Blog do Osmar Pires

Espaço de discussão sobre questões do (ou da falta do) desenvolvimento sustentável da sociedade brasileira e goiana, em particular. O foco é para abordagens embasadas no "triple bottom line" (economia, sociologia e ecologia), de maneira que se busque a multilateralidade dos aspectos envolvidos.

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Pós-Doc Dir. Humanos PPGIDH-UFG, D.Sc. C. Ambientais, M.Sc. Ecologia, B.Sc. Direito, Biologia e Agronomia. Escritor Academia de Letras de Goiânia. Autor de A gestão do espaço urbano e a função socioambiental da cidade. Londrina, PR: Sorian, 2023. 404p. O efeito do combate à corrupção sobre os direitos humanos... Goiânia: CegrafUFG, 2022. 576p. Família Pires... 3. ed. Goiânia: Kelps, 2022. 624p. Perícia Ambiental e Assistência Técnica. 2. ed. Goiânia: Kelps/PUC-GO, 2010. 440p. A verdadeira história do Vaca Brava... Goiânia: Kelps/UCG, 2008. 524p. Arborização Urbana e Qualidade de Vida. Goiânia: Kelps/UCG, 2007.312p. Introdução aos SGA's... Goiânia: Kelps/UCG, 2005. 244 p. Conversão de Multas Ambientais. Goiânia: Kelps, 2005, 150p. Uma cidade ecologicamente correta. Goiânia: AB, 1996. 224p. Organizador/coautor de Lawfare como ameaça aos direitos humanos. Goiânia: CegrafUFG, 2021. 552p. Lawfare, an elite weapon for democracy destruction. Goiânia: Egress@s, 430p. Lawfare em debate. Goiânia: Kelps, 2020. 480p. Perícia Ambiental Criminal. 3. ed. Campinas, SP: Millennium, 2014. 520p. Titular da pasta ambiental de Goiânia (93-96) e de Goiás (03-06); Perito Ambiental MP/GO (97-03).

Thursday, November 14, 2024

#TerroristaDoPL: o que falta para prender o chefe da máfia golpista?

Osmar Pires Martins Junior
Pesquisador pós doc NDH-UFG

     O Brasil amanheceu em choque com o atentado a bomba, promovido na noite de 13 de novembro de 2024, pelo terrorista do PL, contra a sede do Supremo Tribunal Federal - STF, na Praça dos Três Poderes, em Brasília, capital da República Federativa Democrática do Brasil.

     O autor lançou explosivos contra a escultura da deusa Themis, que simboliza a Justiça em frente a sede do STF e pretendia invadir o prédio, onde os ministros realizavam uma sessão de julgamento, com a intenção de atingir o seu alvo, o ministro Alexandre de Moraes.

     Mas, o terrorista do PL foi impedido pelos seguranças da Corte. Frustrado no seu intento criminoso, o terrorista se auto explodiu com uma bomba que estourou os próprios miolos da cabeça.

     Logo em seguida, ouviram-se três explosões num carro, estacionado a duas centenas de metros do STF, no pátio da Câmara Federal. Próximo ao carro onde ocorreu as explosões, a Polícia Federal localizou um trailer que, assim como o carro, estão registrados em nome do terrorista, contendo artefatos explosivos e celular.

      O terrorista alugou, em julho de 2024, uma casa em Ceilândia, no plano piloto da Capital Federal. O quarto da casa continha explosivos e arsenais programados para explodir logo depois do atentado à sede do STF.

     A Polícia desativou pelo menos seis artefatos explosivos na Praça dos Três Poderes, sendo dois deles no cinto do autor dos ataques. Por meio de varredura das bombas, foi localizado o trailer e a casa. No corpo do terrorista foi encontrado um timer com a função de controlar uma sequência de explosões.

      O autor do atentado terrorista é Francisco Wanderley Luiz – "Tio França", chaveiro de 59 anos, natural da cidade Rio do Sul, em Santa Catarina. O terrorista era militante de extrema-direita do Partido Liberal (PL), seguidor de Donald Trump e de Jair Bolsonaro.
     
      O homem-bomba foi candidato a vereador pelo PL-SC e desenvolvia intensa atividade de pregação de ódio e mensagens de extrema-direita nas redes sociais, sempre na linha doutrinária apregoada pelo bolsonarismo no Brasil.     

Matéria publicada no jornal digital Metropoles, em 13 nov. 2024
Matéria publicada no jornal digital METRÓPOES, em 13 nov. 2024

  
     Jair Bolsonaro inaugurou na campanha presidencial de 2018 o ódio e a violência como método político no Brasil, além de, nas penumbras, tentando se manter no poder, planejou atentados contra o Estado de Direito, como o golpe de 8 de janeiro de 2023, que visava depor o presidente Lula, eleito na eleição presidencial de 2022.

     A Polícia Federal, no âmbito do inquérito instaurado por determinação do STF, recuperou mensagens apagadas do celular do tenente-coronel Mauro Cid, durante o exercício de ajudante ordem do Presidente da República Jair Bolsonaro, revelando uma organização paralela das Forças Armadas - "Kids Pretos", envolvendo o general da reserva Mario Fernandes, no exercício de secretário-executivo da Secretaria-Geral da Presidência de Bolsonaro, para sequestrar e assassinar o ministro Alexandre de Moraes e os recém-eleitos presidente Lula e vice-presidente Alckmin, dentro do planejamento do golpe de Estado, ao que tudo indica, comandado por Bolsonaro.

     Segundo relatório da Polícia Federal, noticiado pela imprensa, o documento do plano de sequestro e assassinato das autoridades, intitulado "Plj.docx", foi impresso pelo general da reserva e ex-secretário-executivo da Secretaria-Geral da Presidência Mário Fernandes, em 6 de dezembro de 2022, às 18h09.

    Moraes e os demais magistrados da Suprema Corte são desqualificados como "comunistas de merda" pela campanha antidemocrática dos extremistas tupiniquins.

    As investigações em curso buscam estabelecer a rede de ligação dos atos extremistas, para esclarecer os vínculos entre executores e mandantes. 

     A história política recente do Brasil inaugurou a violência como método político, verbi gratia, a facada de 6 de setembro de 2018 em Juiz de Fora, a intentona de 8 de janeiro de 2023, o atentado terrorista de 13 de novembro de 2024.

    Os eventos políticos violentos devem ser vistos dentro de um contexto gerado pelo gabinete do ódio institucionalizado na Presidência da República no governo Bolsonaro e amplamente difundido nos gabinetes dos parlamentares de extrema-direita. Os institutos de pesquisa atestam que o bolsonarismo fez dobrar os casos de violência política no Brasil.

      As investigações policiais até agora anunciadas revelam que o terrorista do PL planejou o atentado terrorista com antecedência, mencionando na sua rede social: "o dia 13 de novembro será a data de um grande acontecimento".
   
    O que falta para Gonet (PGR) denunciar e pedir a prisão do cabeça que comanda o terrorismo no Brasil?

   A resposta está no raciocínio desenvolvido pelo respeitado jurista Pedro Serrano - professor de Direito Constitucional da PUC-SP, na entrevista que concedeu ao Eduardo Guimarães do Blog da Cidadania.

    A questão, segundo Serrano, envolve minuciosa investigação, pelos órgãos competentes da Polícia Judiciária, dos elementos indiciários do nexo de ligação entre autoria e ilícitos praticados em estreita conexão, a serem desvelados sob o crivo das autoridades investigativas competentes: 
i) 8 de janeiro (crime de golpe de Estado); 
ii) roubo das joias (fonte ilegal de financiamento do crime procedente);
iii) falsificação do cartão de vacina usado para dar entrada nos EUA (paraíso da extrema-direita refúgio histórico de golpistas); e
iv) ABIN paralela (uso ilícito da estrutura do poder público para perseguir e intimidar).

    Incumbe à PGR concluir as conexões dos fatos acima citados, destacando-se o primeiro deles, os crimes denominados “golpe de estado” e "abolição violenta do Estado Democrático de Direito" que foram inseridos no Código Penal pela Lei nº 14.197/21 no Título XII na Parte Especial do Código Penal, relativos aos Crimes contra o Estado Democrático de Direito.

     Referidos crimes estão previstos nos arts. 359-L e 359-M do Código Penal (CP), verbis:

Abolição violenta do Estado Democrático de Direito
Art. 359-L. Tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais:
Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, além da pena correspondente à violência.

Golpe de Estado
Art. 359-M. Tentar depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído:
Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 12 (doze) anos, além da pena correspondente à violência.

     Os fatos investigados por determinação do STF, associados aos crimes contra o Estado Democrático de Direito, são delitos de ação continuada e tendem a proliferar. Após o atentado terrorista de 13 de novembro, por exemplo, o Conselho de Ética do PT de Sapucaia do Sul protocolou no Ministério Público Federal - MPF, em 17/11/2024, a denúncia de uma conduta criminosa amplamente veiculada na plataforma da extrema-direita mundial liderada por Elon Musk.

     Veja o caso identificado pelo perfil no X (https://x.com/elkiasg), celular (69) 99282-9251, cf. denúncia no MPF:
[...] Soldado que vai a guerra e tem medo de morrer é covarde. Eu levaria granada, banana de dinamite para mandar o Xandão e todo o STF pro inferno, de preferência cheio de esquerdista e especial de PTRALHAS. Xandão e Lula têm que ser enforcados. Eliminar esses lixos que tem no Brasil [...] (Manifestação no MPF sob n° 200240078890, de 17 nov. 2024) 
    As investigações sobre tais condutas, no devido processo legal, produzirão provas suficientes para o indiciamento, acusação, julgamento, condenação e prisão dos criminosos de uma poderosa máfia golpista.

     Uma máfia miliciana, corrupta e praticante de crimes hediondos, liderada por agentes do mundo do crime de há muito conhecidos dos investigadores.

     Os indícios são cada vez mais fortes de que o chefe deles seja Jair Messias Bolsonaro que, no passado, promoveu atentado terrorista dentro do Quartel e foi expulso do Exército brasileiro.

Monday, November 11, 2024

DIREITO À ANISTIA E REPARAÇÃO DE ATO ILÍCITO

  
O arquivamento arbitrário e ilegal, no atacado, aos milhares, de requerimentos protocolados na Comissão da Anistia, durante o governo de exceção de Temer e de seu corolário bolsonarista de extrema-direita, é revelador, a contrario senso, do conteúdo fortemente democrático do direito à anistia e à reparação de ato ilícito praticado por agentes estatais imbuídos da motivação de exclusiva perseguição política.
Por sua vez, a tentativa de desmonte da Comissão de Anistia é esclarecedora a respeito da importância de se manter, em regimes de institucionalização da democracia, a perspectiva estratégica de políticas públicas e suas ferramentas de justiça transicional, visando o fortalecimento dos direitos humanos e do Estado Democrático de Direito no Brasil.

1. O processo nº 2010.01667-02, protocolado na Comissão de Anistia em 22/03/2010 e, desde então, pendente de decisão, possui como parte requerente – Osmar Pires Martins Junior e como causa de pedir o direito de anistia fundado no art. 1º, I, II e III, da Lei nº 10.559/2002;

2. O pedido se limitou ao fato evidenciado em ato ilícito praticado por agente estatal com motivação exclusivamente política que impediu o requerente de ser empossado no cargo de biólogo da Superintendência de Meio Ambiente da Secretaria Estadual de Saúde de Goiás – SEMAGO, verbis:

Figura 1 - Extrato do Pedido formulado no requerimento protocolado na Comissão de Anistia

3. O pedido está fundamentado nas provas apresentadas no processo, quais sejam, informação do SNI e certidão fornecida pela Casa Civil da Presidência da República – dossiês do SNI, que evidenciam o monitoramento do requerente pelos órgãos da ditadura, sendo esta a causa da exclusão do requerente para a posse do mesmo no cargo de biólogo concursado, conforme Diário Oficial nº 15.175, de 20/02/1987, p. 08, já que ocupava a primeira posição na lista de chamada, em face da desistência de Jácomo Divino Borges, contratado como biólogo na Escola de Agronomia da UFG, mas foi contratada para o cargo Eliane Lopes, que ocupava posição inferior na lista de classificação;


Figura 2 – Extrato da p. 8 do Diário Oficial nº 15.175, de 20/02/1987

4. O dossiê do SNI ACE nº R0020412, constante da Certidão de dados do SNI/CGI/CSN, autuada sob n° 00322.000792/2008-CV no Arquivo Nacional,  registra que “[...] OPMJ [Osmar Pires Martins Junior], presidente do DCE UFG, proferiu em fev. 81, um discurso contestatório e antigovernista em Amorinópolis-GO [...] é militante do PCdoB, tendo criticado sistematicamente o Governo Federal [...] é irmão de DPM [Delcimar Pires Martins], vendedor ambulante do Jornal TLO [Tribuna da Luta Operária] [...]”;

Figura 3 - Extrato da p. 12 da Certidão do Arquivo Nacional

5. O dossiê do SNI ACE nº R0011095 constante da Certidão supra mencionada, registra que: “[...] AAM [Adalberto Alves Monteiro] e DPM, ao venderem a TLO, porta voz do PCdoB em Goiás, foram presos pela Polícia Federal [...] OPMJ, EPM [Eliomar Pires Martins] e IPM [Ismar Pires Martins] auxiliaram AAM e DPM na realização de ato público em Amorinópolis – GO, no dia 26 fev. 1981 [...]”;

Figura 4 - Extrato da p. 3 da Certidão do Arquivo Nacional

6. Na mencionada Certidão do Arquivo Nacional,  o SNI registra dados atualizados em 20/04/1989, que "OPMJ é Presidente da Associação dos Biólogos de Goiás - ABG (1988), membro da Corrente Sindical Classista (1989), irmão de DPM, EPM e IPM";

Figura 5 - Extrato da p. 2 da Certidão do Arquivo Nacional

7. A documentação juntada no requerimento inicial protocolado na Comissão de Anistia comprova que o requerente foi ostensivamente vigiado e monitorado pelo Estado por atividades então consideradas subversivas, sendo preso, detido e indiciado reiteradas vezes durante o período de exceção que vigorou no Brasil entre 1°/04/1964 e 05/10/1988, abrangido pela Lei da Anistia. Depreende-se dos dossiês do SNI do Arquivo Nacional impresso, então juntado, que tal vigilância compreendia o período de fevereiro de 1981 até o ano de 1989, ultrapassando a data da promulgação da CF/1988, em 05/10/1988;

8. Pela razão supra, o pedido formulado no requerimento protocolado na Comissão de Anistia, em 23/03/2010, se restringiu à reparação do direito de anistia referente ao concurso de biólogo da SEMAGO/SES-GO, em fev. 1987. Os documentos juntados comprovam que o requerente não foi empossado no cargo de biólogo por motivo exclusivamente político;

9. No Ofício SEMAGO GAB-DG 48/89, de 16/02/1989, constante dos autos, o Diretor Geral da SEMAGO pede ao governador do Estado de Goiás a convocação de pelo menos um dos 3 três concursados, mas, em 29/03/1989, a concursada Eliane Lopes foi contratada no cargo de Biólogo em flagrante desrespeito à ordem de classificação e em prejuízo efetivo do requerente;

10. Os representantes das entidades de classe requereram e compareceram à audiência com o Diretor Geral da SEMAGO, realizada em meados de 1987, para reivindicar a convocação dos biólogos concursados. Tais representantes são testemunhas diretas do ato discriminatório de embargo político à contratação do requerente. Faz prova cabal deste fato as declarações supervenientes e subsidiariamente juntadas aos autos, quais sejam, a declaração assinada pela então conselheira do Conselho Federal de Biologia (CFB) Lyzete de Roure Silva, bem como a declaração assinada pelo então presidente da Associação dos Servidores da SEMAGO (ASSAGEMAR) Arailson da Rocha Moreira (DOC. 1);



Figura 6 - Extrato do DOC. 1 (Declaração de Lyzete de Roure Silva e de Arailson da Rocha Moreira)

11. Ademais, o mesmo requerente do processo protocolado na Comissão de Anistia, sub judice, foi aprovado no concurso de Fiscal Arrecadador para o Quadro Especial do Fisco Estadual de Goiás, cuja Portaria homologatória foi publicada no Diário Oficial de Goiás, em 21/11/1975, p. 17, mas não foi empossado no cargo por motivo de discriminação de natureza política, conforme se demonstra em sequência;


Figura 7 – Extrato da Portaria n° AAA/2283/75, publicada na p. 17 do Diário Oficial de 21/11/1975

12. Consoante Escritura Pública de Declaração, expedida pelo 5º Tabelionato de Notas de Goiânia, em 20/12/2023 (DOC. 2), o requerente não foi empossado no Quadro Especial do Fisco, mesmo aprovado no concurso, em nov. 1975, por ato ilícito do Estado com motivação exclusivamente política, nos termos do depoimento do Dep. Adjair de Lima e Silva, eleito para a legislatura 1975-79, pela ARENA e reeleito para a legislatura 1979-83, pelo PDS – partidos de sustentação política da ditadura militar;

13. O depoente supra mencionado declara que a contratação para o Quadro do Fisco Estadual de Goiás, sob a égide dos governadores biônicos Irapuan Costa Junior (1975-1979) e Ary Ribeiro Valadão (1979-1983), foi motivada por razão exclusivamente política, sendo o concursado Osmar Pires Martins Junior prejudicado nos termos do art. 8° do ADCT, caput, verbis:
Art. 8º É concedida anistia aos que, no período de 18 de set. de 1946 até a data da promulgação da Constituição [5 de out. de 1988], foram atingidos, em decorrência de motivação exclusivamente política, por atos de exceção, institucionais ou complementares, aos que foram abrangidos pelo Decreto Legislativo n.º 18, de 15 de dez. de 1961, e aos atingidos pelo Decreto-Lei n.º 864, de 12 de set. de 1969, asseguradas as promoções, na inatividade, ao cargo, emprego, posto ou graduação a que teriam direito se estivessem em serviço ativo, obedecidos os prazos de permanência em atividade previstos nas leis e regulamentos vigentes, respeitadas as características e peculiaridades das carreiras dos servidores públicos civis e militares e observados os respectivos regimes jurídicos.
14. O depoimento do advogado Adjair de Lima e Silva que à época dos fatos narrados era deputado estadual pela ARENA e depois PDS, constitui prova direta e inconteste do ilícito praticado pelo Estado, qual seja, para ocupar o cargo de Fiscal Arrecadador e de Agente Arrecadador (atual Auditor Fiscal), a despeito de classificado no concurso público para o Quadro do Fisco do Estado de Goiás (nov. 1975 a nov. 1979), o concursado teria que compor-se com o partido político de apoio ao governo vigente, verbis:

Figura 8 - Extrato do DOC. 2 (Escritura Pública de Declaração)

15. O concursado Osmar Pires Martins Junior não aceitou a condição imposta pelo agente estatal, rejeitando a chantagem de, em troca de um cargo com os melhores salários pagos pelo Estado, perfilar-se ao partido governista e fazer campanha para o seu candidato a governador do estado de Goiás na eleição geral de 15/11/1982, que exerceu papel estratégico para a conquista da democracia no país, como registrado nos anais da história brasileira hodierna;

16. Os arts. 342, I e 397, II, do Código de Processo Civil – CPC conferem ao autor o direito de juntar ao processo na Comissão de Anistia, novas evidências, supervenientes, pertinentes e relacionadas aos fatos da causa, disponibilizadas com a informatização digital <https://sian.an.gov.br/sianex/consulta/resultado_pesquisa_new.asp?v_pesquisa=OSMAR%20PIRES%20MARTINS%20JUNIOR&v_fundo_colecao=>, extraída do SIAN – Sistema de Informações do Arquivo Nacional <Arquivo Nacional (an.gov.br)>:

Figura 9 - Print do sítio do SIAN contendo o registro de 224 dossiês do monitoramento de Osmar Pires Martins Junior, pela ditadura militar, no período de 1975 a 1989

17. No sítio do SIAN, supramencionado, estão registrados 224 dossiês produzidos por agentes estatais dos órgãos de repressão do governo militar, que acompanharam passo-a-passo as atividades do requerente, durante uma década e meia (1975 a 1989). Os dossiês do SNI são fontes de informação que delinearam os antecedentes sócio-políticos justificadores, à lógica do Estado de Exceção então vigente, da perseguição política geradora de prejuízos materiais e morais, como não empossar o autor em cargos conquistados em concursos públicos, promover monitoramento, vigilância, detenções e prisões. Assim como o autor, outros milhares brasileiros que lutaram pela democracia sofreram algum tipo de sequela, inclusive o desaparecimento e a morte de centenas de conterrâneos!

18. As sequelas supra mencionadas são efeitos perversos ainda não inteiramente extirpados da nossa sociedade, em virtude de uma Justiça Transicional Incompleta, subsistindo ameaças de ruptura do Estado de Direito e permanente regressão constitucional nos direitos arduamente conquistados, inclusive sobre as cláusulas pétreas. Esse fenômeno tem sua causa relacionada ao uso estratégico do direito, por parte de agentes estatais ainda atuantes num país que está por concluir a efetiva transição da ditadura militar para a efetiva democracia;

19. Extrai-se do SIAN, o Memorando n° 377 – MJ, de 03/10/1975, originado pela Informação n° 427 –  SNI, de 26/08/1975 (DOC. 3), atestando irregularidades nas contratações de servidores públicos em Goiás, durante do governo Irapuan Costa Junior, ipsis litteris:

Figura 10 – Extrato do DOC. 3 (Memº n° 377– MJ, de 03/10/1975, orig. Inf. n° 427– SNI, de 26/08/1975)

i) não realização de concursos públicos para o ingresso e provimento de cargos;
ii) contratação sem concurso público com alto padrão salarial na CAIXEGO e na CODEG, de pessoas que, em seguida, são colocadas à disposição da administração direta; e
iii) aprovação de projeto legislativo que eliminou o concurso interno para promoção da carreira dos cargos de Fiscal Arrecadador e de Agente Arrecadador para o de Agente Fiscal dos Tributos Estaduais.
iv) que tais irregularidades "transmitem à população goiana uma descrença nos propósitos revolucionários que poderá se transformar, a persistir tal situação, em votos ao MDB nas eleições vindouras" (sic);

20. O Chefe do SNI Gal. João Batista Figueiredo apresentou a Informação n° 427– SNI ao Presidente da República Gal. Ernesto Geisel, que determinou ao Ministro da Justiça Armando Falcão, as providências junto ao então governador de Goiás Irapuan Costa Junior;

21. No Of. nº 55 SEC.GOV, de 31/10/1975, o governador Irapuan Costa Junior apresentou os esclarecimentos ao Ministro da Justiça Armando Falcão e informou as providências:
Figura 11 - Of. nº 55 SEC.GOV, de 31/10/75 do Gov. Irapuan Costa Jr. ao Min. Armando Falcão

i) que realizou concursos públicos para o cargo de Promotor de Justiça do MP-GO e para o Quadro do Fisco;
ii) que vetou o projeto aprovado na Assembleia Legislativa e realizou o concurso interno para a promoção de Fiscal Arrecadador e de Agente Arrecadador ao cargo de Agente Fiscal dos Tributos Estaduais; e,
iii) que admitiu a contratação irregular de pessoal pela administração indireta;

22. O concurso para o Quadro Especial do Fisco do Estado de Goiás foi realizado em 21/09/1975 pela FUNDAÇÃO CARLOS CHAGAS/SP, no qual se inscreveram 13.481 candidatos para 568 vagas de Agente Arrecadador e de Fiscal Arrecadador, isto é, cada vaga foi disputada por 23 candidatos oriundos de todos os estados da federação;

23. Nos documentos anexados pelo governador de Goiás ao mencionado Of. nº 55, extraídos da Inf. SNI n° 427/75, que originou o Memº MJ nº 377/75, consta o Edital do Concurso para o Quadro do Fisco que estabelece na "cláusula I.4" as atribuições cometidas aos Agente Arrecadador e ao Fiscal Arrecadador que são as de fiscalização e arrecadação de tributos, sendo os vencimentos do primeiro no valor de CrS 3.294,00, e o do segundo, de Cr$ 4.563,00, podendo, igualmente ambos, atingir até Cr$ 10.400,00 (dez mil e quatrocentos cruzeiros);

24. Na "cláusula I.5.g", o Edital diz as condições legais para posse nos cargos de Agente Arrecadador e de Fiscal Arrecadador:
a) ser brasileiro;
b) ter idade superior a 18 anos e inferior a 35 anos à data de encerramento das inscrições, exceto para ocupantes de cargo ou função pública;
c) ser eleitor;
d) estar quite com as obrigações militares;
e) estar quite com a Fazenda Pública;
f) ter aptidão física e mental comprovadas em inspeção médica;
g) não registrar antecedentes criminais e político-sociais e estar em gozo dos direitos políticos;
h) apresentar declarações dos bens e valores que constituem o seu patrimônio;

25. O autor se inscreveu, fez as provas, passou no concurso, cumpriu todas as demais condições, mas não tomou posse por incidência de uma cláusula inconstitucional, ipsis litteris: "I.5.g - Condições para posse [...] não registrar antecedentes político-sociais";

26. O disposto no item anterior evidencia ato ilícito perpetrado pelo Estado com motivação exclusivamente política, configurada nos antecedentes político-sociais do requerente, positivados em 224 dossiês do SNI/CGI/CSN que relatam suas atividades democráticas, sobejamente vigiadas, monitoradas e registradas durante uma década e meia pelos órgãos de controle da ditadura militar;

Figura 12 – A cláusula I.5.g do Edital do Concurso do Fisco Estadual de Goiás (1975) estabeleceu a condição para posse de não registrar antecedentes político-sociais

27. O Governador de Goiás Irapuan Costa Junior, no ofício dirigido ao Ministro da Justiça Armando Falcão, juntou artigos e matérias publicadas na grande imprensa sobre o concurso do Quadro do Fisco. A ficha de recorte do jornal O Popular, de 08/10/1975, constante da Inf. SNI n° 427/75, extraída do Memº MJ n° 377/75, registra o nome do requerente na relação nominal dos aprovados para fiscal arrecadador, verbis;

Figura 13 – A Inf. SNI nº 427, de 26/08/1975, p. 55, contém recorte do jornal O Popular, de 8/10/75, p. 5, com o nome do requerente na relação dos aprovados no concurso para fiscal arrecadador

28. Resta provado, de forma inconteste, que o Estado promoveu longa vigilância, monitoramento, detenções e prisões do autor, Osmar Pires Martins Junior [OPMJ] e inclusive de seus irmãos IPM, EPM e DPM, confrontou os dossiês do SNI e, indene de dúvidas, os antecedentes políticos do autor [OPMJ] configuram ato ilícito como motivo exclusivamente político para o impedimento da sua posse no cargo de Fiscal Arrecadador, conquistado no concurso realizado em set. 1975, com validade até nov. 1979, cujo resultado foi publicado no Diário Oficial e na grande imprensa, cf. exposto em linhas anteriores;

29. Verbi gratia, os antecedentes político-sociais certificados nos dossiês dos órgãos de vigilância e monitoramento da ditadura militar, explicitamente datados desde 08/10/1975 a 20/04/1989, das atividades de OPMJ e de seus irmãos IPM, EPM e DPM, consistentes em atividades em prol da reconstrução e criação da União Nacional dos Estudantes – UNE, União Estadual dos Estudantes de Goiás – UEE, Diretório Central dos Estudantes - DCE-UFG, Centros Acadêmicos – CAs de Biologia e Agronomia UFG, União Municipal dos Estudantes Secundaristas de Goiânia – UMES, União Brasileira dos Estudantes Secundaristas – UBES, da Corrente Sindical Classista – CSC e da Central Única dos Trabalhadores de Goiás – CUT; da união das oposições para derrotar o partido da ditadura nas eleições gerais de 1982; da mobilização pelo ensino público e gratuito, democratização das universidades, eleições diretas para Presidente da República, da convocação da Assembleia Nacional Constituinte; da defesa do meio ambiente, do desenvolvimento sustentável e da elaboração de capítulo próprio nas Constituições Federal e Estadual de Goiás;

30. Tais razões exclusivamente políticas delimitam os antecedentes político-sociais e configuram o ato ilícito praticado pelo Estado para não dar posse ao autor, OPMJ, tanto no impedimento para posse no cargo de Fiscal Arrecadador (nov. 1975-nov. 1979), equivalente ao de Auditor Fiscal da Secretaria de Estado da Economia de Goiás, assim como no impedimento para posse no cargo de Biólogo (fev. 1987) da Superintendência Estadual do Meio Ambiente da Secretaria de Estado de Saúde de Goiás – SEMAGO/SES, hoje Analista Ambiental da Secretaria Estadual do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável – SEMAD;

31. A Escritura Pública de Declaração (DOC. 2 já citado) registra importantes informações sobre a Assessoria de Informação e Segurança – ASI como órgão de gestão de informações para limpeza ideológica nas universidades, a serviço da ditadura militar. A historiadora e pesquisadora Caroline Nunes, da UFG, afirma que, dentre outras funções, a ASI era responsável pela vigilância do movimento estudantil e, na UFG, funcionou desde 1970 até 1986, de consequência, monitorou, no período 1976/1985, os passos do autor, enquanto estudante de biologia (ingresso pelo vestibular de janeiro/1976, classificado em 2º lugar) e de agronomia (ingresso pelo vestibular de janeiro/1978), monitor da disciplina Zoologia no ICB e, especialmente, as atividades de reconstrução da União Nacional dos Estudantes - UNE, da União Estadual dos Estudantes de Goiás – UEE GO, do Diretório Central dos Estudantes – DCE-UFG e dos Centros Acadêmicos de Biologia e de Agronomia;

Figura 14 – ASI-UFG monitorou o movimento estudantil de 1970 até 1986 e, de consequência, as atividades do requerente no período 1976/1985

32. Por sua vez, o sociólogo da UFG, Flávio Diniz, ao pesquisar os arquivos da ASI UFG constatou que eles foram em grande parte destruídos, restando apenas 18 documentos, pequenos e incompletos no Centro de Informação, Documentação e Arquivo – Cidarq/UFG.


Figura 15 - Os arquivos da ASI-UFG foram destruídos, restaram 18 documentos pequenos e incompletos

33. O autor requereu ao diretor do Cidarq, devidamente processada no Sistema Eletrônico de Informação – SEI da UFG sob o n° 4887080, que emitiu a Certidão, em 08.10.2024 (DOC. 4), atestando que na base de dados do Cidarq foi identificado o nome de Osmar Pires Martins Junior em atividades monitoradas pelo SNI, fornecidas pelo Arquivo Nacional, mas não foram encontrados no Cidarq os documentos da Assessoria de Informação e Segurança – ASI referentes às atividades do requerente, conhecidas em outros meios de registros da informação, de reconstrução da União Nacional dos Estudantes - UNE, do Diretório Central dos Estudantes – DCE-UFG e dos Centros Acadêmicos de Biologia e de Agronomia, durante o período em que o mesmo cursou as graduações de biologia (1976-1980) e de agronomia (1978-1985) na UFG;

Figura 16 - Extrato DOC. 4 (Certidão CIDARQ, de 08/10/2024)

34. Inobstante a insuficiência dos arquivos da ASI-UFG, a certidão da base de dados do SNI, disponível no sistema informatizado do Arquivo Nacional – SIAN, evidencia inconteste que o Estado detinha informações adjetivadas nos antecedentes políticos do requerente, sendo este o motivo do ato ilícito do agente estatal que o impediu de tomar posse, seja no cargo de Fiscal Arrecadador do Quadro do Fisco Estadual, em 1975-1979, seja no cargo de biólogo da Superintendência do Meio Ambiente da Secretaria Estadual de Saúde de Goiás, em 1987-1989;

35. Diante do exposto, resta esclarecer: o protocolamento na Comissão de Anistia da escritura pública de declaração e dos documentos extraídos do SIAN com a formulação de pedido adicional referente ao concurso do fisco, exerce o efeito de inovação na causa de pedir com o consequente efeito de nulidade do processo?

36. De acordo com a norma (art. 319, III, do CPC), a causa de pedir é um importante elemento da petição inicial que se refere aos fatos e fundamentos jurídicos que levaram o jurisdicionado a acionar o Poder Judiciário, ou seja, que levaram o autor a protocolar requerimento na Comissão de Anistia. O autor tem o ônus de indicar na petição inicial os fatos e os fundamentos jurídicos do pedido;

37. No mesmo sentido da norma, a doutrina afirma que o autor deve apresentar a causa de pedir consistente no motivo pelo qual está em juízo, nas razões fático-jurídicas que justificam o seu pedido (ARENHART, S. C.; MARINONI, L. G.; MITIDIERO, D. Código de processo civil comentado. 3. ed. São Paulo: RT, 2017);

38. Por sua vez, com base no princípio da congruência, a jurisprudência é firme no sentido de julgar procedente a ação quando restar demonstrada a necessária correlação entre o pedido/causa de pedir e o provimento judicial (arts. 141 e 492, do CPC), sob pena de nulidade por julgamento citra, extra e ultra petita;

39. Decorre do princípio da congruência a incidente hipótese CAUSA DE PEDIR REMANESCENTE, no caso concreto, que se funda em reparação do prejuízo causado ao requerente por ato ilícito do Estado com motivação exclusivamente política. Haveria aqui o efeito sistêmico e de repercussão geral da Tese 839/STF, in verbis:

Tema 839: a) Possibilidade de um ato administrativo, caso evidenciada a violação direta ao texto constitucional, ser anulado pela Administração Pública quando decorrido o prazo decadencial previsto na Lei nº 9.784/1999. b) Saber se portaria que disciplina tempo máximo de serviço de militar atende aos requisitos do art. 8º do ADCT.
Tese: No exercício do seu poder de autotutela, poderá a Administração Pública rever os atos de concessão de anistia a cabos da Aeronáutica com fundamento na Portaria nº 1.104/1964, quando se comprovar a ausência de ato com motivação exclusivamente política, assegurando-se ao anistiado, em procedimento administrativo, o devido processo legal e a não devolução das verbas já recebidas.
40. Em síntese, a norma constitucional e infraconstitucional, a doutrina e jurisprudência são uníssonas no sentido de que os anistiados políticos, no período compreendido entre as datas da promulgação da Constituição Federal de 1946, em 18 de setembro deste ano, e da promulgação da atual Constituição Federal, em 5 de outubro de 1988, em decorrência da responsabilidade civil do Estado, têm direito à reparação econômica, de dúplice caráter indenizatório, pelos danos morais e materiais causados por ato ilícito perpetrado pelo agente do Estado com motivação exclusivamente política. A reparação consiste em prestação única ou em prestação mensal, permanente e continuada, asseguradas a readmissão ou a promoção na inatividade. A declaração da condição de anistiado político, requerida ao Ministro de Estado competente, independe da situação econômico-financeira e profissional do requerente;

41. Em conformidade com a garantia de acesso ao Poder Judiciário (art. 5º, XXXV, da CF), ainda que não tenha requerido a declaração da condição de anistiado perante a Comissão de Anistia, a vítima da violência estatal pode requerer em juízo, a qualquer tempo (frise-se, não há prazo prescricional a ser considerado), sendo incontroverso que, no caso sub judice, o autor foi alvo, de 1975 a 1989, de perseguição política, vigilância, monitoramento, detenções, prisões e indiciamentos por agentes do regime miliar que vigorou no país de 1°/04/1964 a 5/10/1988, mas persistiu até mesmo depois da promulgação da Carta Cidadã;

42. É imprescritível a pretensão do autor à dupla reparação econômica indenizatória de ato ilícito perpetrado por agente estatal que o impediu de tomar posse nos cargos aprovados em dois concursos públicos: i) do Fiscal Arrecadador do Quadro Especial do Fisco (nov. 1975), atual Auditor Fiscal da Secretaria de Estado da Economia de Goiás e ii) de Biólogo da SEMAGO/SES (fev. 1987), atual Analista Ambiental da SEMAD. O ato ilícito de perseguição política foi praticado pelos agentes do Estado contra o autor durante uma década e meia (1975 a 1989), causando danos materiais, decorrentes do prejuízo patrimonial ou financeiro e danos morais, de aferição in re ipsa que dispensa comprovação específica, por violação aos direitos de personalidade do autor;

43. Insta observar que, embora a Lei da Anistia – Lei 10.559/2002 não exclua os direitos conferidos por outras normas legais ou constitucionais, vige a disposição específica do art. 16 desta Lei que veda a acumulação de quaisquer pagamentos ou benefícios ou indenização com o mesmo fundamento, facultando-se ao anistiado ou sucessores a opção mais favorável;

44. Inexiste vedação à acumulação da reparação econômica, prevista na Lei da Anistia, com a reparação por danos morais, uma vez que tais verbas tem fundamento e finalidade distintas – aquela visa à recomposição patrimonial (danos emergentes e lucros cessantes), e esta, à tutela da integridade moral, expressão dos direitos de personalidade;

45. O art. 6° da Lei 10.559/2002 assegura ao anistiado político o direito à percepção dos benefícios correspondentes à categoria de servidor público, se na ativa estivesse, com efeitos financeiros retroativos aos cinco anos precedentes à data do protocolo da petição ou requerimento inicial na Comissão de Anistia, no caso, em 22/03/2010;

46. O valor da prestação mensal, permanente e continuada será estabelecido conforme os elementos de prova oferecidos pelo requerente, correspondente ao da remuneração que o anistiado político receberia, obedecido o respectivo regime jurídico e, se necessário, considerando os seus paradigmas, consistentes na situação funcional de maior frequência constatada entre os pares ou colegas contemporâneos do anistiado que apresentavam o mesmo posicionamento no cargo, emprego ou posto quando do ato político praticado ilicitamente pelo agente estatal;

47. O paradigma para o cargo de Fiscal Arrecadador ingresso no concurso do Quadro do Fisco de nov. 1975 está evidenciado nos proventos de Fiscal Arrecadador e de Agente Arrecadador, enquadrados e unificados como Auditor Fiscal, cf. print extraído da folha de salários da Secretaria de Estado da Economia de Goiás, disponível do Site da Transparência do Estado de Goiás: <https://versalarios.com.br/go/mostra_unidade.php?id=44&p=179> (DOC. 5);

Figura 17 - Extrato do DOC. 5 (proventos paradigmas Quadro do Fisco 1975)

48. O paradigma para o cargo de Biólogo, ingresso no concurso de fev. 1987 da Superintendência Estadual de Meio Ambiente da Secretaria de Estado de Saúde de Goiás (SEMAGO), corresponde aos vencimentos ou proventos do Analista Ambiental da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Goiás – SEMAD, conforme print extraído da folha de salários de Analista Ambiental, disponível no Site da Transparência do Estado de Goiás <http://versalarios.com.br/go> (DOC. 6);

Figura 18 – Extrato do DOC. 6 (salários paradigmas do Biólogo da SEMAGO, hoje Analista Ambiental da SEMAD-GO)

49. A pretensão do caso em tela está atenta ao que a Lei da Anistia proíbe: i) a percepção cumulativa de reparação econômica em parcela única com a reparação em prestação continuada (art. 3°, § 1º, da Lei 10.559/2002) e ii) os pagamentos, benefícios ou indenizações com idêntico fundamento, facultando-se ao anistiado político ou seus sucessores, a escolha pela opção mais favorável (art. 16 da Lei 10.559/2002);

50. In caso, aguarda-se o julgamento do recurso administrativo, recebido como tempestivo em 20/05/2020, conforme protocolo SEI 08802.001673/2020-13, do requerimento protocolado na Comissão de Anistia sob o nº 2010.01667-02, em 22/03/2010, embasado nos arts. 10 e 12 da Lei da Anistia - 10.559/2002, que diz: "Fica criada, no âmbito do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, a Comissão de Anistia, com a finalidade de examinar os requerimentos referidos no art. 10 desta Lei e de assessorar o Ministro de Estado em suas decisões; caberá ao Ministro de Estado da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos decidir a respeito dos requerimentos baseados nesta Lei";

51. Assim, o presente processo se enquadra na prioridade de julgamento da Comissão de Anistia para emissão do competente parecer para a decisão do Ministro de Estado sobre pedido e causa de pedir formulado no requerimento de 22/03/2010, consubstanciado em fatos evidenciados e motivados no direito de anistia, estatuído na Lei n. 10.559/2002;

EM CONCLUSÃO

52. Tendo em vista o discorrido, o peticionamento na Comissão de Anistia de novo pedido referente ao concurso do fisco, dentro do período de validade do mesmo, entre nov. 1975 e nov. 1979, no contexto fático de perseguição política, verificada na vigência do concurso de biólogo de fev. 1987, nos quais o requerente logrou aprovação e, decorrente de ato ilícito intentado pelo agente estatal com motivação exclusivamente política, não foi empossado em nenhum destes cargos, evidenciado na documentação juntada no requerimento inicial de 23/03/2010, assim como nas provas novas, ora juntadas, a Escritura Pública de Declaração, os documentos extraídos da base de dados informatizados do SIAN e a Certidão Cidarq-UFG.

53. Ademais, pode o interessado requerer em juízo, a qualquer tempo, pois não há prazo prescricional a ser considerado, o direito de reparação econômica de dúplice caráter indenizatório – danos materiais e morais – por violação ao direito de personalidade em razão de ato ilícito perpetrado por agente estatal com motivação exclusivamente política, sobejamente evidenciado alhures.

54. Assim, com base no princípio da congruência, pode-se afirmar que o pedido formulado pelo autor relacionado ao concurso do fisco (nov. 1975-nov. 1979) encontra respaldo nos arts. 342, I e 397, II, do CPC como fato superveniente relacionado à demanda, circunstância que não configura inovação no processo n. 2010.01667-02, pendente de decisão, em trâmite desde a data do protocolo da petição inicial, em 22/03/2010, sendo CAUSA DE PEDIR REMANESCENTE em estreita pertinência e correlação com o requerimento inicial protocolado na Comissão de Anistia, nos termos do art. 8º do ADCT e da Lei n° 10.559/2002;

55. Assegurado o contraditório, pode o autor aditar o pedido na Comissão de Anistia, com estepe no art. 329, II, do CPC.

S.M.J., esta é a manifestação.

Goiânia, 08 de novembro de 2024.

Assinam: Osmar Martins Barros OAB/GO 11.593, Ismar Pires Martins OAB/GO 6.069, Eliomar Pires Martins OAB/GO 9.970 e Ivoneide Escher Martins OAB/GO 12.624

Sunday, November 10, 2024

A HISTÓRIA DA RESERVA DO PERSEU

Osmar Pires Martins Junior
Ex-secretário do Meio Ambiente de Goiânia


Em jan. 1993, o saudoso prefeito Darci Accorsi, ao lado de Osmar Pires e Anselmo Pereira, faz a leitura, in loco, do decreto de criação da "Reserva do Perseu", no Parque Anhanguera, em Goiânia.
Em abr. 1993, o saudoso prefeito Darci Accorsi, ao lado de Osmar Pires e Anselmo Pereira, faz a leitura, in loco, do decreto de criação da "Reserva do Perseu", no Parque Anhanguera, em Goiânia.


PERSEU MATIAS

Perseu Matias, saudoso ex-vereador da Capital e ex-tabelião da Comarca, implantou a primeira Reserva Particular do Patrimônio Natural – RPPN no Município de Goiânia, instituída por decreto do prefeito Darci Accorsi, com base em resolução do recém-criado COMMAm - Conselho Municipal do Meio Ambiente de Goiânia.

SEN. COUTINHO JORGE

O COMMAm foi empossado, em 16/04/1993, no plenário da Câmara Municipal pelo Exmo. Sr. Ministro do Meio Ambiente, o então Senador Fernando Coutinho Jorge, na presença de todos os edis, destacando-se o vereador Anselmo Pereira.

POLÍTICAS PÚBLICAS

O COMMAm foi uma das ferramentas de políticas públicas do Sistema Nacional do Ambiente - SISNAMA, instituídas em Goiânia, na gestão de Darci, por iniciativa do secretário do Meio Ambiente Osmar Pires Martins Junior (1° jan. 1993 a 1º jan. 1997).

FATOS E PERSONAGENS

Os fatos e os personagens da História supra merecem registro. O signatário estava no seu local de trabalho, o gabinete da SEMMA, nos idos do ano 1993. À época, dava-se inicio à primeira Administração Municipal de esquerda (PT - PSDB - PCdoB - PSB) na Capital do Cerrado.

A então chefe de gabinete da SEMMA, engenheira agrônoma Raquel França, anunciou, no início dos trabalhos de um daqueles dias do mês de janeiro de 1993, às 8h da manhã:

"Está aqui um senhor idoso com um assunto urgente, não agendou antes, por isso; ele pede socorro para preservar sua área verde".

Perseu descreveu para o secretário do Meio Ambiente de Goiânia a dramática situação vivida:

"Acordei hoje logo cedo com o barulho das máquinas do Dermu-Compav às portas da minha reserva particular, no Parque Anhanguera, com a ordem administrativa para violar a área verde, abrir as ruas, desmatar e destruir uma reserva tão arduamente construída por mim e minha família".   

Assim começou a epopeia para salvar a Reserva Ecológica Particular do Perseu que, inobstante tenha sido tombada como tal pelo IBAMA, através da Portaria nº 341, de 31/07/1984, teve sua existência ameaçada pela Prefeitura de Goiânia que, no final do ano de 1992, determinou a abertura de ruas e a delimitação de quadras retalhando a área verde, como se expõe a seguir. 

A DEMANDA

Diante da urgência do caso, o autor destas linhas, à época, como titular do órgão municipal do Meio Ambiente de Goiânia, cancelou todos os compromissos adiáveis e recebeu imediatamente o Sr. Perseu Matias, que apresentou os documentos sobre a demanda.

O Sr. Perseu Matias, nos anos 1950, loteou a sua fazenda de acordo com projeto e memorial elaborados por responsável técnico habilitado, de acordo com a Legislação Federal do Parcelamento Urbano e com o Plano Diretor da Cidade. O prefeito baixou o Decreto nº 03, de 01/01/1955, que criou o Parque Anhanguera.

O Sr. Perseu se instalou com sua família nos lotes das quadras 7, 6 e 17, em partes das quadras 4, 5 e 16, bem como nas chácaras 4, 5 e 7 margeando o córrego Cascavel, totalizando uma área de 50 mil metros quadrados no Parque Anhanguera, onde plantou milhares de espécies nativas, muitas frutíferas do cerrado e de outros biomas.

EFEITOS DO TEMPO

Com o tempo, formou-se uma Reserva Particular, ao mesmo tempo que, simultaneamente, seus filhos e filhas cresceram, se casaram e se instalaram em unidades habitacionais dentro da reserva.

No início dos anos 1990, sobreveio o divórcio litigioso de uma filha. O ex-marido, imbuído no litígio da separação, requereu ao Instituto de Planejamento - IPLAN, a abertura das ruas de acesso à sua pretendida unidade habitacional onde morou, dentro da reserva tombada pelo IBAMA. O processo foi instaurado e a decisão de aberturas da vias públicas de dentro da reserva foi tomado na administração Nion Albernaz, mas a execução desaguou na gestão seguinte, de Darci Accorsi.

DIREITO DE IR E VIR

Com suporte na interpretação absoluta do direito constitucionais de ir e vir, tanto o IPLAN como a Procuradoria Geral do Município de Goiânia na administração Nion Albernaz determinaram a abertura das vias públicas dentro da reserva, conforme requerida pelo genro de Perseu.

Os órgãos competentes decidiram abrir todas as vias do Parque Anhanguera que estavam abrangidas e cobertas pela reserva particular tombada pelo IBAMA em 1984, decretando, assim, o seu fim!

DIREITO AMBIENTAL

Com o pedido de Perseu dirigido à SEMMA e os documentos da causa em mãos, o subscritor solicitou e foi recebido, naqueles tempos, pelo Prefeito Darci, em audiência realizada em conjunto com o Procurador-Geral do Município, advogado Osvaldo de Alencar Rocha, para tratar do assunto em pauta.

A reunião produziu uma decisão consensual: no confronto entre o direito de ir e vir com o direito ao meio ambiente equilibrado, estatuído pela Constituição Federal de 1988, pela Constituição Estadual de Goiás de 1989 e pela Lei Orgânica do Município, decorrente do novo ordenamento constitucional, poderia prevalecer o direito ao meio ambiente se devidamente fundamentado e decidido por um órgão colegiado e deliberativo competente.

A SOLUÇÃO DA DEMANDA

O órgão competente para a solução da demanda em tela é o Conselho Municipal do Meio Ambiente – COMMAm, recém-instituído, como exposto acima.

Plantio de muda ipê-amarelo-da-mata Tabebuia alba (Cham.) Sandw. na Reserva do Perseu ou Mangueiras, abr. 1993 (em sentido horário): prefeito Darci Accorsi (paletó), promotor Sulivan Silvestre (óculos), secretário Osmar Pires (camisa azul), vereador Anselmo Pereira e Perseu Matias (agachado)

Dessa maneira, a demanda foi adequadamente solucionada, com a abertura do processo no COMMAm de emissão de estudo e parecer, sob a relatoria do promotor de justiça Sulivan Silvestre Oliveira, que deliberou pela instituição da primeira Reserva Particular do Patrimônio Natural – RPPN, ao final, efetivada no Município de Goiânia por decreto do prefeito Darci Accorsi. 

A resolução do COMMAm e o subsequente decreto municipal representaram a consolidação da Reserva Particular Mangueiras ou Reserva do Perseu, a primeira RPPN legalmente constituída na cidade de Goiânia.

Goiânia, novembro de 2024

Saturday, July 06, 2024

Operação Propina Verde

UM CASO EMBLEMÁTICO DE INVESTIGAÇÃO CONTRA A CORRUPÇÃO QUE DESTRUIU DIREITOS HUMANOS E PRESERVOU AGENTES POLÍTICOS DE LIBIDINOSA REPUTAÇÃO NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA EM GOIÁS

Osmar Pires Martins Junior[1]

O MP GO alardeou que a Operação Propina Verde apurou suposto rombo de 1 bilhão, após 1 ano e meio de investigação realizada por 10 promotores de justiça, 20 servidores da área de inteligência, 20 delegados de polícia e centenas de policiais civis e militares, que prendeu 10 servidores técnicos ambientais, mas nenhum agente político da SEMARH (detalhe: então dirigida pelo ilibado deputado federal Jovair Arantes).

A respeito, a referida operação do MP-GO está publicada na p. 87 do livro: BRASIL. Conselho Nacional de Procuradores-Gerais (CNPG). Investigações exitosas realizadas pelos Ministérios Públicos brasileiros. Natal: MP-RN, 2013. 420 p. Disponível em: <https://search.app/CL5wsz6bzmXKbdL88>.

Dentre os 10 servidores presos na malfadada Operação Propina Verde, destaco os técnicos ambientais que eu conheço desde a década de 90 e trabalhei com eles quando fui presidente da Agência Ambiental de Goiás (2003/06): José Rodrigues da Silveira, Paulo Roberto Linhares, Alejandro Alvarado Peccinini, Walquíria das Graças Caldeira e Silva, Antônio Borba Munin, Bernadete Gomes e Lauriano, Eustáquio Ferreira dos Santos e Greide Ribeiro Júnior.

Os servidores alvo da operação foram vitimados por prisões cautelares, sem sequer saber do que eram acusados; exonerados dos seus cargos públicos; e privados da sua liberdade. Alguns, arrancados de suas casas na alta madrugada quando ainda dormiam, como o engenheiro agrônomo José Rodrigues da Silveira. Outros foram presos dentro da repartição pública, nos seus ambientes de trabalho, sob os holofotes da grande mídia escrita, falada e televisada. Algemados, jogados num camburão da polícia, trancafiados numa cela da cadeia pública. Durante tenebrosos dias de tortura física e psicológica, foram mantidos incomunicáveis na tentativa de arrancar-lhes confissões em depoimentos colhidos sem advogados.

O fiscal ambiental Antônio Borba Munin foi preso por suspeita de corrupção, acusado de intermediar negociatas com fazendeiros do Nordeste Goiano para o desmatamento ilegal do cerrado. A prova juntada na Operação Propina Verde era baseada em escutas telefônicas dos números da Agência Ambiental. Na peça acusatória do MP-GO os promotores e delegados sustentam que Antônio Borba Munin usava ‘‘sofisticado sistema de comunicação baseado em códigos’’. Segundo os competentes acusadores, ‘‘quando o fiscal pretendia entregar a autorização fraudulenta e receber a propina acertada, ele dizia: prepara o bode’’. Para a elevada inteligência investigativa do MP-GO, ‘‘bode’’ era propina. 

No decorrer do processo judicial, quando o acusado pode se defender a duras penas e juntar provas da sua inocência, Antônio Borba Munin provou que o ‘’fazendeiro do nordeste goiano era simplesmente seu pai, um sertanejo do agreste goiano, de origem e raízes fincadas nas tradições regionais. Que, quando o fiscal tinha viagens de fiscalização que realiza há décadas pela região, ele ligava para o pai e dizia: prepara o bode’’. Provou que na sua conta-salário só entrava o vencimento modesto de servidor estadual; que os seus atos de fiscalização estavam em conformidade com a lei de licenciamento.

Alejandro Alvarado Peccinini era doutor em Ciências Ambientais pelo Ciamb/UFG. Foi apresentado na Operação Propina Verde como cereja do bolo, pois era o que ocupava posição de GERENTE DE BIODIVERSIDADE. Ele foi responsável pela implantação do Laboratório de Geoprocessamento da Agência Ambiental, promovendo a gestão ambiental em Goiás no Brasil e no Mundo, de identificação de áreas prioritárias de preservação do bioma cerrado. Uma ferramenta que permitiu desenvolver os mecanismos de crédito de sustentabilidade, apresentadas pelo Brasil na COP de Paris que aprovou o sucedâneo do Protocolo de Quioto no Controle das Mudanças Climáticas Globais. Alejandro Alvarado Peccinini aparece em segundo plano na imagem da reportagem do jornal Diário da Manhã. Olhos abertos - Goiás tem tecnologia de ponta para monitorar meio ambiente. Goiânia, 17 nov. 2004, p. 2 (v. infra).

O trabalho competente de Alvarado Peccinini na Agência Ambiental levou o MP-GO a convidá-lo para implantar o Laboratório de Geoprocessamento no MP, pois, graças à persecução contra o presidente da Agência de "ilegalidade" na assinatura dos TACs, os acordos passaram a ser controlados e assinados pelos promotores, surgindo possibilidades de negociação entre eles e os infratores autuados pela Agência. Depois de cumprir sua missão, implantado o laboratório, uma determinada promotora de justiça determinou que Alejando assinasse um laudo atestando a conformidade de uma reserva legal extra propriedade numa região fronteiriça com a Bahia. Ele não assinou de imediato, jogou as coordenadas no sistema georreferenciado e constatou que a reserva não se localizava em Goiás, negando-se a assinar. A promotora disse que não lhe cabia decidir. Ele, então, pediu exoneração do cargo comissionado no MP-GO e voltou para o seu órgão de origem, Foi preso na Propina Verde, algemado dentro da Agência, exposto como troféu, com nome, imagem e honra jogados na lata do lixo.

O engenheiro agrônomo José Rodrigues da Silveira, outro técnico ambiental preso na Operação Propina Verde, atuou no Departamento de Parques e Jardins da COMURG com o engenheiro agrônomo Robinho, ambos formados pela UFG, saudoso militante histórico do PT, morto por uma bala perdida em Goiânia quando se reunia com os amigos, em pleno Setor Bueno, nos idos de 1994. Com a morte de Robinho, José Rodrigues assumiu a Chefia do Departamento e, depois, foi nomeado presidente da COMURG, com a saída do então presidente para concorrer ao cargo de deputado federal. Tratava-se de ninguém menos que Jovair Arantes (à época, do PSDB), que era vice-prefeito na coligação eleita, liderada pelo prefeito Darci Accorsi (PT).

Vamos lembrar: até hoje, todos os gestores que presidem a COMURG saem de lá, ou ricos ou eleitos para cargos no parlamento estadual ou federal. E como saiu José Rodrigues da Silveira, encerrada a gestão de Presidente da COMURG? Deu sequência à sua carreira de engenheiro agrônomo, quando, em janeiro de 2003, eu o convidei para a Agência Ambiental de Goiás com a missão de implantar unidades estaduais de conservação e promover o reflorestamento do cerrado. Em virtude do seu trabalho dedicado e produtivo, ele permaneceu por longos anos na Agência, até ser preso na Operação Propina Verde, em dez. 2010, quando dormia, de madrugada, em casa, ao lado da esposa Maria. O meu telefone celular tocou, as seis horas da manhã de um certo dia daquele mês e ano. Eu olhei o visor "Maria, esposa do Zé Rodrigues", atendi. Ela, aflita, descreveu, ipsis litteris:

[...] o Zé acabou de ser preso; entraram aqui em casa, de madrugada, arrobaram a porta de entrada da casa, do nosso quarto, nos tiraram da cama, de pijama e camisola. Meteram a algema no Zé. Na cabeceira, R$ 30 reais para a compra da padaria do nosso café da manhã. 'Tem comprovação da origem deste dinheiro', perguntaram. Não. 'Então apreende, ponha nesse envelope. É prova da corrupção'. Arrancaram o computador, levaram os documentos da sala do escritório do Zé. Eu não sei onde está. O que fazer? [...]

O caso do fiscal ambiental Paulo Roberto Linhares, formado em Geografia pelo IGQ/IESA - UFG, é emblemático. Também preso pelas mesmas razões infundadas que os demais, ficou sem comunicar com sua filha, uma jovem de apenas 12 anos, que ele criava. Ela ficou sozinha. Não sabia do pai. Passou fome, desespero. Começou a se prostituir para sobreviver. O pai, ao tomar conhecimento da situação da filha, entrou em desespero. Tentou o suicídio. Foi internado no Pronto Socorro Psiquiátrico Professor Wassily Chuck, onde permanecia, até a última informação que tive dele, preso à cama com os braços imobilizados para impedir novas tentativas de suicídio.

É preciso perquirir: tais operações alcançam os objetivos que anunciam? Se alcançam, porque os seus resultados, supostamente, positivos, não são apresentados? Se não alcançam, porque os seus resultados negativos são escondidos da população? (como aqueles que estou narrando acima).

De uma questão não me parece restar dúvidas: a forma de atuação do MP não condiz com o desiderato constitucional de tutor da sociedade. Aliás, a filha de 12 anos do Paulo Roberto Linhares careceria sem dúvida de tutores, já que o pai foi preso sem chance de defesa... Tais questões estão à mercê de pesquisas sérias que apontem caminhos para o fortalecimento dos direitos humanos.

É absolutamente desumano que um órgão estatal possa desferir acusações com ampla publicidade, cautelarmente prender e exonerar o acusado, afastando-o do trabalho, instaurar processo que exige gastos de energia, de tempo e de dinheiro com advogado e custas, durante décadas a fio, submetendo os acusados a uma variação inusitada de prisão perpétua. Basta uma consulta ao site do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJ-GO) para se constatar uma morosidade reveladora da natureza perversa de tais operações, maculadas por condutas persecutórias alheias aos princípios basilares do Estado de Direito:

Número 0385833-11.2012.8.09.0051. Área Cível. Dados do Processo.
Polo Ativo | Autor: Ministério Público do Estado de Goiás.
Polo Passivo | Réus: Agnaldo Lopes; Alaides de Carvalho Pinto; Antônio Borba Munin; Bernadete Gomes e Laureano; Eustaquio Ferreira dos Santos; Greide Ribeiro Junior (sucedido pela esposa Celma Adriana de Assis); Gentil Moreira Carnauba; José Rodrigues da Silveira; Kleuber de Oliveira Sousa; Paulo Roberto Linhares e Henrique Cesar Barros Santana. Disponível em: <https://projudi.tjgo.jus.br/BuscaProcesso>

Curiosamente, Alejandro Alvarado Peccinini não está arrolado na acusação ajuizada na 3ª Vara da Fazenda Pública Estadual pelo MP-GO (v. supra). Por que ele foi excluído, se nas peças publicitárias do espetáculo penal montado pelo MP-GO ele era a estrela principal? Seria porque ele dispunha dos documentos provando que ele "desobedeceu" a promotora de justiça do MP-GO que lhe ordenou assinar laudo de reserva legal extra propriedade em outro estado, na divisa com Goiás?

Carece investigar se, a título de combater a corrupção, as “investigações exitosas realizadas pelos Ministérios Públicos brasileiros, divulgadas pelo Conselho Nacional de Procuradores-Gerais (CNPG), no livro acima citado, reproduzem o mesmo fenômeno de fragilização dos direitos humanos operado na Propina Verde pelo MP-GO.

Tais apontamentos foram enviados para a Professora Helena Esser dos Reis, pesquisadora do Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Direitos Humanos (PPGIDH-UFG) e também para o Advogado Camilo Rodovalho, coordenador da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD-GO), com a seguinte manifestação, verbis:

Histórias terríveis, Osmar. De fato, é preciso pensar o problema do Lawfare a fim de combater qualquer uma de suas múltiplas possibilidades de manifestação. (Profª Drª Helena Esser dos Reis – PPGIDH/UFG, em 30 de jun. 2024) 

Qual o objetivo da perseguição aos servidores e técnicos ambientais em Goiás?

       Na obra intitulada “Goiânia usurpada: a práxis da propriedade aparente contra a grilagem urbana” (e-Book), publicada pela editora Kelps, eu esclareço que a feroz perseguição desferida pelo Ministério Público de Goiás contra os técnicos e servidores ambientais de Goiás teve o condão de desmoralizar os órgãos ambientais do poder executivo, inclusive levar à extinção a Agência Goiana do Meio Ambiente com o objetivo estratégico de promover a sua extinção, alcançado em 2010, quando a Autarquia Ambiental teve as suas funções incorporadas à Secretaria Estadual do Meio Ambiente e dos Recursos Hídricos, atual Secretaria Estadual do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Goiás (SEMAD).

A extinção da Agência Ambiental de Goiás facilitou a monopolização, para os órgãos interessados do Parquet, do manejo dos acordos de conversão de multas. Este instrumento de política ambiental, previsto na Lei dos Crimes Ambientais e na Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, é competência dos órgãos do Sistema Nacional do Meio Ambiente. A Agência Ambiental de Goiás, ao lado dos órgãos ambientais dos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, era o mais antigo do país - batizado na década de 1970 como Semago, depois Femago e, quando extinta, Agência Ambiental.

Praticando ativismo judicial e ingerência administrativa, os representantes do MP-GO lograram no Tribunal de Justiça de Goiás a declaração de inconstitucionalidade da Lei n° 14.498, de 21 de dezembro de 2005 – aprovada por unanimidade pela Assembleia Legislativa do Estado de Goiás.

E, mais ainda, os destemidos e corajosos agentes estatais persecutores do MP-GO desencadearam feroz persecução, não contra os agentes que poluem, desmatam e degradam a natureza, mas contra as pessoas do então presidente e dos técnicos do órgão do Meio Ambiente que promoveram a recuperação do ativo ambiental, por meio da aplicação da ferramenta de conversão de multas. O calote ambiental em Goiás, desde 1987 até 2002, era de 99,97%. No triênio 2003-2006, a inadimplência caiu para 70%.

A recuperação do ativo ambiental em Goiás, colocada em prática pela autarquia ambiental, foi interrompido devido à forte ingerência judicial em assuntos de competência administrativa da alçado do poder executivo. Isso ficou claro com a decisão do Tribunal de Justiça de Goiás favorável ao pedido do MP-GO que declarou inconstitucional a Lei n° 14.498/2005 e, assim, impediu a cobrança administrativa, a inscrição em dívida ativa e a execução judicial das multas ambientais lavradas pelo próprio órgão do Estado de Goiás.

Nada há de inconstitucional numa lei que confere ao órgão competente do Estado de Goiás o instrumental previsto no Sistema Nacional do Meio Ambiente para fiscalizar o meio ambiente, lavrar as penalidades contra o poluidor das águas, do solo e do ar ou contra aquele que desmata ilegalmente. A cobrança dos valores pecuniários das multas aplicadas e a recuperação deste ativo por meio da composição administrativa entre o órgão do poder executivo e o infrator da lei ambiental são instrumentos de política ambiental legalmente instituídas no ordenamento nacional.

Dessa maneira, a absurda declaração de inconstitucionalidade da Lei Estadual de Goiás n° 14.498/2005 configura gritante ingerência do sistema de justiça sobre o Pacto Federativo Ambiental (art. 225 da Constituição Federal), desvirtuando sagrado dispositivo, segundo o qual, todos têm direito ao meio ambiente sustentável, incumbindo ao poder público e à sociedade o dever de preservá-lo às atuais e futuras gerações.

A ostentação de poder do Parquet como “sinônimo da conciliação”

O ativismo judicial e a ingerência do sistema de justiça configuram em Goiás o uso estratégico do direito contra alvos previamente selecionados – o inimigo – para o alcance de finalidades políticas, geopolíticas ou econômicas alheias à noção de justiça. Neste artigo, são trazidos à baila todos os elementos constitutivos desse fenômeno – o lawfare – na sua complexa dimensão estratégica, permitindo compreender a seletividade persecutória na escolha do inimigo, os servidores e técnicos ambientais do órgão do meio ambiente do estado de Goiás, cuja epítome se apresenta em sequência:

i) O ajuizamento de inúmeras ações de improbidade administrativa, do pedido judicial de decretação de prisão cautelar do presidente da Agência Ambiental que, mesmo em segredo de justiça e denegado pelo Tribunal de Justiça, foi divulgado na grande mídia pelos autores do pedido (3 delegados e 3 promotores) e a declaração de inconstitucionalidade da Lei estadual nº 14.498/2005 que impediu a instituição da Dívida Ativa na Autarquia Ambiental de Goiás.

ii)  A deflagração da ostensiva Operação Propina Verde, pelo MP-GO, “de combate à maior corrupção da história de Goiás” com a prisão cautelar de 10 técnicos e servidores da Agência Ambiental, em dezembro de 2010.

iii) Em corolário à desmoralização institucional causadas pelas denúncias de corrupção, prisões e publicidade negativa, a Agência Goiana do Meio Ambiente foi extinta, em 2010, e suas funções foram incorporadas à SEMAD, que, por ser da administração direta, não possui agilidade para a execução fiscalizatória.

As ações supra descritas foram conectadas para alcançar um objetivo estratégico. O “mar de lama da corrupção’’ desmoralizou a autarquia, impediu a instituição da Dívida Ativa Ambiental, impediu o seu fortalecimento institucional com procuradoria e auditoria ambiental, cobrança e ajuizamento dos débitos ambientais. A persecução do Parquet fomentou a extinção de uma das mais antigas autarquias ambientais do país, criada na década de 1970, no contexto das Conferências de Desenvolvimento Sustentável da ONU.

Frise-se: denúncias de corrupção, persecução judicial e prisões ocorreram por ingerência do sistema de justiça. Exemplo solar disso: a declaração de inconstitucionalidade da Lei 14.498/2005, o enfraquecimento administrativo, institucional e moral de uma instituição do poder executivo ambiental. Tudo isso criou condições para promover a extinção da autarquia; permitiu o alcance de um objetivo estratégico adredemente planejado pelo Parquet.

Qual seja, viabilizou o monopólio nas mãos dos representantes do MP-GO dos instrumentos de negociação e ajuste dos valores das multas lavradas pelos órgãos competentes do poder executivo de controle da qualidade do meio ambiente e do uso do solo, sobretudo estadual, mas também municipal de Goiânia, e dos demais municípios do estado, a favor do próprio MP, segundo políticas estabelecidas por promotores e procuradores de justiça.

Qual o custo dessa ingerência do sistema de justiça na vida do cidadão?  As vítimas visíveis mais frágeis são os invisibilizados servidores públicos presos na operação policial. São as pessoas dos técnicos ambientais da Agência Goiana do Meio Ambiente. São centenas deles, considerando suas famílias, que tiveram suas vidas abaladas, suas carreiras interrompidas

A segunda vítima evidente da ingerência é o órgão ambiental que foi extinto em decorrência do uso estratégico do sistema de justiça – uma Autarquia importante na história do meio ambiente, com experiência acumulada no controle da qualidade do meio ambiente do bioma cerrado.

A terceira vítima do uso estratégico do poder judiciário para fins alheios à justiça foi o erário, pois, a Agência Ambiental, impedida de promover a cobrança das multas ambiental por ele aplicada contra os infratores do meio ambiente, deixou de recuperar ativos públicos. De maneira perversa, o sistema de justiça perseguiu e prendeu não os infratores, mas os servidores que lavraram os autos de infração contra poluidores e degradadores. Em corolário, agravando o quadro de inversão de valores, a autarquia ambiental foi extinta, tornando o Estado ainda mais inoperante.

A ingerência do sistema de justiça sobre a política pública de meio ambiente em Goiás resultou na manutenção da iniquidade de um status quo absurdo, baseado no calote ambiental estratosférico praticado em terra goyazes! De cada 100 reais de multa, míseros 3 centavos são arrecadados. Isso ocorre por que a Dívida Ambiental em Goiás é cobrada pela Dívida Tributária da Secretaria Estadual da Fazenda - SEFAZ, que não se interessa por ela e deixa os papeis caducarem. Os autos de infração lavrados pelo órgão do meio ambiente permanecem inativos nos escaninhos da SEFAZ. Passados 5 anos, perdem sua validade, viram papéis podres. O infratores permanecem livres para poluir, desmatar e degradar o meio ambiente, as águas e o cerrado. Com os beneplácitos do sistema de justiça!

Nesse ambiente de conspurcação, os promotores de justiça do MP-GO “fazem a festa”, onde bailam a ingerência, a intromissão, o desvio e o abuso de poder. A matéria de propaganda da promotora Marta Moriya é bastante elucidativa (in: O HOJE. Promotora é sinônimo de conciliação e cobrança em Senador Canedo, em 8 fev. 2024). A promotora citada, ao lado de Juliano Araújo e Ricardo Rangel, foram os principais representantes do MP-GO que deflagram as ações estratégicas de monopolização dos TACs no estado de Goiás.

Na matéria supra, publicada por jornal de uma das cidades mais importantes do estado, Senador Canedo, que integra a Região Metropolitana de Goiânia, a promotora é apresentada como ‘‘sinônimo de conciliação’’, ou seja, sinônimo de TAC, que é um instrumento de ajuste administrativo de competência do poder executivo. Veja.

Quem lavra infração referente ao uso do solo e ao meio ambiente local é o órgão municipal, mas, segundo a matéria, nada escapa à ação onipresente da promotoria de justiça, emitindo alertas nas áreas de segurança pública, meio ambiente e uso do solo, firmando TACs e até punições que afetam o bolso. Diz a promotoria na matéria que, na verdade, tem “mais interesse no prejuízo ambiental causado por empreendimento clandestino que dificilmente a promotoria consegue resolver”. Explicitamente, a solução proposta resulta em “ajuizar ações’’. Dessa maneira, o TAC como instrumento de conciliação administrativa não alcança o objetivo de evitar a judicialização e, ao contrário, contribui para entulhar o Poder Judiciário.

Em conclusão: a monopolização dos TACs pela promotoria de justiça em Goiás não pacifica a sociedade, intensifica o conflito entre as partes envolvidas, agrava os problemas ambientais, aumenta o rombo do erário e fragiliza ainda mais os direitos humanos, como visto alhures.  

A identificação do problema e sua solução  

O problema aqui abordado se relaciona ao desenvolvimento sustentável por meio de instrumentos de políticas públicas a serem adotadas nas esferas de competência da União, dos Estados e dos Municípios. É preciso delimitar que se trata da esfera administrativa e não jurídica. Os conflitos a serem enfrentados por ferramentas que se enquadram sob duas concepções complementares e articuladas entre si: a concepção de comando-e-controle e a concepção de gestão sustentável.

O comando-e-controle concebe mecanismos de fiscalização, monitoramento, tributação, penalização, embargos, interdição, licenciamento, autorização e demais ferramentas de adequação das atividades socioeconômicas ao padrão legal estabelecido.

A gestão sustentável, por sua vez, tem no comando-e-controle o ponto de partida para o desenvolvimento baseado em estímulos e compensações auferidos pelos benefícios e serviços ambientais proporcionados pelas atividades sustentáveis. Nessa concepção, a urbanização da zona rural de uma região metropolitana converte as áreas legalmente protegidas de reserva legal, áreas de preservação permanente e remanescentes florestais nativos em unidades de conservação com monetização dos benefícios em prol da comunidade e a correspondente retribuição econômica dos agentes produtores do espaço metropolitano.  

A Agência Ambiental desenvolveu as ferramentas relacionadas nas concepções de comando-e-controle e de gestão sustentável na tentativa de solucionar os problemas do desenvolvimento em Goiás (In: Diário da Manhã. Atlas sobre o Cerrado - estudos discute novas possibilidades de desenvolvimento sustentável na região. Goiânia, 28 abr. 2005, Cidades, p. 2a).


Exemplos de aplicação das concepções na solução do problema discutido

Um exemplo digno de nota de aplicação do comando-e-controle foi o combate ao mercado clandestino, realizado à luz do dia, do carvão nativo do cerrado, destinado a abastecer as siderúrgicas mineiras. A Lei Florestal do Estado de Goiás estabelece destinação socioeconômica – madeira, carvão, celulose, movelaria, poste, marcenaria, indústria civil etc. – ao produto florestal oriundo do desmatamento legalmente autorizado pela Agência Ambiental. Mas a Lei Florestal proíbe que o carvão extraído do produto florestal nativo seja destinado ao grande e médio consumidor, que terão que produzir o próprio produto florestal para o seu consumo.

O problema do carvão nativo do cerrado

Quer dizer, toda a cadeia da indústria siderúrgica fica obrigada a promover o reflorestamento florestal de árvores energéticas com a finalidade de manejo florestal, corte, carvoaria, transporte e consumo da mercadoria (o carvão).

Nesse sentido, a Lei Florestal de Goiás estabeleceu um prazo de 10 anos para o setor econômico promover a adaptação, com a implantação de um sistema florestal próprio capaz de abastecer em 1/10 da sua própria demanda anual. Dessa maneira, no ano de 2003, não haveria, em Goiás, nenhum estéril ou metro cúbico linear de carvão vegetal nativo para abastecer o médio e grande mercado. Não haveria carga deste produto sendo transportado em carretas pelas estradas do nordeste goiano em direção à Unaí-MG, que é o grande entroncamento rodoviário de abastecimento siderúrgico mineiro.  

Quando eu assumi a presidência da Agência Ambiental, em janeiro de 2003, a Lei Florestal de Goiás estava sendo violentada às escâncaras de todos todas as autoridades do poder público – Judicial Legislativo e Executivo, bem como, de todos os cidadãos, suas entidades e da imprensa pequena, média e grande.

Na primeira reunião da Diretoria-Executiva da Autarquia Ambiental de Goiás, eu apresentei a proposta de aplicação dos mecanismos de comando-e-controle e de gestão ambiental para a solução do problema do carvão nativo do cerrado. Para isso, era preciso diagnosticar a realidade então existente. O fazendeiro, dono de propriedade com cobertura vegetal nativa, interessado em desmatar para a produção agropecuária, pedia à Agência Ambiental a autorização do desmate. O órgão ambiental procedia a fiscalização para verificar o cumprimento da lei ambiental – reserva legal, APP, cadastro rural, geoprocessamento da propriedade, topografia, tipologia da vegetação, delimitação da área de desmate e estimativa da quantidade de produto florestal gerado, em estéreis ou em metros cúbicos lineares, estabelecendo a destinação socioeconômica de acordo a Lei Florestal de Goiás.

Feito isso, estando conforme a lei, a Agência Ambiental expedia a autorização de desmatamento, com as coordenadas delimitando o local, a propriedade, o proprietário e o município. Toda autorização de desmatamento era acompanhada do selo florestal correspondente à quantidade em estéreis ou metros cúbicos lineares de carvão ou de outro produto florestal gerado no caso concreto. O selo, como o próprio nome indica, acompanha a autorização e era colado na nota fiscal de transporte da mercadoria – o carvão – emitido pela Agenfa do Município onde se localiza a propriedade rural onde foi realizado o desmatamento.

Como se pode facilmente suspeitar, esse sistema de controle possui fragilidade evidente: o selo emitido para uma determinada autorização de desmatamento era repetidamente utilizado para o transporte de inúmeras cargas de transporte da mercadoria.

Para constatar o tamanho do estrago, o presidente da autarquia aprovou, na referida reunião da Diretoria-Executiva da Agência Ambiental, em janeiro de 2003, a realização de auditoria nas contas florestais dos médios e grandes consumidores de produto florestal cadastrados na Agência.

A auditoria foi feita e o resultado não poderia ser outro: 100% das Siderúrgicas Mineiras cadastradas consumiam produto florestal de origem nativa. Restou provado o contrabando do carvão nativo de Goiás para as siderúrgicas mineiras. Os caminhões carregados de uma carga clandestina formavam filas nas rodovias do nordeste goiano rumo a Minas Gerais. Os postos de fiscalização tributária nas fronteiras GO – MG eram incapazes de constatar a fraude e impedir a evasão fiscal.

A solução do problema

Na condição de titular da Agência Ambiental, determinei a instauração do competente processo administrativo contendo diagnóstico, realizado por meio de competente auditoria e o prognóstico, discutido em workshopp com os stakeholders da cadeia produtiva florestal, de uma nova política florestal baseada na integração dos bancos de dados ambientais e tributários, por meio de parceria proposta entre a Secretaria da Fazenda e a Agência Ambiental. Com o processo debaixo do braço, eu solicitei audiência ao governador Marconi Perillo, apresentei o problema e a solução , com o pedido de pequena reformulação administrativa do órgão, mediante criação do Departamento da Dívida Ativa e da Gerência de Recuperação do Ativo Ambiental. Para ocupar esta gerência, o governador solicitou ao secretário da Fazenda a disponibilização do engenheiro agrônomo, advogado e auditor fiscal José Ferreira de Souza, com 10 anos de experiência no Conselho Administrativo Tributário. O Auditor Fiscal José Ferreira assumiu a Gerência de Recuperação do Ativo Ambiental, desenvolveu e implantatou o sistema digitalizado do novo selo florestal (In: O Popular. Notificação da Agência Ambiental. Goiânia, 4 jan. 2005, capa).


        Os dados ambientais e tributários da Agência e da SEFAZ foram georreferenciados e integrados, gerando o Selo Florestal Digital. A articulação dos dados fazendários e florestais num só sistema de código de barras, contendo informações sobre a origem, o transporte e destino da carga, representou uma revolução no setor, pois, chegando o caminhão no Posto Fiscal, bastava o número da placa do veículo para visualizar todas as informações necessárias ao controle fiscalizatório. O caminhão com carga ilegal – carvão nativo destinado a siderurgia – era rapidamente identificado, a multa era lavrada contra o infrator, a carga e o caminhão apreendidos (In: O Popular. Carvoeiro pára de circular para fugir da fiscalização. Goiânia, 20 jan. 2005, Cidades, p. 5).

O problema do consumo de carvão nativo oriundo do cerrado goiano foi exitosa-mente solucionado, mediante aplicação das ferramentas adequadas: o comando-e-controle viabilizou a integração fiscal ambiental e tributária e permitiu eliminar o comércio clandestino do carvão nativo (In: O Popular. Fiscais montam cerco a carvoarias. Goiânia, 16 dez. 2004, Capa).

Por sua vez, desenvolveu-se o mecanismo de gestão florestal sustentável que, baseado na auditoria e diagnóstico dos dados de consumo dos produtos florestais, demonstrou que as siderúrgicas mineiras detinham um passivo florestal de consumo do carvão nativo equivalente à área de 60 mil hectares do bioma cerrado.

Evidenciado o passivo ambiental do consumidor de produto florestal para com o cerrado goiano, a Agência Ambiental desenvolveu o mecanismo de negociação e ajuste de conduta junto ao devedor desse passivo, representado pelo Sindicato do Ferro do Estado de Minas Gerais. Chegou ao esboço de um TAC de recuperação do passivo a ser convertido na preservação de uma área equivalente ao passivo para implantação do Parque do Pantanal Goiano, no Vão do Paranã em Goiás, conforme levantamento do Projeto de Áreas Prioritárias para a Preservação do Bioma Cerrado/Convênio Banco Mundial (In: O Popular. Indicadas áreas para preservação. Goiânia, 14 nov. 2004. Cidades, p.4).


Conquistas interrompidas

A Agência Ambiental desenvolveu as ferramentas de comando-e-controle e de gestão florestal e buscou parceria com o MP-GO para a consolidação de resultados per-manentes (In: O Popular. Cerrado - Reunião debate ações para conter desmatamento. Goiânia, 5 jan. 2005, Cidades, p. 3).

No entanto, as ações implementadas pela Agência Ambiental, tanto na solução do problema do carvão nativo como de outros problemas ambientais em Goiás, foram interrompidas e, em grande parte, retrocedidas ou anuladas, em decorrência da atuação desleal do MP-GO que fomentou a ingerência do sistema de justiça de Goiás em assun-tos administrativos da alçada do poder estadual. O MP-GO ajuizou ação civil pública contra as Siderúrgicas Mineiras, excluiu a Agência Ambiental e avocou para si o controle do manejo do TAC. De maneira antiética e desleal, a exclusão da Autarquia Ambiental serviu ao propósito de se apropriar e administrar os dados da auditoria, relativos ao con-sumo de produtos florestais em Goiás (In: O Popular. Protocolada ação contra siderúr-gicas. Goiânia, 28 out. 2004, Cidades, p. 7).

A intromissão do Parquet em assunto da competência do órgão ambiental do poder executivo do estado de Goiás resultou no fracasso da recuperação do ativo florestal, pois o Parque do Pantanal Goiano figurou apenas nas matérias de autopromoção dos repre-sentantes do Parquet, como se mostra na matéria infra, na qual o trabalho desenvolvido pela Agência Goiana do Meio Ambiente é apropriado como "conquista inédita do MP". A realidade desmente o anunciado. Não existe o tal parque (In: Dário da Manhã. Con-quista inédita do MP. Goiânia, 5 jun. 2009, capa).

         
       

Como se constata na matéria acima, mais uma vez, a exemplo da pretensa recuperação de valores estratosféricos anunciados pelo MP-GO na Operação Propina Verde, o uso estratégico dos meios de comunicação por parte do órgão do sistema de justiça constitui elemento essencial às condutas antijurídicas do lawfare.   

O suprassumo da perversidade persecutória

Aborda-se aqui outra dimensão do uso estratégico do sistema de justiça praticado em Goiás, qual seja, o manejo do armamento legal de extrema letalidade, utilizado pelo acusador para alvejar o alvo selecionado. Nessa dimensão do lawfare, o agente estatal do sistema de justiça utiliza as táticas e as técnicas do excesso de acusação, horizontal e vertical. São instaurados muitos processos administrativos e judiciais contra os mesmos acusados, nas esferas cíveis, administrativas e criminais e, em cada processo, são desferidas inúmeras imputações com as mais diversas tipologias. E tudo isso, com muita publicidade negativa nos meios de comunicação social. A estratégia acusatória visou agravar a situação do acusado, dificultar, imobilizar e asfixiar a capacidade de defesa.  Tal procedimento viola ostensivamente o devido processo legal e seus princípios inerentes do contraditório, ampla defesa, paridade de armas e da vedação ao bis in idem.

O Auditor Fiscal José Ferreira de Souza, na função de Gerente de Recuperação do Ativo Ambiental da Agência Goiana do Meio Ambiente, foi a vítima da vez. O auditor fiscal foi alvejado por intenso tiroteio acusatório, desferido por armas de grosso calibre pelos promotores Juliano Araújo, Ricardo Rangel e Marta Moriya. Segundo os agentes estatais persecutores, o acusado praticou o “crime” de elaborar a proposta de contratação da auditoria nos TACs firmados pela Agência Ambiental.

A acusação foi ostensivamente veiculada na mídia. O clima de “ilegalidade e improbidade” na Autarquia Ambiental levou o governador do estado de Goiás a acionar o Procurador-Geral do Estado para discutir o problema com o presidente da Agência Ambiental. A solução encontrada pelo Estado foi licitar a contratação de um serviço especializado de auditoria de terceira parte para auditar todos os processos administrativos ambientais contendo ajustes de conduta firmados pela autarquia do meio ambiente com os infratores ambientais (In: Conversão de multas ambientais em prestação de serviços de preservação, recuperação e melhoria da qualidade ambiental: o exemplo da aplicação dos TACs em Goiás. Goiânia: Kelps, 2005. 150 p. ISBN 85-7692-076-X).

Naturalmente, incumbiu ao gerente de Recuperação do Ativo Ambiental, José Ferreira de Souza, formular a proposta técnica de auditoria, contendo a delimitação do objeto, objetivo, justificativa, metodologia, prazo e orçamento do serviço de auditoria, dentro outros aspectos exigidos pela Lei de Licitação. O processo administrativo nº 2566/949-DGELP recebeu o Despacho 825/2004 da Gerência Jurídica da Autarquia Ambiental, que manifestou pela inexigibilidade de licitação na contratação de serviço especializado. O processo seguiu para a Procuradoria-Geral do Estado (PGE), que emitiu parecer assinado por procuradora jurídica com Despacho GAB 010734/2004 da lavra do Procurador-Geral favoráveis à contratação de empresa de consultoria especializada em direito tributário e administrativo, no valor de R$ 52 mil.

Dessa forma, no devido processo legal, foi contratada a empresa Tributo Advocacia Empresarial, representada pela advogada Maria Aparecida de Castro Ferreira Morgado, auditora fiscal e contadora, especialista em Direito Tributário, Direito do Trabalho e Políticas Públicas e com experiência no Conselho Administrativo Tributário da SEFAZ.

A auditoria foi realizada, o relatório publicado no Diário Oficial do Estado e o resultado apresentado e discutido em sessões públicas realizadas no auditório da Agência Ambiental e na Comissão de Meio Ambiente da Assembleia Legislativa do Estado de Goiás. O serviço contratado foi entregue no prazo estipulado e pago no valor autorizado no competente processo administrativo, resultando em ganhos de eficiência e melhoria do instrumento de recuperação do crédito ambiental em Goiás.

A despeito de todo o exposto, o MP-GO instaurou inquérito civil público nas áreas civil e criminal, a Delegacia de Polícia promoveu o indiciamento penal e cível das pessoas do Presidente e do Gerente da Autarquia, bem como da Auditora, a advogada responsável pela empresa especializada de auditoria. O Poder Judiciário recebeu as ações penais e cíveis, produzindo sentenças conflitantes em demandas que tratam dos mesmos fatos e pessoas. No criminal, os acusados foram absolvidos da primeira à última instância. No cível, o contrário. O MP-GO logrou na ação de improbidade administrativa a condenação de acordo com o libelo de “contratação de serviços sem licitação”.

Inobstante a ausência de qualquer resquício de prejuízo ao erário e nenhuma sombra de enriquecimento ilícito por parte dos acusados, estes foram condenados às penas draconianas da antiga Lei de Improbidade Administrativa, inclusive a reparação de inexistente prejuízo aos cofres públicos no valor do contrato autorizado pela PGE de R$ 52 mil.

A nova Lei de Improbidade Administrativa veda a condenação de reparação em ações de improbidade que não apontam dolo, dano e enriquecimento ilícito. No recurso à execução, a pessoa do Presidente da Autarquia, transcorridas décadas de persecução, é defendido Pro Bono pelo escritório de advocacia do ex-procurador e ex-senador Demóstenes Torres que advoga a nulidade absoluta da referida ação de improbidade administrativa, pelas razões acima expostas.         



[1] Pesquisador pós doutor associado ao Núcleo de Direitos Humanos da UFG; doutor em Ciências Ambientais; mestre em Ecologia; bacharel em Biologia, Agronomia e Direito, todos pela UFG, exceto o último, pela UNIP; diretor Científico da Egress@s UFG, membro titular da cadeira 29 da Academia de Letras de Goiânia (AGnL) e da cadeira 69 do Instituto Cultural e Educacional Bernardo Elis para os Povos do Cerrado (ICEBE).