A VERDADEIRA HISTÓRIA DO PARQUE VACA BRAVA (III)
As espécies identificadas foram sucupira-preta, pequi, jatobá-do-cerrado, caviúna-do-cerrado, baru, mutamba, pau-d'óleo, pau-santo, embiruçu-do-cerrado, jacarandá-canzil, caraíba, cascudo, peroba-rosa, garapa, jequitibá, jequitibá, cedro, barriguda, mulungu, jenipapo, jatobá-da-mata, jacarandá, ipê-roxo, ipê-branco, embiruçu-da-mata, ipê-amarelo, capitão-do-campo, vinhático-do-campo, sucupira-branca, pau-formiga. A ação do homem sobre a vegetação local descaracterizou violentamente a área, de forma que pouquíssimos exemplares remanescentes da tipologia vegetal primitiva puderam ser encontrados em 1995.
Tendo em vista a conformação topográfica da região, como área de convergência de ventos, por ser de baixa pressão atmosférica, e em virtude do alto adensamento construtivo e populacional dos setores da área de influência direta daquela área verde, a referida técnica desenvolveu um projeto de recomposição prevendo-se o plantio de 6.500 mudas de espécies nativas para, entre outros, permitir a melhoria das condições do micro-clima, recomposição paisagística, proteção do manancial.
Aspectos Legais
Estes aspectos foram estudados pelo Adv. Ricardo dos Santos, OAB/GO n. 9368, que demonstrou que a legislação ambiental aplicada à área de estudo, de acordo com as caracterizações físicas, biológicas e sociais apresentadas, assegurava ao Poder Público e à coletividade a incumbência de proteger, recuperar e preservar as áreas públicas e de preservação permanente existentes na "Quadra B".
Segundo o laudo daquele experto, as áreas de preservação da "Quadra B" foram estabelecidas pelas Leis de Zoneamento de Goiânia, tanto os artigos 2º e 3º da Lei n. 5735, de 29.12.80, como pelo seu sucedâneo, o art. 86 da Lei Complementar n. 031, de 29.12.94:
“Art. 86 - Consideram-se Áreas de Preservação Permanente:
I - As faixas bilaterais contíguas aos cursos d'água temporárias e permanentes, com largura mínima de cinqüenta (50) metros, a partir das margens ou cota de inundação para todos os córregos (...);
II - As áreas circundantes das nascentes permanentes e temporárias de córrego, ribeirão e rio, com um raio inicial de cem (100) metros, podendo o órgão municipal competente ampliar esses limites, visando proteger a faixa de lençol freático;
(...)
VI - Todas as áreas recobertas por florestas nativas, bem como cerrado ou savana, identificáveis e delimitáveis, de acordo com o levantamento aerofotogramétrico de julho de 1975, realizado pelo município e, também, aqueles identificáveis na Carta de Risco de Goiânia de 1991.
Parágrafo único - Serão ainda consideradas (...) as florestas e todas as demais formas de vegetação, quando declaradas por atos do Poder Público, destinadas a proteger o bem-estar geral (...)"
O parecer jurídico em pauta ressaltou, assim, que há uma obrigação do Poder Público em recuperar e reflorestar as áreas públicas de preservação permanente. Estas áreas existem ex vi legis do art. 2º do Código Florestal, correspondendo àquelas do art. 2º do decreto de loteamento da "Quadra B", com 21.962,44 m².
Aplicação da Lei do Fundo de Vale
Com relação às áreas de preservação permanente localizadas em propriedade particular, manifestou o citado laudo pericial que, de acordo com a determinação do art. 18 do Código Florestal, incumbe ao proprietário a promoção do reflorestamento e que o Poder Público Federal poderá fazê-lo, sem desapropriação, se não o fizer o proprietário.
Além disso, no Município há a Lei do Fundo de Vale (Lei n. 7043/91) que estabelece, "verbis":
Art. 1° - O Município, através da Secretaria do Meio Ambiente, fará, mensalmente, vistoria nas margens dos cursos d'água cuja vegetação considera-se de preservação permanente;
Art. 2º - Constatando-se desmatamento, a Secretaria comunicará ao proprietário ribeirinho, que este dispões do prazo de noventa (90) dias para fazer o plantio;
§ 1º - Decorrido este prazo, e não sendo atendido o estabelecido no caput deste artigo, o Município, sem prejuízo da aplicação do art. 26 do Código Florestal, efetuará a cobrança da multa no valor de 0,20 UVG por cada m² desmatado"
Além do mais, concluiu o citado relatório, a "Quadra B" foi transformada em Área de Proteção Ambiental (APA) pela Lei n. 7091/92, cabendo ao Poder Público, através da SEMMA, por meio de Instrução Normativa, face ao art. 86 da Lei de Zoneamento, fundamento em parecer técnico circunstanciado, delimitar os limites das áreas de preservação permanente com vistas à sua proteção e recuperação efetivas.
Isto posto, com base nas medidas de recuperação determinadas judicialmente, por sentença judicial de 28.6.93 e fundamentadas em parecer emitido por equipe técnica habilitada, a SEMMA delimitou as áreas de preservação permanente na Área de Proteção Ambiental criada pela Lei n. 7091/92 na nascente do córrego Vaca Brava, através de Instrução Normativa SEMMA n.º 01, de 15.9.95:
"Art. 1º - Fica declarada como área de preservação permanente a cabeceira do Córrego Vaca Brava, situada entre as avenidas T-10, T-3, T-5 e ruas T-66 e T-15, denominada ”Quadra B", no setor Bueno, nesta capital, compreendendo a área total de 77.760,00 m², conforme memorial descritivo que passa a integrar a presente Instrução Normativa".
Daí que, como produto final dos estudos e pareceres constantes do processo referido, a SEMMA sob o comando do autor destas linhas, propôs ao Promotor de Justiça da 15ª Promotoria de Justiça de Goiânia a formalização do Termo de Ajustamento de Conduta - TAC, via Ofício n. 745, de 20.9.95, cujas clausulas foram fundamentadas nos estudos técnicos realizados. Requerida a homologação pelo Ministério Público, na mesma data de 20.9.95, obteve-se a sentença judicial, prolatada em 11.10.95, determinando a realização dos atos, dos serviços e das obras necessárias à recuperação da nascente do Córrego Vaca Brava.
Finalmente a SEMMA conseguiu entrar na área da nascente!
Tendo ficado o caminho livre dos "empecilhos legais" - criados por decisões equivocadas da própria Prefeitura em anos anteriores e que resultaram no loteamento de um parque público, - empecilhos estes removidos por intermédio de ações técnicas e jurídicas desenvolvidas conjuntamente pela SEMMA e pelo Ministério Público por proposição daquela -, pôde o Município, a partir de outubro de 1995, adentrar na área para a sua recuperação ambiental. Até então, os serviços e obras realizados se deram no perímetro de toda a "Quadra B", onde se implantou um calçadão, bastante utilizado pela comunidade, para a prática do "Cooper".
Desenvolveu-se, no plano administrativo, a viabilização financeira do projeto de recuperação e implantação da área verde. Tendo em vista a reestruturação administrativa da Prefeitura de Goiânia pela Lei n. 7407/95, e as novas incumbências da SEMMA, atribuídas pelo Decreto n. 2631, de 11.10.95 como órgão local do Sistema Nacional do Meio Ambiente, criado pela Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, deu-se carga do processo de licenciamento para expedição do "alvará de funcionamento" do Goiânia Shopping, ao órgão ambiental para análise e deliberação na área de sua competência.
Como se sabe, o licenciamento ambiental é constituído por três etapas: a Licença Prévia (LP), na fase de elaboração do projeto; Licença de Instalação (LI), para o início da execução da obra; e a Licença de Operação ou de Funcionamento (LO ou LF). Muitas destas licenças foram expedidas pela municipalidade no bojo dos processos de desmembramento/remembramento das "Quadras A e B, permitindo-se a construção de residências e empreendimentos comerciais na área do Parque Vaca Brava.
No caso do Goiânia Shopping, a empresa empreendedora Maia & Borba Ltda. com o nome de fantasia MB Engenharia, obteve o Alvará de Construção nº 022/C/92, sendo tal projeto aprovado, inclusive, pelo Núcleo de Meio Ambiente do IPLAN, sendo as obras iniciadas no ano de 1992.
Quando o Ministério Público instaurou o Inquérito Civil, naquele mesmo ano, não se dispunha de documentos e provas suficientes para o questionamento legal do domínio da área. Tanto é assim que, apesar da instauração do referido inquérito ter sido provocado por representação de vários moradores denunciando a violenta degradação de área de preservação permanente, ameaçada por construção comercial na sua área, não se conseguiu apurar a real situação do parque.
Associação reivindicou, mas promotor não agiu pelo resgate do parque!
A diligência realizada pelo Ministério Público no IPLAN apurou a informação prestada, em 1992, pelo Grupo de Cadastro de Áreas Verdes, conforme nos diz o saudoso promotor de Justiça Sulivan Silvestre, no seu livro O Ministério Público e a defesa do meio ambiente, publicado pelo CERNE, em 1996, de que:
"(...) na planta de loteamento original do Setor Bueno a área constava como “parque”. Em loteamento posterior a 1974, legal mas indevidamente foi aprovado o loteamento desta área verde” .
O posicionamento técnico acima transcrito é contemplativo, passivo e fatalista. Tal posicionamento representou um ato involuntário de sonegação das provas e dos documentos arquivados na Assessoria Jurídica do próprio IPLAN sobre o vergonhoso processo de "grilagem oficializada" do citado parque. Se tal informação fosse levada ao conhecimento do Ministério Público ele poderia ter agido para defender um bem público de uso comum, inalienável (não pode nunca ser vendida, doada ou desvirtuada da função original) e imprescritível (isto é, não há usucapião em terra pública)?
Por conseguinte, o bravo Promotor Sulivan Silvestre se deixou enganar pela informação recebida, deixando assim de tomar as providências judiciais para impedir, no seu início, em 1992, a construção de um shopping dentro de um parque público. Tanto é assim que, na peça inicial da ação civil, não se pediu a paralisação da obra, a anulação das escrituras e dos decretos que promoveram o loteamento da área e nem tampouco as providências ao Município para a recuperação e implantação de um parque.
SEMMA agiu pelo resgate do parque!
Daí que, só depois de iniciada a edificação do shopping, "legalmente" autorizado pelo alvará de construção expedido em 1992, é que no ato de expedição da Licença de Funcionamento do Goiânia Shopping, via Processo nº 497.964-8/95, a SEMMA anexou todos os estudos, laudos e pareceres, citados anteriormente neste artigo, sobre a área e, por conseguinte, exigiu do empreendedor a execução das medidas constantes do Projeto de Implantação do Parque Vaca Brava.
Tais medidas de interesse ambiental foram incorporadas pelos órgãos de análise e regulamentação do uso do solo municipal, conforme Parecer Técnico nº 002/95, constante do Processo SEMMA nº 836.846-5, e exigidas a sua execução por parte do empreendedor, consistindo no seguinte:
• Uma pista de Cooper com 1200 metros com quatro metros de largura, no perímetro da "Quadra A";
• Um lago com oito mil metros quadrados, com barragem e comporta;
• Duas estações de ginástica;
• Caminhos internos;
• Reflorestamento da área com 6500 mudas de espécies nativas;
• Rede complementar de água pluvial visando interceptar todo o lançamento atualmente verificado na nascente do Córrego Vaca Brava;
• Outorga da área de 5.318 m² referente ao lote 11 da quadra "A", em caráter perpétuo ao Município, para fins de uso comum do povo, cuja manutenção será da responsabilidade do empreendedor;
• Projeto paisagístico na área do lote citado no item anterior.
Participação popular foi decisiva
Entrementes, as ações empreendidas ao nível jurídico e técnico-administrativo, só alcançaram os objetivos pretendidos, graças a uma força propulsora que nasceu da própria comunidade, através do desenvolvimento de ações e atividades de educação ambiental.
As ações educativas desenvolvidas por iniciativa da população e/ou com a sua decisiva participação, para exemplificar, foram:
• O abaixo-assinado de moradores do entorno do parque, no ano de 1992, requerendo a instauração do inquérito civil público, peça decisiva para o desfecho do processo judicial, representado pela Sentença de 11.10.95;
• O "abraço do parque" realizado por cerca de 3500 crianças no Dia Nacional do Meio Ambiente, em 5.6.94;
• O "mutirão de reflorestamento", realizado no Dia da Árvore, em 21.9.95, quando 6.500 crianças plantaram, cada uma, esta mesma quantidade de mudas de espécies nativas, em covas previamente abertas e demarcadas pelo projeto de recomposição da SEMMA;
• A atuação da Associação dos Protetores do Parque Vaca Brava, de permanente vigilância em defesa da área verde foi e continua sendo fundamental no processo de recuperação, como abaixo se lê:
“Não fosse a reação de um grupo de 38 moradores do Setor Bueno, bairro nobre de Goiânia, a área verde onde fica hoje o Parque Vaca Brava, poderia estar ocupada por 12 espigões e um clube fechado, construídos sobre a nascente de um córrego”.
O grupo formou a Associação dos Protetores do Parque Vaca Brava, que, com o apoio da Secretaria Municipal do Meio Ambiente (SEMMA), lançou uma campanha para a desapropriação da área - loteada ilegalmente em 1974.
Em outubro de 1995, a Justiça confirmou o bosque como área de preservação permanente e autorizou a Prefeitura a realizar melhorias no local" (Folha de São Paulo, 1996. Goiânia é recordista de parques e bosques. São Paulo, 26 out. Folha Cotidiano - 3º caderno, p.1).
A participação da comunidade foi importante também no processo de manutenção e melhoria da área verde:
"Moradores das imediações do Parque Vaca Brava, no Setor Bueno, estão mobilizando-se para exigir da Prefeitura de Goiânia a recuperação do parque e a incorporação de uma área vizinha, de 5,4 mil m², entre as ruas T-5, T-3 e T-66, para sua ampliação" (O Popular, 1998. Vandalismo no Parque Vaca Brava. Goiânia, 15 jun. Cidades, p. 5).
Este conjunto articulado de ações permitiu a transformação da área verde comentada num recanto aprazível da natureza, numa atração especial que se tornou um dos principais cartões postais da cidade de Goiânia.
Mas, é bom lembrar, o parcialmente recuperado Parque Vaca Brava simboliza:
i) A árdua luta pela sobrevivência dos espaços livres urbanos frente ao avanço da especulação imobiliária;
ii) Que o poder público age no interesse dominante dos agentes produtores do espaço urbano;
iii) Que a comunidade dispõe de mecanismos próprios de interferência na máquina de estado para a defesa do patrimônio público ambiental.
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