A VERDADEIRA HISTÓRIA DO PARQUE VACA BRAVA (II)
Até o começo da década de 90 a região da cabeceira do Córrego Vaca Brava, na divisa do alto do Setor Bueno com o Jardim América, era escuro e malcheiroso. Tanto a SANEAGO como empresas e particulares - estes últimos faziam ligações clandestinas na galeria pluvial - lançavam esgotos diretamente nas suas nascentes. Com a construção de um shopping center em quatro lotes da "Quadra A", aprovado por alvará de construção expedido em 1992 e com outras construções na região, realizava-se o descarte de entulhos nas nascentes do manancial citado.
O quadro era de degradação urbanístico-ambiental acentuado. A situação verificada no Parque Vaca Brava correspondia à caracterização geral das áreas verdes e parques da cidade: conflito fundiário seja por alienações ilegais, seja por invasões; ausência de projeto de intervenção; e, conseqüentemente, não apropriação e uso dos recursos naturais existentes pelo poder público em benefício da coletividade. Diante deste quadro, a Secretaria Municipal do Meio Ambiente (SEMMA) elaborou um programa de recuperação e implantação dos parques municipais. Este programa foi baseado em três diferentes níveis de ações: técnico-jurídico, educativo e técnico-administrativo.
Nível Técnico-Jurídico
As ações técnicas e jurídicas se deram no âmbito do Convênio de Cooperação Técnica, em 16.03.93, entre o Município de Goiânia e o Ministério Público, publicado no Diário Oficial do Município n. 1029, de 31.5.93, objetivando desenvolver ações conjuntas em prol do meio ambiente urbano da capital de Goiás.
O procurador de Justiça Demóstenes Torres escreveu “Parcerias ambientais são necessárias”, publicado pela AB editora em 1996, intitulado “Uma cidade ecologicamente correta”, escrito pelo subscritor destas linhas, sobre a importância e os resultados práticos que este convênio proporcionou para a cidade de Goiânia:
“Apesar das adversidades, Goiânia teve a felicidade de contar com a conjugação de esforços da Prefeitura Municipal e do Ministério Público, (...) visando a recuperação e melhoria do meio ambiente, buscando o desenvolvimento do social e econômico do município realizado em harmonia com a preservação dos recursos naturais”.
“O convênio resultou em várias ações empreendidas em conjunto, que proporcionaram ganhos significativos para a melhoria da qualidade de vida no meio urbano”.
“A recuperação das áreas dos parques Vaca Brava e Areião indevidamente ocupados, os termos de ajustamento de conduta visando mitigar os efeitos danosos da construção do anel viário e da Fazenda São Domingos, a solução encontrada para a ocupação da rua da 115, a possibilitar assim a implantação do Parque Linear Botafogo, são marcos na história de Goiânia, representando a consagração dos superiores interesses de toda a população”.
“Os parques, que receberam especial atenção da atual Administração e que, em virtude de grande parte da área ocupada, demandaram maiores despesas de implantação e manutenção (...)”.
“Vê-se então o avanço empreendido por intermédio da união de esforços conjugada”.
No caso em foco, no ano de 1992, o Ministério Público havia instaurado Inquérito Civil Público (Portaria n. 068/92/COMA/MP-Go), para apurar as responsabilidades pela degradação da área de preservação permanente da cabeceira do Córrego Vaca Brava.
Apurada as responsabilidades, o Ministério Público ajuizou a Ação Civil Pública Ambiental (autos n. 930249851, protocolados em 18.5.93 no juízo da 2ª Vara da Fazenda Pública Municipal), contra duas construtoras e o Município de Goiânia, para reverter o quadro de degradação constatado. A MB Engenharia por realizar retirada de grande quantidade terra no cruzamento da rua T-15 com a T-10, em área da Quadra "A", para a construção de um shopping; a Tradição Engenharia por descarregar entulhos no local; e o Município de Goiânia por se omitir da obrigação constitucional de preservação e recuperação de uma área de interesse ambiental.
Liminar Judicial homologa TAC firmado pelo Município
Os pedidos formulados na inicial da ação civil foram juridicamente fundamentados nos dispositivos legais estabelecidos pelo Código Florestal, Lei de Política Nacional do Meio Ambiente e Código de Posturas e outras leis municipais. No curso do referido processo, o Juiz de Direito Geraldo Salvador de Moura, proferiu a seguinte sentença judicial, em 28.6.93, a respeito do pedido da liminar:
“(...) O Município opinou sobre o pedido de liminar, através da sua Secretaria do Meio Ambiente, pretendendo solucionar o problema ambiental nas nascentes do córrego Vaca Brava, com as seguintes medidas:
De curto Prazo
a)suspender o uso do solo para a "Quadra B";
b)declarar a área "B" como área verde;
c)decretar a desapropriação da "Quadra B";
(...)
e) toda a área desapropriada deverá ser reflorestada;
f) prever, (...) um serviço permanente de administração e manutenção;
g) retirar e impedir um depósito de entulho e lixo domiciliar existente na área;
h) prolongar a tubulação de galerias até o córrego; tratamento contra erosão.
De Médio Prazo
Elaboração e execução de Projetos de Urbanização e Paisagismo condizentes com os anseios da população local e para toda a cidade.
Instruiu suas informações com projetos (fls. 100/113).
(...) Isto posto.
Aure-se pelas informações prestadas pelo Município de Goiânia e pela MB Engenharia Ltda. que tais pessoas jurídicas já estão, de certo modo, atendendo o solicitado na inicial, pelo que, quanto a elas, não se justifica a concessão de liminar (...)".
No entanto, como entrar numa área tida como particular, que foi alvo de uma longa demanda jurídica no âmbito da administração? Para resolver esta questão recorreu-se ao mencionado Convênio de Cooperação Técnica. O cumprimento das medidas constantes da Sentença Judicial de 28.6.93, pelo Município, na área do Parque Vaca Brava, foi possível graças à parceria que se desenvolveu entre a SEMMA e o Centro de Defesa do Meio Ambiente e suas Promotorias Especializadas.
TAC proposto pela SEMMA viabilizou recuperação do parque
Após minucioso trabalho de pesquisa e levantamento dos documentos que integram os processos que resultaram no desmembramento e posterior remembramento de áreas pertencentes ao parque citado, ficou evidenciada a viabilidade da via judicial para o resgate desta área verde. O instrumento utilizado foi o do ajustamento de conduta, previsto na Lei das Ações Civis Públicas, que permite ao Promotor de Justiça assinar títulos extrajudiciais ou judiciais, visando dar cumprimento aos pedidos formulados na ação civil pública.
Assim, após a realização de estudos técnicos - a seguir comentados -, a SEMMA via Ofício n. 754, de 20.9.95 propôs ao Promotor de Justiça da 15ª Promotoria de Justiça de Goiânia, a formalização do Termo de Compromisso e Ajustamento de Conduta - TAC, assinado nesta mesma data, contendo:
"(...)
Clausula segunda - DA OBRIGAÇÃO DO MUNICÍPIO
O Município de Goiânia, através da Secretaria do Meio Ambiente, obriga-se:
I - ordenar a desocupação de qualquer imóvel dentro da área verde e de preservação permanente;
II - estabelecer os limites das áreas de preservação permanente...;
(...)
V - providenciar imediatamente o plantio das matas ciliares necessárias à preservação da nascente (olhos d'água, minas, brejo) e reverter o processo erosivo;
VI - retirar as plantações temporárias existentes em área de domínio público e nas áreas de preservação permanente;
VII - evitar que as águas pluviais canalizadas sejam dirigidas para a nascente em questão (...);
VIII - construir uma barragem com formação de um lago para a proteção de toda a nascente e arborizar as margens;
Clausula terceira - DA OBRIGAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO
O Ministério Público dá-se por satisfeito e atendido o pedido inicial da ação (...) e requererá a homologação do presente instrumento, para que surta seus efeitos legais (...)".
Assim foi feito.
O Juiz de Direito Geraldo Salvador de Moura homologou por sentença judicial, em 11.10.95, o acordo requerido pelo Ministério Público, dia 20.9.95, às fls. 334/7 dos autos em comento. Estas ações no âmbito judicial revestiram-se de fundamental importância para que o Município de Goiânia pudesse se apropriar da área destinada ao Parque Vaca Brava. Outra maneira de fazê-lo seria, obviamente, através da desapropriação - cuja proposição, inclusive, constou das medidas da Sentença Judicial exarada em 28.6.93.
Contudo, o processo de desapropriação seria caro e demorado, pois não se daria de forma pacífica. O pretenso proprietário da Quadra "B” - que morava no exterior em 1993 - quando tomou conhecimento da intenção do Município em "desapropriá-lo", veio a Goiânia e declarou ao jornal Diário da Manhã que a ação da Prefeitura era "aventureira, pois ela não tinha dinheiro suficiente para pagar o preço justo da área".
Pelo valor de mercado, quanto valeria uma área de 80.000 m² com alvará aprovado para construção de 12 prédios de 20 andares cada num dos setores mais valorizados de Goiânia? Este valor de mercado consumiria o orçamento líquido da Prefeitura equivalente a vários meses de impostos. Isto significaria deixar de investir em escola, saúde, asfalto etc., em função exclusivamente de se adquirir, de volta ao domínio público, uma área originalmente destinada a parque.
Qualquer valor, a título de indenização, que fosse depositado judicialmente no processo desapropriatório, abaixo do de mercado, poderia ser questionado pelo "proprietário", e possivelmente, seria muito pequena a chance de se lograr êxito judicial na imissão de posse da área a favor do Município.
Plano Técnico-Administrativo
Um conjunto de ações no plano técnico-administrativo foi efetivado para que as medidas previstas judicialmente viabilizassem a execução das obras e serviços de recuperação da área verde da cabeceira do Córrego Vaca Brava. Os pedidos formulados na ação civil e as medidas constantes da Sentença Judicial de 28.6.93 referiam-se aos seguintes tópicos: reflorestamento, criação de área verde e delimitação da área de preservação permanente; implantação de galeria pluvial; formação de um lago para proteção da nascente e controle da erosão; remoção das ocupações.
Visando cumprir a Sentença Judicial acima referida, a SEMMA baixou Portaria n. 012, de 06.9.95 no Processo n. 889.964-9/95, de 06.09.95, constituiu uma Equipe de Trabalho, formada por um advogado, um engenheiro agrônomo e dois geógrafos. A equipe tinha por objetivo formular as diretrizes técnicas que pudessem permitir a elaboração e a execução dos projetos ambientais. Esta equipe produziu o Relatório Técnico, em 15.9.95, concluindo sobre pontos de grande interesse para a viabilização dos projetos de recuperação ambiental da área.
Estudos Hidrogeológicos
Estes foram assinados pelo geógrafo Antônio Soares da Costa, CREA n. 5905 GO/TO e pelo professor João Batista de Deus, Doutor em Geografia Urbana da UFG. De acordo com o laudo dos técnicos acima referidos, a nascente do Córrego Vaca Brava ocupa uma região de DALES (depressões circulares correspondentes a antigas veredas), situada na cabeceira de diversos cursos d'água do município. Os solos são constituídos por argila e matéria orgânica com lençol freático aflorante. O relevo possui uma forma convexa com cobertura detrito-laterítica sujeito a erosões e ravinamentos com uma declividade variando de 0 a 5% e altitude variando entre 730 a 800 metros.
O referido laudo comprovou tecnicamente que, do ponto de vista hidrogeológico, a "Quadra B" caracterizava-se como uma área de descarga, de afloramento do aqüífero e, por isso, na cabeceira do manancial em apreço, os olhos d'água apareciam de forma generalizada. Por esta razão, existia uma quantidade tal de minas que a única forma de locá-las com precisão seria através de drenagens da área de descarga.
À montante da área de brejo, o laudo identificou duas pequenas nascentes, próximas à uma residência existente no local; uma outra que drenava juntamente com águas de fundações dos prédios existentes na Rua T-66; e a quarta nascente, localizada numa quadra localizada na Av. T-3, destinada a escola, à margem direita da "Quadra B", pelo lado do setor Bueno.
Assim, considerando as características morfológicas, hidrológicas e estruturais do local, concluiu-se que a área em questão é imprópria para ocupação, por apresentar o afloramento do lençol freático, ao longo de toda quadra, constituindo-se em ponto de saturação da área de descarga.
No laudo em referência, os técnicos citados utilizaram o conceito estabelecido no Dicionário Geológico-Geomorfológico, do renomado professor Guerra, publicado pelo IBGE, de que:
"(...)Cabeceira é a área onde afloram os olhos d'água que dão origem a um curso fluvial; é o oposto de foz. Não se deve pensar que a cabeceira seja um lugar bem definido. Por sua vez ela constitui uma verdadeira área, e neste caso surge uma série de problemas não menos difíceis, como o da escolha de um critério para a determinação do curso principal. As cabeceiras são também denominadas de nascentes, fonte, lacrimal, pantanal, manancial, etc.".
Vocação da área de cabeceira do córrego Vaca Brava: parque!
Sendo assim, este conceito foi aplicado com vistas ao cumprimento do item II da clausula segunda do Termo de Ajustamento, qual seja, estabelecer os limites das áreas de preservação permanente. No levantamento de campo realizado pelos referidos técnicos, em função das características hidrogeológicas do terreno da quadra "B", de cabeceira do Córrego Vaca Brava, a área da nascente foi delimitada com 32.568,06 m².
O laudo delimitou ainda a faixa de domínio público estabelecida pelo art. 2º dos decretos de loteamento do Parque Brava, cujo teor - repetido com a mesma redação pelo Decreto n. 99, de 14.2.74, pelo Decreto n, 612, de 8.11.85, como pelo Decreto n. 1223, de 16.10.87 - é o seguinte:
Art. 2º - Passa a ser domínio da Prefeitura Municipal de Goiânia, caracterizada como "Zona Verde de Preservação", determinada por duas paralelas ao eixo do Córrego Vaca Brava, distantes entre si de quarenta (40) metros, sendo vinte (20) metros a partir de cada margem do ribeirão“.
A definição de margem constante no citado Dicionário Geológico-Geomorfológico foi adotada no referido laudo, como:
"faixas de terras emersas ou firmes junto às águas de um manancial”.
E como, na "Quadra B", a área da cabeceira do córrego delimitava perfeitamente duas faixas de terras, uma seca e outra alagada. Então, a faixa de domínio público municipal, estabelecida por força do art. 2º daquele decreto, segundo medição "in loco", foi delimitada com uma área de 21.692,44 m².
Por fim, as áreas marginais de preservação permanente foram delimitadas de acordo com a faixa mínima de 50 metros estabelecida pelo artigo 86 da Lei de Zoneamento de Goiânia, perfazendo a metragem de 23.229,50 m². Assim, as áreas de preservação permanente (nascentes e margens) e de domínio público na quadra "B" somaram o total de 77.760,00 m².
As características geoambientais da área foram estudadas pela equipe de trabalho da SEMMA e confrontadas com as recomendações da Carta de Risco de Goiânia. Chegou-se à conclusão, dentre outras,que a "Quadra B" não poderia ser recomendada para ocupação humana,por ser a mesma susceptível a processos erosivos, sulcos, ravinamentos e voçorocas, como a que, à época da emissão do referido laudo, existia na R. T-66, sendo referida área destinada a preservação e recuperação ambiental.
0 Comments:
Post a Comment
<< Home