Osmar Pires Martins Júnior*
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Sessão de julgamento da Ação Penal 470 discutiu a parte da imputação referente aos crimes tipicamente praticados pelas elites: evasão de divisas e lavagem de dinheiro. |
A discussão sobre o
CRIME DE LAVAGEM DE DINHEIRO pegou fogo na última sessão de julgamento do
"mensalão do PT", dia 11/10/12, no Plenário do STF.
"[...] Não vejo como,
diante dos fatos que foram expostos neste plenário, dizer que eles são típicos,
sobre o ângulo da lavagem de dinheiro. [...] Esta lei tende mesmo a ficar desmoralizada (sic!) [...]", disse o
ministro Marco Aurélio Mello, absolvendo todos os seis réus da acusação deste
crime, ao considerar que o crime de lavagem não
foi cometido, e sim o de corrupção passiva.
SINTOMÁTICO, NÃO? DÁ PARA DESCONFIAR!
Depois que os integrantes do chamado
núcleo político – José Dirceu, Delúbio Soares, José Genoíno e João Paulo Cunha,
todos do PT – foram devidamente condenados, sem nenhuma ponderação com as
consequências, AGORA, no item LAVAGEM DE DINHEIRO, vem a preocupação com a "vulgarização" da lei em decorrência das "inovações" adotadas pelo STF no julgamento da Ação Penal 470.
Lavagem de dinheiro em concurso ou em continuação com evasão de divisas perfazem condutas típicas praticadas pelas elites de qualquer sociedade capitalista, sobretudo, após o
advento do capital financeiro especulativo e se associa às mega-organizações criminosas
do narcotráfico, do contrabando de armas e de colarinho branco.
O crime de Lavagem de dinheiro foi apurado
nas Operações Satiagraha e Castelo de Areia, tanto que fundamentou o pedido, aprovado por ampla maioria da Câmara Federal, de instauração da CPI DA PRIVATARIA.
O próprio Ministro Relator Joaquim Barbosa afirmou na segunda sessão de julgamento da Ação Penal 470:
A CPI DO BANESTADO apurou
movimentação criminosa de evasão de divisas e lavagem de dinheiro, em 2000,
numa só movimentação de uma conta do TRADE BANK COMPANY, nas Ilhas Virgens,
ligada aos diretores do Banco Rural, a fantástica quantia de US$1,7 BILHÕES.
Se a Teoria do Domínio do Fato é para
valer, vem chumbo grosso por aí, , por imposição do art. 5º da CF: "todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza". Impõe-se que a "inovação jurisprudencial" do STF, aplicada na AP 470, seja válida também para os julgamentos pendentes dos inquéritos penais envolvendo o tucano Eduardo Azeredo, o banqueiro Daniel Dantas & Cia Ltda.
LAVAGEM DE DINHEIRO OU BRANQUEAMENTO DE CAPITAIS
O crime de LAVAGEM DE
DINHEIRO é assim definido pela Lei 12.683/2012:
Art. 1º. Ocultar ou
dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou
propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente,
de infração penal.
Antes, a Lei 9.613/98
estipulava um rol taxativo de crime antecedente para caracterizar o crime de
lavagem de dinheiro, consistente na prática dos seguintes crimes:
Art. 1º. Ocultar ou dissimular a
natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens,
direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de crime: I - de
tráfico ilícito de substâncias entorpecentes ou drogas afins; II - de terrorismo;
II – de terrorismo e seu financiamento; III - de contrabando ou tráfico de
armas, munições ou material destinado à sua produção; IV - de extorsão mediante
sequestro; V - contra a Administração Pública, inclusive a exigência, para si
ou para outrem, direta ou indiretamente, de qualquer vantagem, como condição ou
preço para a prática ou omissão de atos administrativos; VI - contra o sistema
financeiro nacional; VII - praticado por organização criminosa; e,VIII –
praticado por particular contra a administração pública estrangeira
Agora, no julgamento do “mensalão do PT”, de acordo com o voto do
Ministro Relator Joaquim Barbosa, não há necessidade sequer da comprovação de
que o agente acusado tenha praticado qualquer crime antecedente. O Ministro
Relator condenou o réu Anderson Adauto pelo crime citado, sendo que, na sessão
anterior, este réu foi absolvido do crime de corrupção passiva e não há contra
ele outra imputação que permita enquadrá-lo em crime antecedente à lavagem
de dinheiro.
Com isso, basta receber "dinheiro
sujo" para ser condenado na prática de crime de lavagem de dinheiro. Um
caso claro explica as consequências desta interpretação da lei: o advogado que
defenda um cliente acusado de roubar um banco (art. 157, CP), tendo sido o seu
cliente condenado, poderá o seu advogado ser acusado e condenado pelo crime de
lavagem de dinheiro.
EVASÃO DE DIVISAS
De outra parte, as consequências mais
complexas à aplicação do entendimento de que para condenar o acusado da prática
do crime de lavagem de dinheiro dispensaria qualquer crime antecedente está na
ponderação de valores e na aplicação do tipo aos casos já citados, linhas
acimas, que envolvem CRIMES DE COLARINHO BRANCO, tipicamente praticados pelas
elites econômicas, como o desvio de bilhões de reais dos cofres públicos
durante a onda de privatização das estatais brasileiras, SOB O COMANDO do então
Ministro do Planejamento José Serra, que TINHA COMO CHEFE o Presidente da
República Fernando Henrique Cardoso.
Todos os meios de investigação já citados linhas acima são fartos de documentos atestando
que tucanos de alta plumagem desviaram recursos públicos oriundos de negociatas
para privatizar o patrimônio do povo, depositando-os em contas bilionárias em
paraísos fiscais, à margem do sistema bancário oficial e burlando as normas do
Banco Central para referidas operações cambiais.
Provadas tais contas e seus respectivos
titulares, ficaria caracterizada a prática de EVASÃO DE DIVISAS e de LAVAGEM DE
DINHEIRO.
De acordo com a Lei do Colarinho Branco - Lei nº 7.492/86 considera-se crime de EVASÃO
DE DIVISAS a operação cambial efetuada sem a intermediação de um
estabelecimento bancário, envolvendo valores acima de R$10.000,00, com o
especial fim de enviar esses recursos para o exterior.
O tipo penal de
LAVAGEM DE DINHEIRO difere do de EVASÃO DE DIVISAS, porque depende da prática
de um crime antecedente. Com o novo entendimento a ser sedimentado no Supremo,
no julgamento do "mensalão do PT", tal obstáculo restaria superado.
Por exemplo, digamos que um sujeito
obtém quantia significativa com a prática de superfaturamento em obras públicas
(não há necessidade de demonstrar tal crime como antecedente da lavagem de
dinheiro) e depois pratica outro crime, da evasão de divisas, depositando as enormes
somas obtidas ilegalmente no Brasil em contas no
exterior, visando com isso ocultar esses valores das autoridades brasileiras.
Nesse caso, o agente poderia ser
responsabilizado com base no art. 70, CP, ou seja, responderá o agente pela
prática de dois crimes em CONCURSO FORMAL (lavagem de dinheiro e evasão de
divisas), aumentando-se a pena mais grave de um sexto até a metade (no crime de lavagem a pena é de três a dez anos de
reclusão e no de evasão de divisas é de dois a seis anos de reclusão).
No entendimento atual, se o agente
apenas tem o fim de remeter recursos para o exterior, sem a finalidade de
ocultar sua origem, incidirá somente nas penas previstas no artigo 22, da Lei
nº 7.492/86, isto é, na pena mais leve de evasão de divisas.
PARAÍSOS FISCAIS
A lavagem de dinheiro é um crime que se perfaz por meio das chamadas offshores, empresas de fachada que atuam como ferramentas para a realização das três fases do delito:
i) colocação, na qual se diminui a
visibilidade do dinheiro do crime, facionando e convertendo-o em outros valores
por meio do sistema financeiro, banco, bolsas de valores e casas de câmbio e
remetido para fora do país como cheques administrativos ou mercadorias de
empresas exportadoras de fachada;
ii) cobertura, uma sequência complexa e
rápida de operações financeiras, por meio de pessoas físicas e jurídicas no país de origem e nos
paraísos fiscais, afastando ao máximo o dinheiro de sua origem ilícita;
iii) integração, que consiste no
retorno e na internalização, via sistema financeiro oficial, do dinheiro ao país de origem, livre de suas impurezas, ganhando status de capital, só que branqueado ou pretensamente
lícito.
COLARINHO BRANCO E PRIVATIZAÇÃO
O jornalista investigativo Amaury
Ribeiro Jr. (In: “A Privataria Tucana”. São Paulo: Geração Editoral, 2011)
pesquisou durante uma década, a partir de documentos oficiais da CPI do
Banestado, sobre o tema lavagem de dinheiro, evasão de divisas e paraísos
fiscais.
Em síntese, relata o autor, que PARAÍSO FISCAL é um país onde a baixa tributação, a legislação facilitadora e os privilégios para instalação de offshores, que são empresas do tamanho de
uma caixa postal, cujas contas bancárias ocultam seus titulares, além de desconsiderar a origem do dinheiro, aceitando dinheiro sujo oriundo da prática de toda sorte de crime.
Mais de um terço dos paraísos fiscais
está na América Central. A OCDE estima que 22% dos investimentos globais ou 5,5
trilhões de euros passam pelas offshores.
Os paraísos fiscais são verdadeiras
lavanderias do dinheiro sujo, oriundo do crime organizado ou de colarinho
branco como narcotráfico, tráfico de mulheres, contrabando de armas e corrupção
política.
O ministro Gilson Dipp, do STJ, afirmou
que mais de dois terços do dinheiro lavado no nosso país vem da corrupção e não mais dos
outros crimes organizados, como ocorria antigamente.
No Brasil, são exemplos de dinheiro
sujo lavado em bancos da Suíça, Paraguai e Panamá os R$ 169,5 milhões desviados das obras do TRT-SP pelo juiz Nicolau dos Santos Neto em cumplicidade com o empresário e ex-senador do DEM, Luiz Estevão. O juiz foi condenado a prisão domiciliar e a devolver R$ 55 milhões aos cofres públicos. O ex-senador e seus sócios do Grupo OK, José Eduardo Corrêa Teixeira Ferraz e Fábio Monteiro de Barros Filho, foram definitivamente condenados pela 6ª Turma do STJ, por unanimidade, a 36 anos de reclusão, mas, sequer foram recolhidos a passar um dia no presídio. E agora, recentemente, o ex-senador assinou "acordo histórico" com a AGU se comprometendo a devolver meio bilhão de reais ao tesouro.
Salvatore Cacciola, que levou o Banco
Marka à falência, depositou 20 milhões de reais nas Bahamas. O banqueiro Daniel
Dantas, que comprou a Telebras por uma bagatela, de acordo com relatório da Operação Satiagraha, da PF, base de ação penal
em trâmite no STF, enviou 19,4 milhões do fundo Opportunity, para as Ilhas
Cayman por meio de doleiros que atuaram à margem do Banco Central e irrigou as contas de autoridades federais beneméritas no arremate da estatal.
O ex-subsecretário de Administração
Tributária do Rio de Janeiro, Rodrigo Silveirinha Correa e um grupo de autores
encarregados de fiscalizar empresas de grande porte, desviou US$ 33,6 milhões
dos cofres públicos para a Suíça, durante a administração Anthony Garotinho (DEM/RJ).
PARAÍSO FISCAL E PRIVATARIA
O jornalista na obra citada focou sua
investigação na Citco Building, em Wickams Cay, P.O. Box 662, Road Town, nas
Ilhas Virgens Britânicas, ligada à Citco, uma empresa financeira especializada em abrir e operar offshore, presente em 37 países e com 16
escritórios no Caribe.
De acordo com a investigação do
jornalista no livro citado, o ex-tesoureiro de campanha de José Serra e de FHC,
Ricardo Sérgio de Oliveira, que coordenou a criação dos consórcios para
arrematar as estatais no processo de privatização durante o governo tucano, possui
como advogado David Eric Spencer, que é o operador da Citco nos Estados Unidos.
E continua o autor. Gregório Marin Preciado, sócio e primo de Serra, sua filha Veronica Serra e seu genro Alexandre Bourgeois, o caixa de campanha e ex-assessor Ricardo Sérgio no Banco do
Brasil e seu braço direito na Previ, João Bosco Madeiro da Costa, todos
mandaram dinheiro para o mesmo escritório da Citco, após o período de
privatização.
Outro que também opera na Citco, por
meio da offsshore caribenha Ameritch Holding, é o ex-presidente da CBF, Ricardo
Teixeira, condenado, em maio de 2011, pela Justiça suíça a devolver US$ 30
milhões recebidos como propina da empresa esportiva ISL, além de ser condenado por improbidade administrativa, teve seus
diretos políticos suspensos e foi proibido de realizar contratos com o poder
público, em julho de 2009, pela juíza
Lilea Pires de Medeiros, da 22ª Vara Federal, além de muitos outros casos de
ilegalidades denunciadas aqui e no exterior.
Acrescenta o
jornalista, no arremate do tema, abordado no livro investigativo já citado:
Tudo gente de fino
trato, que jamais comete gafe na hora de escolher o vinho ou talher. Lastima
que tenham que conviver com outros clientes da Citco nas Ilhas Virgens
Britânicas. A mesma lavanderia prestou serviços [dentre outros "bandidos comuns"] ao narcotraficante Fernandinho
Beira-Mar e ao João Arcanjo Ribeiro, alcunhado “O Comendador”, Chefão do crime
organizado em Mato Grosso, que sonegou R$ 840 milhões em tributos e
ordenou sete assassinatos (RIBEIRO JR., 2011, p. 58).
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Correntistas da mesma empresa, a Citco nas Ilhas Virgens Britânicas, um dos paraísos fiscais, da evasão de divisas e lavagem de dinheiro dinheiro sujo dos crimes de narcotráfico, da sonegação e da corrupção. |
O POVO "TÁ PAGANDO PRA VER"...
Caso o entendimento do bravo,
bravíssimo Ministro Relator, o herói nacional Joaquim Barbosa saia vencedor no
julgamento do “mensalão do PT”, ficará dispensada a exigência do crime
antecedente e se permitirá tanto inculpar o réu no crime de lavagem, como
associá-lo ao crime de evasão de divisas, apenando-o com a pena mais gravosa.
Pronto: está feito o
estrago! Basta a comprovação das contas em Paraísos Fiscais, em nome dos
parentes, amigos, ex-ministros, ex-presidentes do Banco do Brasil e Banco
Central, sob o comando do então ministro do Planejamento José Serra e do
ex-Presidente da República FHC para, sob a Teoria do Domínio dos Fatos, julgar
e condená-los, bem como seus auxiliares, pelo rombo de TRILHÕES DE REAIS
desferido contra o erário e o povo brasileiro com a privatização das mais ricas
estatais do mundo, negociadas a preço de banana em troca de milhões de dólares, depositados em paraísos fiscais em nome dos dilapidadores do patrimônio brasileiro, como sobejamente relatado no livro de
Amaury Ribeiro Jr.
EPÍLOGO
Não deu outra! Na hora da "onça beber água" é que se sabe se o "valente é macho"!
Chegada a hora de condenar os réus inapelavelmente, como fez até agora na Ação Penal 470, e continuar "inovando a jurisprudência" nos casos de crimes de lavagem de dinheiro e evasão de divisas, o Supremo, de maneira surpreendente para muitos, mas, previsível para os analistas mais acurados, absolveu todos os réus ligados ao famigerado "núcleo político" das práticas destes crimes na sessão de hoje, 15/10/12.
Para que inovar, se tais crimes são aqueles que, "vulgarizados", pegarão mais facilmente infratores da elite, que drenam bilhões da economia nacional ou do erário para paraísos fiscais?
Para que flexibilizar as normas penais, se assim o fazendo, a elite seria obrigada a condenar a própria elite ou melhor, "gente fina" e seus cúmplices de "fino trato"?
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*Doutor em Ciências Ambientais, mestre em Ecologia e graduando em Direito, escritor, membro-titular da cadeira 29 (patrono: Attílio Corrêa Lima) da Academia Goianiense de Letras.
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