para Reestruturação da Universidade realizado na PUC-SP, sob os auspícios da Associação dos Professores da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (APUC), então presidida pelo Prof. Aloízio Mercadante, hoje presidente do BNDES, discutiu as propostas dos estudantes, dos servidores e dos professores universitários, estabeleceu as diretrizes do ensino superior que balizaram o Novo Ensino Superior nos governos democráticos construídos após o fim da ditadura. 

A respeito, reporta-se ao dossiê n° AC A037750.8.83 do SNI, que registrou "[...] o mérito do encontro foi o de colocar junto três segmentos mais importantes da comunidade universitária, os quais demonstram interesse cada vez maior de ocupar o espaço que julgam pertencer-lhes [....]". (BRASIL. Secretaria da Casa Civil da Presidência da República. Certidão de dossiês com o nome "Osmar Pires Martins Junior". Processo n° 00322.000792/2008-DV - Requerimento nº 0.775/2008. Brasília: Arquivo Nacional, 15 jan. 2008. 52 p.)
Dossiê SNI sobre o I Seminário Conjunto da Comunidade Universitária sobre a Reforma da Universidade Brasileira
Dossiê do SNI: I Seminário Nacional Sobre a Universidade Brasileira, PUC-SP, de 2 a 4/09/1983




Sobre o assunto, o pesquisador Gil César Costa de Paula, na tese de doutoramento aprovada no PPG Educação UFG, a partir de entrevistas com atores participantes e demais fontes de pesquisa, afirma que a retomada, em 1982, dos seminários sobre a universidade, demonstrou a preocupação em debater a qualidade do ensino e as políticas educacionais do Governo Brasileiro, verbis:

"[...] Eu participei da campanha para primeira eleição pra UNE, 1980. E em 1981 eu fui eleito presidente do DCE da Universidade Federal de Goiás e, em 1982 eu fui eleito para Diretoria da União Nacional dos Estudantes. Foi a terceira gestão após sua reorganização. [...] A partir desse momento, a UNE retoma uma bandeira, que ela havia levantada com a gestão do Aldo Arantes [1961-1962]; era a discussão em profundidade da situação da Universidade, tentando entender como situar a crise da Universidade na crise brasileira e quais as propostas poderiam fazer com que a Universidade realizasse um ensino, de acordo com os interesses da maioria da população. Nós fizemos o Seminário da Comunidade Universitária, para discutir a reestruturação da Universidade. [...] Foi então que a UNE retomou os destinos da Universidade. Nós fizemos uma ponte, entre o primeiro e o segundo seminário realizados pela UNE, em 1982, com uma discussão da Universidade desse período. [...] A Universidade, até a década de 60, era majoritariamente pública e gratuita, na década de 80 já não era mais pública e gratuita. Nenhuma instituição universitária pública foi fundada durante todo o período do Regime Militar. Todas as Universidades criadas foram particulares ou Escolas isoladas. As universidades públicas eram, portanto, minoria dentro do quadro geral da Universidade, a maioria dos estudantes da universidade não estava mais nas grandes Universidades Públicas. Esses estudantes estavam disseminados com um número quase que sem fim de pequenas instituições de ensino particular, escolas isoladas. [...]". (Entrevista Osmar Pires Martins Junior. In: COSTA DE PAULA, Gil César. A atuação da UNE, do inconformismo à submissão ao Estado (1960 a 2009). pp. 180-181. Tese (Prog. Pós-Grad. em Educação). Goiânia: UFG, 2009. 387 p.)

PRINCÍPIOS. A universidade em debate, a crise da universidade discutida por dois líderes estudantis (Osmar Pires da UFG e Acildon de Mattos da PUCCamp) e um dirigente do movimento dos docentes de ensino superior (Edmundo Fernandes Dias da Unicamp). São Paulo: Anita Garibaldi, Jun. 1983. p. 43-48


O Brasil vivia sob o tacão do Regime Militar: não havia eleição direta para a escolha do Presidente da República, dos Prefeitos de Capitais e cidades com mais de 200 mil habitantes, dos Governadores de Estado e do DF e, nem tampouco dos Reitores das Universidades Federais.

A Ditadura Militar, como bem avalia o Editorial "A aula das greves" do Jornal do DCE-UFG (vide supra), vivia os seus estertores. Os ditadores de plantão cediam os anéis para não perder os dedos. Toda sorte de manobra era realizada para prolongar o poder autoritário no Brasil. O Estado brasileiro ainda vive nos dias de hoje a luta contra o autoritarismo. Na década de 1980, prevalecia nos Poderes da República, desde o Poder Central perpassando pelas Universidades, inclusive UFG, os defensores do regime militar da linha "transição lenta e gradual" do general Golbery do Couto e Silva, linha esta executada pelo general-presidente João Batista Figueiredo.

Por sua vez, os adeptos da linha dura defendiam o endurecimento e radicalização do regime no combate à subversão e ao comunismo. Na UFG, a linha dura era representada pelo vice-Reitor Mário Evaristo, que se contrapunha ao Reitor José Cruciano na tentativa de travar qualquer sinal de democratização universitária.

A Greve Geral do DCE-UFG de setembro 1981 tinha no Reitor José Cruciano uma interlocução para o diálogo, que estava limitado pelo poder ditatorial do General Rubem Ludwig, ministro da Educação. Tal conflito se tornou mais agudo no  curso da greve. Veja na matéria abaixo que o Reitor José Cruciano de Araújo e seu Pró-Reitor Jamil Issy acompanharam pessoalmente o Presidente do DCE-UFG Osmar Pires e a Vice-Presidente do ADUFG, Profª Ana Lúcia da Silva, nas audiências de negociação com elevadas autoridades do MEC para o atendimento da Pauta de Reivindicação dos Estudantes.
O POPULAR. UFG vai ao MEC. A greve continua. Goiânia, 16 set. 1981. Capa e p. 5.

A postura do Reitor da UFG perante a Greve Geral do DCE-UFG se diferenciou daquela adotada pelo Sr. Ministro da Educação, General Rubem Ludwig.

Primeiro, a autoridade máxima da Educação Brasileira, ao receber em audiência o Presidente do DCE-UFG, tratou de impedir a participação dos estudantes da UFG, escolhidos em cada sala de aula de todos os cursos da universidade, que formaram uma caravana de 6 ônibus lotados de representantes de classe, além dos presidentes e diretores dos Centros Acadêmicos, que foram barrados na entrada do prédio do MEC, na Esplanada dos Ministérios.


Importante registrar que o DCE Livre UFG desfrutava de amplo apoio na sociedade, a exemplo da empresa Cooperativa Central Rural de Goiás Limitada (Leite Gogó), então presidida pelo Sr. Lousa, que ficava na fábrica da baixada do Setor Fama, em Goiânia, que fretou os ônibus da caravana dos estudantes.

O Presidente do DCE-UFG subiu sozinho até o gabinete do Ministro da Educação - uma sala enorme, na qual um general uniformizado e medalhado no ombro e no peito se encontrava postado na extremidade de uma mesa extensa com inúmeros cadeiras. Nesse ambiente pouco amistoso, transcorreu-se o seguinte diálogo:

- "Senhor Presidente do DCE, sente-se aqui na cadeira à extremidade da mesa", disse o ministro.

- "Obrigado, Senhor Ministro, mas este é o lugar da autoridade máxima", disse o Presidente do DCE, sentando-se na cadeira ao lado.

- "Como vai a Albânia?" indagou o ministro, pretendendo assim dar início à audiência.

- "Senhor Ministro, desconheço os assuntos referentes à Albânia, mas sei dos problemas enfrentados pela universidade brasileira e da UFG em particular", respondeu o Presidente do DCE, entregando ao Sr. Ministro a Pauta da UNE com a procuração do Presidente da UNE, Aldo Rebelo, e a Pauta de Reivindicações dos Estudantes da UFG (v. supra), em torno da qual a Assembleia-Geral deflagrou, em 03/09/1981, a Greve Geral.

- "Eu recuso a Pauta da UNE, pois não reconheço esta entidade clandestina e comunista. Vamos à Pauta do DCE-UFG", determinou o Sr. Ministro.  

Segundo, a autoridade educacional do MEC negou o atendimento a todos 14 pontos da Pauta de Reivindicação do DCE-UFG. O documento entregue ao Sr. Ministro continha as anotações de próprio punho, ao lado de cada ponto, pelo Reitor da UFG, prof. José Cruciano. Dessa maneira, se fez a indicação ao Sr. Ministro da responsabilidade do MEC acerca de cada assunto. Tudo que estava ao alcance da Reitoria se encontrava ali anotado, com a concordância explícita do Reitor: "sim, atendido, encaminho ao pró-reitor competente para as providências".

A postura do Sr. Ministro da Educação divergiu frontalmente da conduta do Magnífico Reitor da UFG. O General Ludwig foi intransigente na "audiência de negociação", que durou intermináveis noventa minutos. Na verdade, uma sessão de tortura, que consistiu em "malhar ferro frio" ou em "arrancar leite de pedra", qual seja, democratizar a universidade, conquistar mais verba para educação e fortalecer o ensino público e gratuito sob o Regime Militar e o MEC militarizado. Na administração do general Ludwig foi promovida a farra das universidades pagas com a proliferação de cursos privados. As universidades públicas foram estranguladas com cortes orçamentários. Não tinha dinheiro nem para papel higiênico. As universidades federais ficavam no escuro, pois não pagavam nem a energia elétrica consumida e o serviço era cortado.

Terminada a audiência, o auxiliar do Sr. Ministro da Educação, Antonio Praxedes, concedeu entrevista à Folha de São Paulo, tergiversando sobre o não atendimento da Pauta de Reivindicações, e lançando acusação contra o Presidente do DCE-UFG, que "desrespeitou o Sr. Ministro" ao apresentar-lhe um "documento clandestino da UNE, assinado pelo comunista Aldo Rebelo".

FOLHA DE S. PAULO. Para porta-voz de Ludwig, ministro foi desrespeitado. São Paulo, 29 ago. 1981


Após a audiência com o Sr. Ministro da Educação General Rubem Ludwig, o Presidente do DCE-UFG, por sua vez, reuniu os mais de 300 representantes de sala de aula presentes na caravana e barrados na entrada do prédio do MEC. Ali, em assembleia de prestação de contas, o Presidente do DCE-UFG expôs a posição do MEC a respeito de cada um dos 14 pontos da Pauta de Reivindicação dos Estudantes. Ficou evidenciada a necessidade de deflagração do movimento paredista, como ocorreu na grande assembleia de 3 de setembro de 1981, que ilustra a capa do Jornal do DCE, acima.

Mais claro ainda ficou que a solução da crise universitária brasileira passava pela derrota do PDS nas eleições gerais de 1982, pela união das oposições para derrotar a ditadura, pela eleição direta do Presidente da República e pela convocação da Assembleia Nacional Constituinte visando efetivar a democracia no Brasil.

No contexto nacional supra descrito, se deu a nomeação da professora Maria do Rosário Cassimiro como Reitora da UFG. Uma mulher saída da consulta direta, pelo voto da comunidade universitária. Ela permaneceu na terceira posição da lista sêxtupla, já que os últimos três foram enxertados por Mário Evaristo, inclusive ele próprio. A manobra, realizada pelo Conselho Universitário, teve o objetivo de que, ao incluí-lo na lista, Mario Evaristo seria nomeado Reitor pelo Ministro da Educação, o general Rubem Ludwig, como expoente da linha dura.

Ocorre que o Regime Militar vivia o contraditório processo da "transição lenta e gradual" para a composição de diversos poderes da República, desde a sucessão do Presidente da República, a ser escolhido no Colégio Eleitoral (reunião dos deputados federais e senadores, sendo 1/3 biônicos). Lembrando: o candidato do Regime para a disputa no Colégio Eleitoral foi um civil, Paulo Salim Maluf, ex-prefeito biônico de São Paulo, derrotado no "terreiro da ditadura", graças ao movimento popular, pela chapa encabeçada por Tancredo Neves para Presidente e José Sarney para Vice. Sarney era presidente do PDS - o partido da Ditadura, que renunciou ao cargo para se aliar a Tancredo.

As divisões no seio do Poder, de cima a baixo, resultaram da luta do povo, da sua capacidade de organização e de formação de frentes democráticas, aproveitando as brechas abertas nas fileiras autoritárias. Foi assim no Colégio Eleitoral e também no Conselho Universitário da UFG. Essas fissuras foram aproveitadas pelo povo para cravar no coração da Ditadura o alfinete da democratização lenta e gradual, já que a democratização radical, com o Movimento das Diretas-Já, foi derrotado pelo Congresso Nacional dominado pelos Senadores Biônicos instituídos na reforma constitucional do mago Golbery.

Na atualidade, o Brasil vive a continuidade do dilema da transição incompleta. A democratização do Poder Político, caminho escolhido pela maioria do povo com a eleição do Presidente Luis Inácio Lula da Silva, esbarra na maioria conservadora aliada à extrema-direita formada no Congresso Nacional. Não só no Poder Legislativo estão presentes as forças do arbítrio, bastando citar, no Poder Judiciário, o lavajatismo.

Wednesday, March 06, 2024

VITÓRIA CONTRA O LAWFARE TRIBUTÁRIO: extinta absurda Ação de Execução Fiscal!

Osmar Pires Martins Junior
Pós Doc em Direitos Humanos
D.Sc. em C. Ambientais, M.Sc. em Ecologia


A vitória ocorreu nos embargos à execução fiscal nº 2004.35.00.015718-6, que tramitou na 10ª Vara Federal/GO, teve origem no Processo nº 2001.12912-1 e no processo administrativo n° 10120.004663/96-51. A demanda perdurou três décadas!

O embargante, vitorioso na ação supra mencionada, foi patrocinado desde o processo administrativo até a fase judicial de impugnação à execução, pelos advogados Elias Menta Macedo e Eliomar Pires Martins – coautores do livro "Lawfare em debate" – e, anteriormente, pelos advogados tributaristas Célio José Simplício, Valéria da Silva Simplício Fleury e Ascânio Darques Silva, com assistência técnica do Contador Sebastião Mendes Filho.

A cobrança fiscal era escandalosamente absurda! Por isso, foi anulada. O débito tributário era indevido. A dívida cobrada simplesmente não existia! Foram lançados diversos créditos tributários contra o contribuinte, sendo o último, no valor nominal de R$ 26.481,49.

Atendendo ação de execução de título tributário, protocolada pela Fazenda Nacional, o juiz determinou a penhora de lote da família do executado, no Setor Aeroporto, em Goiânia. O imóvel é fonte de complemento de renda para pagar despesa familiar como escolas e universidades. O bem foi avaliado judicialmente, em 29/07/2022, por R$ 1.671.624,60. A pretensão era leiloar um bem familiar de R$ 1,6 milhões para pagar um débito de R$ 26 mil, ou seja, um valor indevidamente cobrado que corresponde a 1,5% do bem penhorado!

A pretensa dívida tributária nunca existiu. Só na cabeça do indigitado agente fazendário! Nos embargos à execução, ficou evidenciado o indébito tributário. A própria Receita Federal, sem outro argumento, pediu para arquivar o processo.

Nos anos 1990, a exequente já poderia ter determinado o arquivamento na fase do processo administrativo n° 10120.004663/96-51. Na impugnação 000723 de 24 de mar. 1997, sob orientação do advogado tributarista Ascânio Darques Silva, o contribuinte requereu, em 19/10/1996, a nulidade do auto de lançamento. Não houve ganho de capital na alienação do imóvel, objeto da demanda, que foi recebido de herança por seis herdeiros
.

Coube a cada herdeiro, com a venda do imóvel herdado, o equivalente 5.541,93 UFIRs. Nos termos dos arts. 30, da Lei 8.134/90 e 22, I, da Lei 7.713/88, inexistiu lucro ou ganho de capital. O ganho de capital é fato gerador do imposto (art. 43, I e II, do CTN). A incidência do imposto decorre do fato gerador (art. 142 do CTN). Sem este não haverá aquele. Esse é o “bê-á-bá” da legislação tributária!

Os doutos agentes da Receita Federal/Fazenda Nacional sabiam, por obrigação do ofício, da nulidade da exação pretendida.  Inobstante, os agentes estatais mantiveram a persecução, a despeito da impugnação e do pedido de arquivamento da cobrança indevida, ainda na esfera administrativa, nos primórdios da década de 1990. À época, o alvo da perseguição tributária exercia a frutífera gestão de Secretário do Meio Ambiente de Goiânia durante a exitosa administração do saudoso Prefeito Darci Accorsi (PT, PCdoB, PSB, PV). 

A Receita Federal/Fazenda Nacional não atendeu o pedido do contribuinte alvo da perseguição. Insistiu na cobrança. Desistiu só no Judiciário... tardiamente! A Receita preferiu patrocinar uma causa improcedente e, mais de três décadas depois, requerer em juízo o arquivamento.


O agente estatal fazendário agiu com o ânimo da persecução, causou desgaste, impôs despesas periciais, judiciais e advocatícias à parte adversa. Onerou o contribuinte com dispêndios acima da sua capacidade econômica, eis que, sua fonte de renda advém dos proventos do serviço público estadual. Impôs constrição no CADIN, BACEN-JUD, penhora de bens. Entulhou o judiciário.

A Receita/Fazenda Nacional patrocinou execução de débito inexistente. Desistiu. Só que, "QUEM cobra ERRADO deve DOBRADO"! Infelizmente, o Juiz não penalizou o representante do Estado pelo indébito. Muito curioso, o agente estatal age com o dolo, mesmo o eventual, e fica por isso mesmo...

Não deveria ficar... Cabe responsabilizar o polo ativo poderoso de uma relação jurídica desigual. O Estado agiu contra um cidadão. O Estado deve ser responsabilizado e, regressivamente, o agente estatal que impôs prejuízo material e moral à parte mais frágil dessa desumana relação processual que se arrastou por anos a fio!

Daí ser oportuno alertar magistrados, tomadores de decisão, agentes tutores da lei, operadores de direito, legisladores, enfim, os agentes sociais interessados: manifestem-se!

Aos stakeholders incumbe o desiderato de normalizar e tipificar as condutas de agentes estatais que, em desvio de função, manipulam os instrumentos que a sociedade lhes conferiu e, intencionalmente, adotam persistente conduta causadora de prejuízos a outrem.

As tipologias específicas para inibir a conduta do agente estatal nos termos aqui discutidos, estão dispersas em diversos institutos legais. O abuso de poder, na lição de Scarpinella Bueno (in: Mandado de Segurança: comentários às Leis 1533/51, 4.48/64 e 5.021/66 e outros estudos. São Paulo: Saraiva, 2002), se relaciona intrinsecamente aos atos discricionários da autoridade pública que, em função da larga margem de apreciação dos motivos, elementos ou finalidade do ato, decide praticá-lo de maneira diversa daquela prevista na lei ou contra o interesse público, alvejando direitos coletivos e/ou individuais indisponíveis. 

abuso de poder é gênero, do qual o desvio de poder ou desvio de finalidade é espécie. O desvio de poder ou de finalidade, seg. Zanella Di Pietro (in: Direito Administrativo. 4. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003) é o ato praticado com finalidade diversa da prevista em lei, ou seja, é aquele ato praticado para a satisfação individual do agente estatal e não para atender o interesse público. 

Por sua vez, o abuso de direito é o exercício irregular ou anormal da função legalmente atribuída ao agente estatal que, sem interesse legítimo ou justa causa (falta materialidade e autoria), por temeridade (imprudência ou presunção), negligência, emulação ou má-fé, usa da sua função para promover demanda infundada, ocasionando, assim, prejuízo a outrem.

O Código de Processo Civil - CPC, no art. 5º, estabelece que todos os sujeitos do processo (juiz, partes, acusador, investigador) deve comportar-se de acordo com a boa-fé objetiva. Portanto, o Códex Civil veta comportamentos ilícitos como os citados acima (abuso de poder, desvio de poder ou de finalidade e abuso de direito). Tais ilícitos maculam de maneira indelével o processo e dão causa à nulidade da decisão judicial.

No mesmo sentido da doutrina e da norma, a jurisprudência é firme na penalização de condutas ilícitas por parte dos agentes estatais do sistema de justiça. O Superior Tribunal de Justiça - STJ, no Recurso Especial - REsp nº 470.365/RS, de 02/10/2003, decidiu: "Exercício Regular do Direito. Abuso de Direito. Poderá o denunciante ser responsabilizado se o seu comportamento doloso ou culposo contribuir de forma decisiva para imputação de crime não praticado pelo acusado".  

Do exposto, vê-se que o legislador está imbuído da clara intenção de penalizar práticas ilícitas associadas ao uso estratégico do direito para fins alheios aos da justiçaO lawfare é uma prática nefasta que, hodiernamente, viceja nos tribunais e demais ambientes do sistema de justiça. Tal prática tem que ser extirpada do nosso meio.

Em casos tais, além da penalização do agente estatal infrator, impõe-se uma dupla reparação indenizatória pelo dano material e moral causado à pessoa adredemente coloca no polo passivo dessa relação. Daí ser factível aventar a hipótese do direito de anistia às vítimas dessa prática criminosa por violação aos direitos humanos.