O exílio de 45 anos continua! Geraldo Vandré foi obrigado a
exilar-se com a edição do AI-5, em 1968, regressou ao Brasil em agosto de 1973,
mas desde então está aprisionado em minúsculo apartamento na cidade de São
Paulo.
Qual a causa? A ditadura
judicial implantada na "República Federativa" do Brasil pós-AI-5. Trata-se da pior de todas as ditaduras, pois contra ela não tem para onde correr, a não ser para o próprio poder judiciário.
Profetizou Vandré: "Não volto a cantar no Brasil enquanto perdurar uma lei que exclui as demais", durante apresentação musical no Paraguai, em 1982: <http://www.youtube.com/watch?v=gx5IN4ld9Y4http%3A%2F%2Fwww.youtube.com%2Fwatch%3Fv%3Dgx5IN4ld9Y4>.
Um dos ícones da MPB tocou o dedo na ferida aberta de uma
democracia mal construída. O Brasil que não rompeu os grilhões do AI-5 vive a pior
de todas as ditaduras, pois contra ela não tem para onde correr, a não ser para
o próprio poder judiciário.
Este modo inusitado de ditadura salta aos olhos e às mentes
de todos exemplificando a caça aos "petralhas", que se estende a
todos que se aproximam de um projeto de poder popular e transformador: enquanto
mafiosos confessos e contumazes estão soltos, outros que não são criminosos
amargam a prisão em regime fechado.
A rigor de uma dura realidade estranhamente não discutida, Vandré
está preso numa cela individual, em regime de isolamento, submetido a
disfarçado Regime Disciplinar Diferenciado por falta grave, previsto no art. 52
da Lei de Execução Penal, por cometer o “crime de escrever e cantar poemas
subversivos capazes de quebrar a ordem interna e da forte suspeita de
participação em organização comunista internacional”.
Há pena mais cruel? Quase meio século de enclausuramento, em
seu velho e acanhadíssimo apartamento na cidade de São Paulo! Por que não se
inseriu no circuito comercial, depois do retorno? Poderia estar rico, vivendo
nababescamente como tantos outros "ídolos" que se fizeram às custas
dos anseios do povo, navegando sobre as libertárias dos anos de 60, 70 e meados
de 1980.
Veja (de verdade) o
exemplo, sem desmerecer o talento do artista citado, mas sua arte foi colocada a serviço do que, de
quem e para quem? Não só este, mas muitos outros artistas, jornalistas, jogadores de futebol, sindicalistas, políticos estiveram a serviço do sistema criado pelo AI-5 e que perdura até hoje, de acordo com o que fala e protesta Vandré:
- “y ahora nosotros
llamamos el gran aliado del gobierno militar”;
-
"Muchas gracias al presidente chileno Señor Pinochet!"
Acesse o link e saberá quem é o
artista. Todo fim de ano ele está na Globo platinada! Mas ele não foi o único.
Vandré é um poeta. As suas letras nunca deixaram dúvida.
Linguagem mais direta impossível. Só mesmo muita paranoia golpista para ver
outra coisa. Veja esta estrofe de "Disparada", uma das mais lindas do cancioneiro
nacional:
Se você não concordar
Não posso me
desculpar
Não canto pra
enganar
Vou pegar minha
viola
Vou deixar você de
lado
Vou cantar noutro
lugar
Mas o seu poema
libertário o levou ao exílio. Depois, estranhamente anistiado, sem
nunca cometer crime algum. Será que bastam versos como em "Cantiga Brava"?
No terreiro lá de casa
Não se varre com
vassoura
Varre com ponta de
sabre
Bala de metralhadora
Banido do Brasil e
depois do Chile, apenas por compor e cantar a vida, a liberdade, a
solidariedade.
Lembre-se de quão solidário foi Vandré para com Chico Buarque
e Tom Jobim, no Festival Internacional de Música, no R. de Janeiro em 1968,
pouco antes do seu exílio.
A sua música "Para não dizer que não falei de flores
(Caminhando)" conquistou o apoio de 100% do público do Maracanãzinho; mas
o juri da platinada nascente Rede Globo escolheu a música "Sabiá", de
Chico e Jobim, cantada por Cynara e Cybele do Quarteto em Cy.
Quando foi anunciado o resultado, o público recebeu com
estrondosa vaia. O que fez Vandré? Abraçou sua viola e chorou, sozinho.
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Geraldo Vandré durante o Festival Internacional de Música, no Rio de Janeiro, em 1968 |
Depois, ao microfone, antes de cantar "Caminhando",
pediu apoio aos vencedores, respeito aos dois compositores e ensinou: "a
vida não se resume a festivais".
Não mesmo. Os festivais foram apenas um ensaio para o
monopólio da massificação platinada, que domesticou artistas, produziu falsos
ídolos, enriqueceu alguns, empobreceu a maioria.
Nos Festivais Nacionais de MPB anteriores, promovidos pelas
TVs Excelsior e Record, em São Paulo, Vandré foi consagrado vencedor com as
canções:
- "Sonho de um Carnaval"
(do iniciante Chico Buarque), cantada por Vandré, em 1965;
- “Porta-estandarte”
(Geraldo Vandré e Fernando Lona), interpretada por Airto Moreira e Tuca,
em 1966; e,
- "Disparada"
(Théo de Barros e Geraldo Vandré), interpretada por Jair Rodrigues, em
1967.
Em 1968, sob o patrocínio da Globo, alguém acredita que
Vandré ganharia? Ora, a emissora do capo Roberto Marinho fez um acordo com os
Golpistas de 1964: seria o mass media do Brasil, porta-voz da
ditadura.
O poeta de "Caminhando" jamais ganharia um festival
na Globo!
A estratégia da manipulação midiática, todos sabemos: enganar
a opinião pública durante os anos de chumbo; esconder os assassinatos da
ditadura; encobrir os crimes contra o erário; falsear a cultura e a arte;
promover a injustiça!
Essa estratégia continua mais explícita nos dias atuais,
protegendo os herdeiros e as viúvas da ditadura.
Historicamente se explica a exclusão de Vandré. O AI-5 foi
editado logo depois da explosão de "Caminhando", cantada até hoje por
todo manifestante de rua, como se viu nos grandes protestos de junho/julho de 2013,
no governo Dilma (repare: no, e não contra o!).
Com a abertura dos arquivos da ditadura, que veio a ocorrer
só no governo Lula, soube-se que Vandré estava na mira da repressão, a sua
música foi proibida.
Exilou e deixou uma carta de despedida, na letra escrita em
composição com Geraldo Azevedo:
Canção da Despedida
Já vou embora, mas
sei que vou voltar
Amor não chora, se
eu volto é pra ficar
Amor não chora, que
a hora é de deixar
O amor de agora,
pra sempre ele ficar
Eu quis ficar aqui,
mas não podia
O meu caminho a ti,
não conduzia
Um rei mal coroado,
Não queria
O amor em seu
reinado
Pois sabia
Não ia ser amado
Amor não chora, eu
volto um dia
O rei velho e
cansado já morria
Perdido em seu
reinado
Sem Maria
Quando eu me
despedia
No meu canto lhe
dizia
Vandré escapou com
vida da feroz repressão ditatorial dos países periféricos latino-americanos;
sobreviveu à Operação Condor e à OBAN, esta financiada pelos especuladores da
Paulista.
Cinco anos depois voltou ao seu país, não dedurou ninguém,
não fez campanha disfarçada para a direita, teve postura digna, como sempre na
sua vida.
Basta lembrar a postura do pseudoesquerdista Roberto Freire,
eterno aliado da direita mais enfurecida contra qualquer governo trabalhista!
Vandré utilizou um álibi impressionante para ser aceito no
Clube Militar, depois de três meses de consulta com o médico psicanalista do
clube. A senha: "desde criança adoro aviões; a maior loucura dos homens é
voar".
Tirou brevê sem nunca voar. Conseguiu a proeza de ver oficiais
e militares cantarem "Caminhando" no próprio ambiente armado. Assista a apresentação do sargento Lago, durante uma festa com militares e seus familiares, com a presença do poeta libertário: <http://www.youtube.com/watch?v=519eyCVEliY>.
Vandré compôs Fabiana, poema romântico, que inculcou no círculo militar
como de inspiração na FAB. Na Semana da Asa de 1985 um coral de 300 cadetes
cantou a música, com a presença de Vandré, que apenas a recitou:
Fabiana
Desde os tempos
distantes de criança
Numa força sem par
do pensamento,
Tem sentido
infinito e resultante
Do que sempre será
meu sentimento;
Todo teu, todo amor
e encantamento,
Vertente,
resplendor e firmamento.
Vive em tuas asas,
todo o meu viver;
Meu sonhar marinho,
todo amanhecer.
Como a flor do
melhor entendimento,
A certeza que nunca
me faltou,
Na firmeza do teu
querer bastante,
Seja perto ou
distante é meu sustento;
De lamentos não
vive o que é querente
Do teu ser, no
passado e no presente.
Vive em tuas asas,
todo meu viver;
Meu sonhar marinho,
todo amanhecer
Do futuro direi que
sabem gentes,
De todos os rincões
e continentes,
Que só tu sabes do
meu querer silente,
Porque só tu
soubeste, enquanto infante,
Das luzes do luzir
mais reluzente,
Pertencer ao meu
ser mais permanente.
Vive em tuas asas,
todo o meu viver;
Meu Sonhar marinho,
todo amanhecer.
Que ironia: um
"esquerdista" (um militante metafísico) infiltrado no "aparelho
da repressão".
Falou de paz e amor
aos treinados para a guerra interna, contra o povo, conforme cartilha dos
aparelhos de repressão montados em todos os países latino-americanos.
Uma brincadeira de criança foi o salvo-conduto de Vandré.
Gênio!
Deu no que deu: o Brasil é uma democracia meia boca! O poder no Brasil não emana do povo; não é exercido pelo EMFA, nem pelo Planalto e
menos ainda pelo Congresso.
O real centro do poder nacional é o STF sob controle do
monopólio da alienação, o PiG liderado pela Globo! E o financiador deste poder
é o sistema financeiro, sediado em qualquer lugar do mundo, em especial, na
Paulista.
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