CERRADO E DISRITMIA CARDÍACA,
O Estado de Goiás ocupa a área central ou core onde se originou, formou e expandiu o bioma Cerrado, o segundo do país que se estende por onze unidades da federação, ocupando mais de dois milhões de quilômetros quadrados ou um quarto do território brasileiro. O Cerrado é um ecossistema de transição ou ecótono que ocorre entre quase todos os demais biomas nacionais: a Amazônia, ao norte; a Caatinga, no nordeste; o Pantanal, no sudoeste; e a Mata Atlântica, a leste. À característica de transição soma-se a existência de ambientes diversificados, num gradiente que vai de mata fechada – úmida e seca, passando por cerradão, cerrado, campo-limpo, a campos de alta e baixa altitude. Temos um mosaico de habitats e nichos, proporcionando uma rica diversidade de paisagens e de espécies florísticas. Quanto às espécies faunísticas, todos os táxons de animais vertebrados e invertebrados, nos meios terrestre, aquático e aéreo, têm ocorrência no Cerrado.
As bacias hidrográficas da América do Sul possuem extensas cumieiras na região core do Cerrado, originando importantes tributários da bacia hidrográfica do Amazonas, como os Rios Caiapó, Claro, Vermelho, Araguaia e Tocantins; do São Francisco, cuja cabeceira situa-se no entorno de Brasília, numa faixa de dobramentos que vai do norte de Goiás até o sudoeste de Minas Gerais; do Paraná - Prata, como os Rios Verdão, Meia Ponte, Corumbá, Piracanjuba e Veríssimo. Além das águas de superfície, parte expressiva dos platôs e chapadas do Planalto Central Brasileiro, localizados na região do Matogrosso goiano, contribui para a percolação e alimentação do maior reservatório de água subterrânea da América do Sul – o Aqüífero Guarani.
O coração do Cerrado, portanto, situado em terras goianas, ocupa posição estratégica no continente sul-americano e brasileiro. Este aspecto contribui para que agentes públicos e privados desencadeiem intensa e constante pressão política e econômica com o objetivo de, em nome do “progresso e do bem-estar”, realizar a livre apropriação dos recursos naturais pelos setores industriais, rodoviários, ferroviários, hidroviários, hidroenergéticos, minerarmos e agropecuários. Os meios formadores de opinião reproduzem o discurso e os cidadãos absorvem a ideologia dominante.
A parte mais visível da pressão sobre a natureza se expressa na substituição dos ecossistemas naturais pelos agroecossistemas, visando implantar lavouras e pastagens. A média histórica de desmatamento do Cerrado é de 1,2% ao ano no território goiano ou 3,4 mil quilômetros quadrados, o que equivale a uma área dez vezes superior à do maior parque estadual já implantado – Terra Ronca, situado no nordeste do estado. Isto é, desde o primeiro presidente da província de Goiás, o bacharel em direito Caetano Maria Lopes da Gama, nomeado pelo Imperador D. Pedro I, em 14/9/1824, até o atual governador, bacharel em medicina Alcides Rodrigues, eleito pelo povo, todos eles juntos, transcorridos quase dois séculos, apresentam um pífio balanço preservacionista, pois perdem de goleada para o desmatamento.
Ora, um time de governantes tão despreparados representa descompromisso para com o Cerrado e/ou falta de conhecimento sobre ecologia e ciência ambiental. Como estas duas áreas do conhecimento humano surgiram em meados e em finais do século XX, poderíamos talvez perdoar os governantes do século XIX. Mas, como isentar os do século XXI? No atual século que se inicia, quando até a ONU recomenda a criação de uma agência ambiental para cuidar do controle das mudanças climáticas, é imperdoável extinguir órgão de controle da qualidade do meio ambiente. O que o governo do estado vai fazer com o projeto que levantou num moderno sistema digital georreferenciado, cada metro quadrado de áreas sensíveis e prioritárias para a conservação da biodiversidade do Cerrado? Qual a postura do Ministério Público para com a Lei Florestal de Goiás que aceita exclusivamente a produção de carvão plantado e proíbe terminantemente o carvão nativo? Qual a atitude da Secretaria da Fazenda frente à evasão de milhões de reais em divisas com o contrabando diário de caminhões carregados de carvão nativo para abastecer as siderúrgicas mineiras?
Em síntese: o que os órgãos do governo e da sociedade da unidade da federação brasileira que ocupa a área core ou o coração do cerrado fazem para preservá-lo?
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Comentários sobre esta matéria:
(8) Ibis Ferreira e Otávio Henrique Soares Brandão (sibivat@gmail.com quarta-feira, 2 de julho de 2008 15:42)
Prezado Osmar Pires, parabenizamos pelos artigos que tem escrito. São excelentes e suscitam nosso imaginário e impulsionam nossa participação nesta virada ecológica. No nosso caso, isso poderá ocorrer através da música.
Íbis Ferreira Soares Brandão – produtora cultural do projeto Atelier da Virtuosidade; e Otávio Henrique Soares Brandão – compositor/pianista brasileiro laureado em 2007 com o prêmio Qwartz d´Honneur Pierre Schaeffer, atribuído pela Prefeitura de Paris.
(7) Nivaldo dos Santos (nivaldo.santos@pq.cnpq.br sábado, 28 de junho de 2008 09:55)
Osmar, belo texto do artigo Cerrado e disritmia cardíaca. Gostaria de utilizar as construções deste ensaio, após sua autorização, para a introdução de um projeto que estamos elaborando para a Rede Centro-Oeste do Bioma Cerrado/CAPES/MCT.
Nivaldo dos Santos – advogado, professor doutor da UCG e da UFG, pequisador do CNPq.
(6) Luiz Bosco Sardinha Machado (advogadosardinha@yahoo.com.br sexta-feira, 27 de junho de 2008 14:42)
Caro prof. Osmar, seu artigo Cerrado e disritmia cardíaca, pelo interesse e qualidade do texto, já está no nosso blog: <www.colunadosardinha.blogspot.com>.
Bosco Sardinha – Advogado, Betim/MG.
(5) Marcos Dantas (jornallocal@virtnet.com.br quinta-feira, 26 de junho de 2008 17:13)
Caro Dr. Osmar Pires, seu artigo (de excelente qualidade) foi publicado: <http://www.jlocal.com.br/artigos.php?pesquisa=2918>.
Marcos Dantas – jornalista, editor do Jornal Local, Aragarças/GO.
(4) Luiz Queiroz (luizqz.ceng@cultura.com.br quinta-feira, 26 de junho de 2008 15:31)
Prof. Osmar Pires, o artigo de sua autoria, Cerrado e disritmia cardíaca, com a sua autorização, será publicado na revista do Clube de Engenharia de Goiás. Nossa revista é mensal e está com cerca de 9.000 leitores do nosso segmento (engenharia, arquitetura e agronomia). Será um grande prazer divulgar este artigo.
Luiz Soares de Queiroz – engenheiro, diretor de Divulgação do Clube de Engenharia de Goiás.
(3) Havita Rigamonti (havitavideo@yahoo.com.br quinta-feira, 26 de junho de 2008 12:48)
Definitivamente, parabéns ao prof. Osmar pelo artigo Cerrado e disritmia cardíaca, escrito com a alma, e não apenas com o conhecimento. É isto que falta neste Brasil: pessoas de índole e coragem. Valeu mais uma vez.
Abração do Havita Rigamonti – Técnico em Ecoturismo, apresentador de programa semanal na TV Record Paraná (RIC-TV), cinegrafista com trabalhos selecionados e premiados em mostras competitivas de festivais de cinema e vídeo ambiental.
(2) EulerAmorim (e.amorim@uol.com.br quinta-feira, 26 de junho de 2008 06:28)
Caro Mahatma Osmar, você fez uma perfeita comparação e deu uma das mais belas aulas em seu artigo Cerrado e disritmia cardíaca. É um texto que, pela sua didática, nos sacode, acordando-nos para a realidade.Ainda dormimos em sono letárgico.
A mesma estupefação que nos causa hoje quando a história nos conta casos absurdos de escravidão ou do direito do homem em castigar a mulher, deveria também nos causar a agressão ao meio-ambiente a que hoje assistimos. Eu não posso ser o mesmo homem que, nos anos sessenta, jogava as Everedys e Rayovacs no lixo. E, muito pior, seria o exemplo de um médico que, hoje, deixa seu paciente cardíaco se abarrotar de colesterol.
Euler Amorim – Goiânia/GO.
(1) Leda Selma (poetaledaselma@hotmail.com quinta-feira, 26 de junho de 2008 01:58)
Parabéns, Dr. Osmar, muito boa sua crônica Cerrada e disritmia cardíaca que li hoje cedo no DM! Questionamentos interessantes, colocações instigantes, o dedo em riste para os problemas ignorados pelos governantes, incoerentes e/ou omissos em suas posturas, enfim, uma denúncia contundente em relação a interesses desinteressantes para o Cerrado e para o meio-ambiente, e interessantes para muitos. De utilidade pública, seu texto.
Como sempre, minhas crônicas são meras brincadeiras, nada têm de sério, ao contrário, são brincalhonas. Optei por simplesmente diverti meu leitor. As coisas importantes deixo para articulista como você. Na maioria dos meus textos, deixo algo sério, uma crítica, uma denúncia, mesmo, às vezes, veladas. Brinco ironizando, também com o dedo em riste, mas sempre de um jeito informal e leve. Tenho textos críticos de cunho político, cujo personagem "bronco" é um mendigo, um sujeito trapalhão, um político, um assessor..., meu alter-ego, enfim. O Íris Rezende que o diga (na eleição passada, coloquei-o na berlinda).
Assim, cumpro também meu papel social, mas sempre de forma humorada. Já seus textos são, eminentemente, seriíssimos, e não comportam "deboches", sutilezas metafóricas ou algo velado. E eu os aprecio bastante. Ah! você sabia que eu estava na Comissão que escolheu seu nome para o Troféu Nelly Alves de Almeida da AGL, como melhor escritor no gênero ensaio, edição 2007? Pois é, tive esse prazer.
Lêda Selma – Escritora, membro-titular da Academia Gioiana de Letras (AGL).
1 Comments:
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