Osmar Pires Martins Júnior**
A opinião pública é conhecedora das ações civis públicas anunciadas com grande estardalhaço na mídia contra dirigentes públicos ambientais do estado de Goiás. O objeto da demanda gira em torno dos famigerados TACs que converteram multas em prestação de serviços de recuperação, proteção e melhoria da qualidade do meio ambiente. Trata-se de uma modalidade de pena alternativa, muito comum em diversas áreas do direito que é aplicada na área ambiental com suporte na Lei Federal dos Crimes Ambientais.
O órgão de controle do meio ambiente que firmou os TACs sofreu intenso fustigamento do MP. Em resposta, a Autarquia Ambiental apresentou relatórios, documentos, auditorias tanto interna como externa, comprovando a legalidade dos atos e os benefícios auferidos. A conversão de multas torna a máquina administrativa ambiental mais eficiente. No período 1987-2002 o recebimento de multa (forma pecuniária de quitação do débito) apresentou adimplência de 0,03%. Isto é, o calote foi de 99,97%. Já a conversão de multa (forma alternativa de quitação, por meio de serviços prestados pelo infrator) apresentou, no biênio 2003-04, uma adimplência de 22,49%, isto é, a capacidade de arrecadação aumentou mais de 12 mil por cento!
Mais dados, mais acusações!
Mas, quanto mais dados se apresentou ao MP, mais acusações foram desfechadas contra o órgão e os seus dirigentes. Até mesmo a realização de uma audiência pública, convocada e patrocinada pela Comissão de Meio Ambiente da Assembléia Legislativa do Estado de Goiás para discutir "A conversão de multas em prestação de serviços de proteção, recuperação e melhoria da qualidade do meio ambiente", com a Procuradora-Chefe do IBAMA Nacional, Dra. Andrea Vulcanis, gerou uma ação de improbidade administrativa contra o titular da Autarquia Ambiental. A deputada Onaide Santillo, presidente da Comissão do Poder Legislativo, foi intimada a prestar declarações no gabinete do Promotor de Justiça, onde foi questionada no intuito de se provar o "uso de recurso público para a defesa pessoal do titular da pasta ambiental". Não deu nada. Os autos foram arquivados por absoluta improcedência.
Arbitrariedade leva à fantasiosa cifra de dano ao erário
As ações civis públicas com repercussão na mídia pediram a prisão da pessoa que ocupava o cargo de titular da Autarquia Ambiental, seu afastamento do cargo, a perda da função pública, a perda dos direitos políticos, o bloqueio de bens pessoais e salário para cobrir o suposto dano ao erário. Obrigação que, pela Lei de Improbidade Administrativa, seria transmitida à esposa e aos herdeiros diretos até a quitação do valor total, corrigido.
O suposto prejuízo aos cofres públicos foi arbitrado pelo MP no valor de 7,8 milhões de reais. A fantasiosa cifra decorreu de uma interpretação arbitrária e antijurídica da lei: a cobrança do valor original das multas, já que os TACs assinados eram "ilegais". Os serviços e bens convertidos, embora tombados ao patrimônio público, foram desconsiderados.
A Central de "Inteligência" do MP-GO descobriu um rombo fantástico e diante da brilhante descoberta ajuizou duas ações: a Criminal e a Cível, onde o suposto rombo é apresentado num quadro que relaciona os TACs que "causaram expressivo prejuízo ao poder público". Ocorre que os Juízes titulares das respectivas varas estão com enorme dificuldade para julgar o caso. Primeiro, porque os processos têm cada um oito volumes com milhares e milhares de páginas. Segundo, porque a denúncia é vazia, sem fundamentação fática e jurídica.
Processo volumétrico esconde denúncia vazia
O volumétrico processo não passa de cópias de processos administrativos de licenciamento, monitoramento e fiscalização ambiental de atividades que causam potencial impacto ambiental. Dentro desses processos estão os TACs. Para se ter uma idéia, basta imaginar quantas páginas tem um só processo que acompanha a vida funcional de uma empresa desde quando ela instalou em Goiás na década de 1970. O MP requereu todos os TACs assinados, em número de 90, fez juntar aos autos as cópias integrais dos processos administrativos.
O calhamaço foi recheado por alguns depoimentos de infratores que desmataram, poluíram, degradaram o ambiente e que foram multados e embargados. Insatisfeitos com a atuação do órgão ambiental, amparados por Promotores de Justiça e Delegados de Polícia, se sentiram à vontade para lançar acusações infundadas contra a Autoridade do órgão ambiental, sem a menor prova.
Morosidade do judiciário reforça denunciação caluniosa
Até hoje, a ação criminal sequer foi recebida pelo juiz criminal. A ação cível de improbidade administrativa permaneceu totalmente inerte durante anos a fio. A pessoa do acusado que exerceu a titularidade da Autarquia Ambiental solicitou, em 2009, providencia do Ouvidor-Geral do TJ-GO para a "efetivação da prestação jurisdicional", quer dizer, ser julgado! De nada adiantou. Os autos permaneceram parados.
Então, o interessado protocolou, em abril de 2010, Representação por Excesso de Prazo na Corregedoria do Conselho Nacional de Justiça - CNJ. O Ministro-Corregedor deu prazo para que o titular da vara cível tomasse providências. Finalmente, depois de 9 anos do anúncio público da ação pelo MP e de 6 anos do seu ajuizamento, o Estado iniciou o seu direito-dever de julgar: marcou a primeira audiência de instrução e julgamento, que ocorreu no último dia 07 de junho.
Na ação civil de improbidade administrativa, são três as pessoas físicas acusadas: o ex-presidente, o ex-chefe de Gabinete e o ex-assessor jurídico do Núcleo de Cobrança da Autarquia Ambiental. Curiosamente, só a pessoa do ex-presidente compareceu à audiência, com advogado constituído nos autos, desde 2005, e com as seis testemunhas arroladas pela defesa. Os demais acusados nada: não apareceram, nem seus advogados e muitos menos suas testemunhas. E o mais curioso: o Promotor de Justiça, parte acusadora, também não arrolou nenhuma testemunha.
Estranha atuação da instituição persecutora
A ausência dos demais acusados caracteriza estranha atuação do Acusador que não adota providência para alcançar aqueles que seriam os pretensos “alvos” da ação judicial... Estranho, frente ao que se narra a seguir.
Em 19 de outubro de 2004 – logo após audiência em Palácio com a então Ministra Dilma Rousseff, que tratou do TAC sobre o Estudo Integrado de Bacia Hidrográfica, da qual a Procuradora-Geral de Justiça participou – o governador do estado solicitou à Dra. Laura Bueno o agendamento de uma reunião para discutir os TACs polêmicos e encontrar uma solução. A reunião ocorreu no mesmo dia, às 15:00, no Gabinete da Procuradoria-Geral de Justiça, ocasião em que os Promotores de Justiça Juliano de Barros Araújo e Ricardo Rangel afirmaram que o objetivo do MP "era pegar gente da laia do Vivaldo e do Fabrício", indicados para ocupar os cargos na Autarquia Ambiental pelo partido do Senador Demóstenes. Queriam que o titular da Autarquia “delatasse os comparsas do Senador”... Ao não se dispor a cumprir tal papel, o dirigente integrou o rol dos acusados nos autos ajuizados pelo Parquet!
Não é digno aos representantes de uma instituição tutora da lei ajuizar ação com tal motivação e com uma relação processual na qual a pessoa arrolada no pólo passivo é especialmente escolhida para a persecução e outras especialmente protegidas ou ignoradas.
Dez anos depois, a primeira audiência
Os famigerados TACs firmados pela Autarquia Ambiental de Goiás foram alvo do MP que instaurou, com grande publicidade acusatória, inquéritos civis e policiais, que resultaram em ação de improbidade administrativa e em ação criminal contra os então dirigentes ambientais públicos. Quase uma década depois, ocorreu em 07 de junho último, a primeira audiência na Vara da Fazenda Pública Estadual. As testemunhas arroladas pela defesa foram ouvidas. Os depoimentos de pessoas que ocuparam funções na estrutura do órgão e que, por força da legislação e de portaria que normatizou os procedimentos relativos aos TACs, foram prestados sob o crivo do contraditório e sob juramento de falar a verdade, só a verdade.
Das seis testemunhas, cinco eram técnicos de nível universitário e de carreira da Autarquia Ambiental: um exerceu a função da unidade de fiscalização, monitoramento e licenciamento ambiental; outro na unidade específica de Fauna e Flora; e outros 3 integraram grupo de trabalho de monitoramento das obrigações assumidas nos TACs pelos infratores visando a reparação do dano ambiental causado.
Depoimentos confirmam legalidade e benefícios
Todos os depoimentos dos técnicos de carreira foram no sentido de esclarecer os questionamentos do Juiz e da acusação, informando que os TACs estavam embasados em Leis Federal e Estadual, normatizados por portaria da Autarquia, analisados e assinados pela Assessoria Jurídica e depois pelos Diretores e Presidente.
Os depoentes informaram que a Diretoria de Fiscalização, por meio das 14 rotas de rotina, além das rotas do grupo de monitoramento (3 equipes com 2 fiscais cada), voltada exclusivamente para os TACs, realizou a permanente fiscalização das áreas e o cumprimento dos infratores na reparação do dano causado.
Os técnicos confirmaram os benefícios para o poder público e o meio ambiente, decorrente da conversão das multas em serviços: Parque da Mata Atlântica, Parque de Nova Crixás, Parque de Mozarlândia, Parque de Amorinópolis, Central de Triagem de Lixo da Cachoeira Dourada, Câmara Frigorífica na Autarquia, frota de veículos para fiscalização, monitoramente e licenciamento ambiental etc.
Depoimento contrastante tem motivação política
A última testemunha arrolada pela defesa não é funcionária de carreira da Autarquia Ambiental, mas exerceu a função de Diretor de Ecossistemas. O seu depoimento decorreu da responsabilidade instituída no art. 21, § 2º da Portaria nº 28/2003-N, publicada no Diário Oficial/GO nº 19.271, de 04/11/03, de procedimentos na firmatura dos TACs, qual seja, exigir a reparação do dano causado pelos infratores que desmataram áreas legalmente protegidas. Afinal, a agressão às Áreas de Preservação Permanente às margens e nascentes dos córregos, Reserva Legal, unidades de conservação como parques, são as infrações mais comuns e que geraram a grande maioria dos TACs firmados no período.
O depoimento do Diretor de Ecossistemas, que não é funcionário de carreira da Autarquia Ambiental, contrastou com todos os demais. O depoimento contrastante do delegado de polícia tem motivação exclusivamente política. Ele foi indicado para o cargo de diretor pelo Senador Demóstenes Torres, que, então, era aliado do governador do estado. Ocorre que o senador rompeu com o governador, como é do mais amplo conhecimento público. O senador chegou inclusive a se aliar ao histórico adversário político do governador. Seu partido indicou e nomeou um nome que ocupou por um mandato de quatro anos uma pasta na Prefeitura de Goiânia.
Governador exonerou delegado que passou a perseguir ambientalista
Em consequência, o governador exonerou todos os nomes indicados pelo Senador, inclusive o delegado de polícia da função na Autarquia. Sendo ele delegado de polícia classe 3, retornando à função, assumiu a titularidade da Delegacia de Repressão a Crimes Contra a Administração Pública - DERCCAP. Por vingança, passou a indiciar o titular e servidores da Autarquia em inquéritos montados pelos adversários do Senador, na disputa entre as alas internas do MP-GO. Na última eleição, o candidato da ala pró-Senador ganhou a eleição para o cargo de Procurador-Geral de Justiça contra a candidata da ala anti-Senador. A disputa entre as alas rivais caracteriza a vida do Parquet em Goiás na última década.
O depoimento do delegado de polícia na audiência citada possui o vício insanável da inverdade, comprovada nos diversos documentos constantes dos próprios autos, que dão causa à impugnação do testemunho e o estabelecimento da verdade dos fatos, além das conseqüências jurídicas ao depoente por falso testemunho.
Ouvida as testemunhas, apresentada defesa prévia e alegações finais, resta julgar. Finalmente, depois de uma década! Mas, não! O julgador resolveu protelar ainda mais. Informou ao advogado da parte presente na audiência que remeterá os autos para o Tribunal de Justiça julgar o questionamento de suspeição, protocolado pela parte que Representou no CNJ por Excesso de Prazo e requereu o direito de julgado no prazo razoável...
Quem deveria ser preso?
Na atual realidade de Goiás, tem sido comum constatar que técnicos do serviço público estão submetidos à desonra de responder em juízo por acusações injustas. Técnicos que possuem histórico de vida honrada e proba, inclusive com anos de prestação de serviço até mesmo no MP-GO.
Cita-se o caso de um técnico de carreira da Autarquia Ambiental, que ajudou a estruturar o Laboratório de Geoprocessamento do MP-GO – aliás, obtido por um TAC assinado pelo Parquet com a Perdigão de Rio Verde. Depois de cumprir sua tarefa e retornar ao seu órgão de origem, de forma surpreendente, foi preso na Operação "Propina Verde", sob acusação de participar de dezenas de TACs “ilegais”. Ocorre que o técnico não assinou, ao contrário, deu parecer desfavorável, como chefe do Laboratório de Geoprocessamento da Autarquia. Mesmo assim, os TACs foram assinados, pois contou com o aval de um promotor de justiça. Quem deveria ser preso?
À guisa de conclusão: MP-GO, arquive ações sem justa-causa!
A ação de improbidade administrativa é o remédio jurídico para punir desonestos e corruptos que se enriquecem ilegalmente à custa dos cofres públicos, e não para submeter técnicos de carreira do serviço público às barras dos tribunais por picuinhas, querelas pessoais ou políticas.
Pelo exposto, faz-se um apelo público ao Procurador-Geral de Justiça, Dr. Benedito Torres, um homem cristão, comprometido com a Justiça e com a equidade, para promover o arquivamento de demandas sem justa-causa que tramitam no TJ-GO, ajuizadas sem propósito de justiça e sem fundamento fático-jurídico.
A justiça humana quando tarda falha! Mas ela pode ser buscada sempre dentro do tempo legal e pelos instrumentos hábeis. A Justiça Divina nunca tarda e nunca falha!
________
* Publicada no jornal Diário da Manhã, edição de 11/06/2011, p. 7 e edição de 12/06/2011, p. 14
** Osmar Pires Martins Júnior é graduando em direito, biólogo, engenheiro agrônomo, mestre em Ecologia, doutorando em Ciências Ambientais pela UFG, professor de Pós-Graduação em Perícia Ambiental na PUC-GO e membro-fundador da cadeira 29 (patrono Attílio C. Lima) da Academia Goianiense de Letras
Comentários ao artigo
1)----- Original Message -----
Sent: Saturday, June 11, 2011 13:02
Subject: Carta Aberta ao MP/GO - I
Excelente artigo! Divulguei no Facebook. Abraços,
2)----- Original Message -----
Sent: Saturday, June 11, 2011 19:36
Subject: Carta Aberta ao MP-GO
Cumprimentos ao ambientalista Osmar Pires Martins Jínior por seu corajoso e oportuno artigo, denunciando um segmento do poder que tende a se impor a todos os outros, tornando-se, de fato, uma ditadura.
3)----- Original Message -----
Sent: Sunday, June 12, 2011 10:36
Subject: Carta Aberta ao MP-GO
Osmar você tem razão, existem vários Promotores na esfera Federal e Estadual que de forma indireta atuam com escritórios de advocacia, sendo sócios de colegas advogados, acompanho a injustiça que fizeram com você, pra que ser operadores do direito, se esses maus profissionais querem burlar a Lei para ganhar rios de dinheiro, e eles se formaram para defender a ética e a moral.
Conte comigo nessa luta.
4)----- Original Message -----
Sent: Sunday, June 12, 2011 12:04
Subject: Carta Aberta ao MP-GO
Estou solidário a você nesta luta por Justiça!
5)----- Original Message -----
Sent: Sunday, June 12, 2011 13:13
Subject: Carta Aberta ao MP-GO
Também solidário, Osmar. Você sabe bem o que diz pois sentiu na pele essa picada.
6)----- Original Message -----
Sent: Sunday, June 12, 2011 16:54
Subject: Carta Aberta ao MP-GO
Lucia Silva – servidora do Tribunal Regional do Trabalho de Goiás
7)----- Original Message -----
Sent: Monday, June 13, 2011 9:54 PM
Subject: Carta Aberta ao MP-GO
Osmar,
Tu disseste tudo o que me entala na garganta! Pena que ainda não posso fazê-lo! Muito obrigado!
Alejandro Alvarado Peccinini – biólogo, mestre em Biologia, gestor de recursos naturais da Semarh, antiga Agência Ambiental, implantou o laboratório de Geoprocessamento do MP-GO
8)----- Original Message -----
Sent: Sunday, June 16, 2011 16:44
Subject: Carta Aberta ao MP-GO
No mundo dos pacíficos temos que dar mão à palmatória. Mas erros, poucas pessoas admitem e menos ainda pedem desculpas.
Mesmo com tantas outras "ações" vistas, lidas, vividas até, ainda acredito na humanidade.
9)----- Original Message -----
Sent: Friday, July 01, 2011 7:16
Subject: Carta Aberta ao MP-GO
Prof. Osmar Pires,
Há muito já sabemos dos factóides usados pra sabotar a vida, falando de uma forma geral. Aqui e ali a grande Matrix vai operando no sistema. Há poucos dias fiquei sabendo de uma artimanha que envolveu o plano ambiental e o MP. Coisas do bastidor do jornalismo. Respirei fundo e... Continuei. Em momento oportuno te falo. Mas o despertar é molecular. Atuamos na qualidade.
10)----- Original Message -----
Sent: Friday, July 01, 2011 10:31
Subject: Carta Aberta ao MP-GO
No Brasil existe Justiça? Sim, para pobres, negros, ladrões de galinha... Os grandes bandidos nunca foram e, provavelmente nunca serão punidos. Façam o que fizerem e nenhuma punição lhes será dada...
0 Comments:
Post a Comment
<< Home